domingo, 11 de julho de 2010

A SEGURANÇA ETERNA E A RESPONSABILIDADE HUMANA


“As minhas ovelhas ouvem a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna; jamais perecerão, e ninguém as arrebatará da minha mão”.

(Jo 10.27,28).

Esta é talvez a maior promessa em toda a Escritura; É aqui onde o aflito encontra alegria e paz; onde o espírito vacilante encontra apoio para firmar os pés e se agarra para caminhar com segurança. Estas são as “asas” (Sl 91.4) do Senhor onde podemos achar refúgio certo; são os “pastos verdejantes” e as “águas de descanso” (Sl 23.2) onde repousamos tranqüilamente enquanto a alma se refrigera. A possibilidade do “vale da sombra da morte” (Sl 23.4) não nos põe medo, pois o Senhor está conosco, quem nos arrebatará da Sua mão?

“Quem nos separará do amor de Cristo? Será tribulação, ou angústia, ou perseguição, ou fome, ou nudez, ou perigo, ou espada?” (Rm 8.35). Quem (mais uma vez indago) terá tamanho poder de arrebatar-nos da mão do Senhor?

Oh, alegrem-se todos os crentes! Que a terra estremeça ao som das nossas vozes e todas as ovelhas do Senhor entoem com júbilo a velha canção: “Que segurança tenho em Jesus!” 1, pois Cristo declarou: “ninguém as arrebatará da minha mão”, e, como o apóstolo Paulo, podemos dizer confiantes: “Porque eu estou bem certo de que nem a morte, nem a vida, nem os anjos, nem os principados, nem as coisas do presente, nem do porvir, nem os poderes, nem a altura, nem a profundidade, nem qualquer outra criatura poderá separar-nos do amor de Deus, que está em Cristo Jesus, nosso Senhor” (Rm 8.38,39).

Alguém poderia perguntar: “E o perigo da apostasia, do qual a Bíblia fala em tantos lugares? Isto não nos poderia separar do amor de Deus ou arrebatar-nos de Sua mão?”. Deus nos livre de tal pensamento! O apóstolo Paulo deixa claro que nada poderá separar aqueles que Deus escolheu do destino eterno preparado para eles, pois “aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos. E aos que predestinou, a esses também chamou; a aos que chamou, a esses também justificou; e aos que justificou, a esses também glorificou” (Rm 8.29,30). Deus glorificará aos que predestinou!

Alguns têm colocado em descrédito esta promessa do Senhor (“...ninguém as arrebatará da minha mão”), como no caso dos Remonstrantes 2, que ensinavam que “Os que escolheram crer em Cristo e foram perdoados e salvos, eventualmente podem tomar uma decisão contrária, voltar atrás e cair da graça salvadora, e se perder para sempre” 3. Este não é o verdadeiro ensino das Escrituras. Os que renegam a Cristo apostatando da fé jamais foram salvos! O apóstolo João, falando dos apóstatas, nos esclarece: “Eles saíram de nosso meio; entretanto, não eram dos nossos; porque, se tivessem sido dos nossos, teriam permanecido conosco; todavia, eles se foram para que ficasse manifesto que nenhum deles é dos nossos” (1 Jo 2.19). Vejamos também o texto de Hebreus 6.4-6, que tantas vezes tem sido mal interpretado e utilizado para defender a idéia de “perca de salvação” por falar sobre a apostasia de pessoas que foram “iluminadas, e provaram do dom celestial, e se tornaram participantes, e provaram a boa palavra de Deus e os poderes do mundo vindouro, e caíram [...] é impossível outra vez renová-los para arrependimento...” (Hb 6.4-6). Este texto, dentro de seu devido contexto, não fala sobre crentes genuínos nem sobre a possibilidade de tal acontecimento na vida destes. Na verdade, o texto fala sobre falsos convertidos e esclarece este ponto no versículo 9: “Quanto a vós outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação, ainda que falamos desta maneira” (Hb 6.9). Parafraseando, poderíamos colocar as coisas nestes termos: “Embora estejamos falando desta maneira, sobre pessoas que pareciam crentes, estamos convictos da salvação de vocês amados, pois sois totalmente diferentes daqueles, e esperamos que este alerta sirva como incentivo para que confirmeis ainda mais a vossa eleição, perseverando e dando bons frutos até o fim”. Lembremos que cristo nos adverte quanto a isto na parábola do semeador (Lc 8.4-15), onde lemos sobre quatro sementes, sendo a primeira, os que rejeitaram a palavra; a segunda e a terceira, os falsos convertidos , os quais “crêem apenas por algum tempo” (Lc 8.13), para depois se desviarem, seja pela “provação” ou pelos “deleites da vida” (Lc 8.14). Somente a última retém a palavra e frutifica com “perseverança” (Lc 8.15).

Um outro erro que deturpa a doutrina da “Segurança Eterna dos Santos” e violenta a santa doutrina da “Eleição”, levando tudo para o extremo oposto, é uma má compreensão ou distorção da doutrina da “Predestinação”. Paulo deixa claro que Deus “nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo [...] e em amor, nos predestinou para ele...” (Ef 1.4,5), com isso alguns argumentam: “Se Deus me predestinou para Ele, não importa o que eu faça, no final estarei com Ele...”, desta maneira, buscam na predestinação um pretexto para seguirem os conselhos de seus corações libertinos; tais homens crêem na promessa do Senhor, mas não sabem quão distantes estão de Sua mão. É verdade que aqueles que Deus predestinou, com certeza serão glorificados (Rm 8.29,30), mas o versículo 4 do capítulo 1 de Efésios não nos diz que Deus “nos escolheu, nele, antes da fundação do mundo” para vivermos na prática do pecado, antes, este versículo nos mostra o propósito de nossa eleição e predestinação, ou seja, fomos eleitos “para sermos santos e irrepreensíveis perante ele” (Ef 1.4), predestinados “para boas obras, as quais Deus de antemão preparou para que andássemos nelas” (Ef 2.10). Somos justificados somente pela fé e isso é verdade, mas as obras acompanham a fé na vida dos santos, pois como diz Tiago “Assim, também a fé, se não tiver obras, por si só está morta” (Tg 2.17). As obras são, por assim dizer, os frutos dos que receberam o dom da fé, pois, lembremos mais uma vez da parábola do semeador: o que acontece com a semente que “caiu na boa terra”? “Estes frutificam com perseverança” (Lc 8.15). Somos chamados para dar frutos e perseverar! Não podemos esquecer que Deus nos considera totalmente responsáveis por nossas ações e certamente pereceremos se assim não procedermos. Como diz Louis Berkhof: “Aqueles que se perdem, só poderão culpar a si mesmos” 4.

C. H. Spurgeon, falando sobre a Graça Soberana e a Responsabilidade do Homem, diz: “Que Deus predestina e que o homem é responsável são duas coisas que poucos conseguem enxergar. Estas verdades são tidas como incongruentes e contraditórias; contudo não são. É defeito do nosso fraco julgamento... é minha tontice que me leva a imaginar que duas verdades podem, alguma vez, contradizer-se uma a outra” 5. “Creio na predestinação, sim, até em cada jota e em cada til. Creio que o rumo seguido por um simples grão de areia no vento de março é ordenado e estabelecido por um decreto que não pode ser violado; que cada palavra e pensamento do homem, cada movimento de asas de um pardal, cada vôo de um inseto... que tudo é de fato pré-conhecido e preordenado. Mas creio igualmente na livre agência 6 do homem, que o homem age como quer, especialmente nas operações morais – escolhendo o mal com uma vontade não induzida por coisa alguma que venha de Deus, induzida unicamente por sua própria depravação de coração e pela perversidade de seus hábitos; também escolhendo o certo com perfeita liberdade, embora secretamente guiado pelo Espírito Santo... Creio que o homem é tão responsável como se não houvesse destino algum... Onde estas duas verdades se encontram não sei, nem quero saber. Elas não me atrapalham, uma vez que deixei de lado o meu entendimento para crer nelas duas” 7.

Lembremos da promessa do Senhor com confiança inabalável, certos de que seguramente há um céu preparado para nós, no qual ninguém nos poderá impedir a entrada. Estamos seguros na mão do Salvador, de onde ninguém nos poderá arrebatar. Nossa confiança não vem de nossas próprias débeis forças, esperando que teríamos a capacidade de manter-nos agarrados à mão do Mestre, mas sim na força do Senhor em manter-nos seguros em Sua mão; nos regozijamos em saber que “aquele que começou boa obra [...] há de completá-la até ao Dia de Cristo Jesus” (Fp 1.6). Não nos esqueçamos porém, que somos chamados para perseverar e dar frutos, portanto, trabalhemos com afinco na seara do Senhor. Jamais encontraremos nas doutrinas da “Segurança Eterna” ou da “Predestinação” apoio para permanecermos inertes ou na prática do pecado. Deus salva os Seus (levando-os a perseverarem, seguros em Sua mão) e responsabiliza a todos os demais por sua incredulidade e pecaminosidade.

Graças damos a Deus por sua infinita misericórdia em nos conceder gratuitamente a salvação em Cristo, e rogamos a Ele que nos conceda um espírito perseverante, que nos impulsione a crescer em santidade dia após dia, seguindo todo o conselho da Sua santa Palavra, para que “no devido tempo” (Sl 1.3) possamos dar o nosso fruto.


Soli Deo Gloria



Nelson Ávila, 6 de julho de 2010.

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1 Segurança e Alegria (F. J. Crosby – G. B. Mind). Hino de nº 144 do Hinário Novo Cântico da Igreja Presbiteriana do Brasil.


2 Remonstrantes: Seguidores do professor holandês Jacó Armínio (1560-1609) que, baseando-se na interpretação de Armínio (“arminiana”) das Escrituras, formularam uma compreensão do plano da salvação que consistia em 5 pontos, os quais foram refutados no Sínodo de Dort (1618-1619), convocado pelos Estados Gerais da Holanda. Acerca do Sínodo de Dort, Louis Berkhof declara: “... foi realmente uma augusta assembléia, constituída por 84 membros e 18 delegados. Desses quarenta e oito eram holandeses, e os demais estrangeiros que representavam a Inglaterra, a Escócia, o Palatinado, Hesse, Nassau, Bremem, Endem e a Suíça” (BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, São Paulo, Editora PES, 1992 [Edição original em 1937], pg. 137).


3 LOPES, Augustus Nicodemus, Teologia Relacional, São Paulo, Editora PES, 2008, pg. 15. [Este é o último dos 5 pontos arminianos. Neste livro, o Pr. Augustus Nicodemus Lopes nos apresenta uma excelente e breve refutação à Teologia Relacional, que se declara uma “nova” visão de Deus, mas que na verdade, como o próprio autor afirma, não passa de uma “apresentação requentada de várias idéias antigas, conhecidas da Igreja Cristã, algumas delas inclusive condenadas como heréticas” (pg. 11). O Pr. Nicodemus declara ainda que “a maior influência na Teologia Relacional, sem dúvida, é o arminianismo” e que “ela é um desenvolvimento lógico do arminianismo, ou ainda, o arminianismo levado às suas últimas conseqüências” (pg. 13, 14)].


4 BERKHOF, Louis, A História das Doutrinas Cristãs, São Paulo, Editora PES, 1992 [Edição original em 1937], pg. 138.


5 Púlpito da Rua do Novo Parque (New Park Street Pulpit) (Londres: Passmore and Alabaster), vol. 4, p. 337. Sermões e volumes anuais de Spurgeon referentes a 1855-1860. Citado por Iain H. Murray em Spurgeon Versus Hipercalvinismo, São Paulo, editora PES, 2006, pg. 99.


6 Como diz Iain Murray (Spurgeon Versus Hipercalvinismo, São Paulo, editora PES, 2006, pg. 97): “A terminologia aqui é importante. Não se confunda livre agência com “livre-arbítrio”. Desde a Queda, os homens não perderam a sua responsabilidade, mas perderam a sua capacidade, a vontade, de obedecer a Deus. Por conseguinte, Spurgeon podia dizer: “Eu temo, mais do que qualquer coisa, que você seja deixado entregue a sua vontade livre”, ao seu livre-arbítrio”. Em A Verdade Para Todos os Tempos (São Paul, Editora PES, 2008, pg 19), João Calvino Escreve sobre o “livre-arbítrio”:

“As Escrituras asseveram muitas vezes que o homem é escravo do pecado. O que isso significa é que sua mente acha-se tão longe da justiça de Deus que só pensa, deseja e empreende o que é mau, perverso, iníquo e sujo; pois o coração, cheio do veneno do pecado, não pode emitir nada senão frutos do pecado.

Todavia, não devemos pensar que existe uma imperiosa necessidade impelindo o homem a pecar. Ele peca com pleno acordo da sua vontade, e ele o faz avidamente, seguindo suas próprias inclinações.

A corrupção do seu coração indica que o homem tem forte e persistente ódio a toda a justiça de Deus. Acresce que ele se vota a toda espécie de mal. Por causa disso se diz que ele não tem livre poder de escolha entre o bem e o mal – não tem o chamado livre-arbítrio”.


7 Púlpito do Tabernáculo Metropolitano (Metropolitan Tabernacle Pulpit) (Londres: Passmore and Alabaster), vol. 15, p. 458. Esta série sucedeu aos seis volumes do Púlpito da Rua do Novo Parque. O primeiro volume do PTM, com sermões referentes ao ano de 1861, recebeu por isso o número 7. As publicações anuais continuaram até o ano de 1917. Citado por Iain H. Murray em Spurgeon Versus Hipercalvinismo, São Paulo, editora PES, 2006, pg. 100.

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