Esta é uma questão complicada de se abordar, não porque seja obscura ou careçamos de base bíblica, mas por ferir ou chocar, a primeira vista, àqueles que não estão familiarizados com a doutrina reformada.
É certo que existem reformados que não a sustentam e denominam-se “calvinistas de quatro pontos”, a cerca dos quais R. C. Sproul declara: “É difícil que a pessoa possa entender os outros quatro pontos do calvinismo e negar a expiação limitada” (Eleitos de Deus, Cultura Cristã, p. 135). Creio ser, no mínimo, inconsistente abraçar os demais pontos e rejeitar este, mas, visto que isto acontece, consideremos então o que vem a ser esta tal “expiação limitada”.
“Limited Atonement” (Expiação Limitada) é o terceiro dos cinco pontos de Dort (os popularmente chamados “cinco pontos calvinistas” ou “T.U.L.I.P.”). Este ponto defende que Cristo morreu exclusivamente por Seu povo, ou seja, os eleitos. Seu sacrifício foi suficientemente eficaz para salvá-los.
Alguém que leia rapidamente, ou de maneira desatenta, este último parágrafo, provavelmente concordará com a doutrina da “Expiação Limitada”, todavia, os que estão pela primeira vez às portas da catedral do século XVI, indecisos entre visitar ou não o solene recinto, perceberão, como que contornado por luzes de néon, a palavra “exclusivamente”. Este é o ponto, como diz Sproul, onde as pessoas “saem do barco” (Idem), pois é onde surge o questionamento: “Cristo morreu por todos ou só pelos eleitos?”.
Se você leu os dois últimos textos deste blog (“A QUEDA” e “A ESCOLHA SOBERANA”), percebeu que tratei, respectivamente, da condição espiritual do homem sem Deus (morto e incapaz de responder ao Seu chamado [Ef. 2.1]) e do modo como Deus escolheu, em Si mesmo, um povo para ser reconciliado com Ele, adotando-os como filhos, predestinando-os desde antes da fundação do mundo, chamando-os e justificando-os, para no fim, glorificá-los (Ef. 1.4-6; Rm. 8.28-30). Com base nestes textos (e nas diversas referências bíblicas já citadas ali), fica claríssimo que a “Expiação Limitada” é a resposta bíblica entre os extremos do “arminianismo” e “pelagianismo” (que em última análise negam a eficácia do sacrifício de Cristo, reduzindo-o a uma mera possibilidade de salvação que depende da ação livre de um homem escravo do pecado, o qual tem os próprios pensamentos sob o senhorio deste mundo e, como já citado, está morto [Ef. 2.1-3].) e do “universalismo” (que concede salvação indiscriminadamente a crentes e descrentes, justos e injustos, santos e devassos, negando doutrinas básicas da fé cristã como Inferno, Pecado e Morte, Eleição, Reprovação, Regeneração e etc.).
O texto base em defesa desta doutrina encontra-se na oração sumo sacerdotal de Jesus: “... Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus...” (Jo. 17.9). Aqui Cristo abertamente ora em favor dos eleitos, aqueles que o Pai escolheu desde “antes dos tempos eternos” (Tt. 1.1,2). Se cristo houvesse morrido por todos, não haveria de fazer uma distinção entre os que são dEle e o restante do mundo.
Um texto que tem sido utilizado freqüentemente para combater esta doutrina é o famoso João 3.16: “Porque Deus amou o mundo de tal maneira, que deu seu Filho unigênito, para todo aquele que nEle crê não pereça, mas tenha a vida eterna”, mas é uma completa falácia e distorção utilizar este texto para este propósito, pois se o analisarmos bem, veremos que ele concorda claramente com a doutrina da “Expiação Limitada” e Tito 1.1,2 (no qual lemos que Paulo fora chamado ao apostolado justamente para “levar os eleitos de Deus [não o mundo todo] à fé e ao conhecimento da verdade... a qual o Deus que não mente prometeu antes dos tempos eternos”), pois Deus não deu seu filho em favor de todos os habitantes do mundo; foi por “todo aquele que nEle crê” que Jesus morreu. Estes são os que não perecerão. E quem podem ser os “que nEle crê”, senão os eleitos?
“Pela graça fostes salvos, por meio da fé, e isso não vem de vós, é o dom de Deus” (Ef. 2.8 – Bíblia de Jerusalém).
“... Jesus, autor e consumador da nossa fé” (Hb. 12.2 - NVI).
“Pois é Deus quem efetua em vocês tanto o querer quanto o realizar, de acordo com a boa vontade dEle” (Fl. 2.13 - NVI).
Visto que a fé não é gerada pelo próprio homem*, mas criada por Deus e doada àqueles a quem Ele escolheu para usar de misericórdia (pois, “Deus tem misericórdia de quem Ele quer, e endurece a quem Ele quer” [Rm. 9.18].), concluímos que os que recebem de Deus esta fé são os únicos capazes de preencher a lacuna dos “que nEle crê” de João 3.16. Não esqueçamos que foi o próprio João que registrou, acerca de Jesus, mais adiante em seu Evangelho: “... Não rogo pelo mundo, mas por aqueles que me deste, porque são teus...” (Jo. 17.9).
A doutrina da “Expiação Limitada”, assim como a da “Predestinação”, é freqüentemente atacada e perseguida por causa do pensamento humanista que se estabeleceu no mundo pós-moderno. O antropocentrismo (que deixa o controle remoto do mundo nas mãos dos homens) ganha cada vez mais espaço dentro dos círculos evangélicos (e para ser honesto, já ocupa posição incontestavelmente superior), onde pregações que incluem a temática do pecado e da queda têm sido abrandadas (ou evitadas), quando não, abolidas, colocando o homem numa posição quase que de vítima, na maioria das vezes.
Devido a este tipo de raciocínio, muitos interpretam estas doutrinas de forma completamente distorcida. Não raro encontramos argumentos do tipo: “Se estas doutrinas são verdadeiras, haverá pessoas que desejarão ardentemente Deus e a salvação, mas, por não constarem os nomes no livro da vida não serão salvas. Por outro lado, haverá os que jamais quiseram qualquer coisa com Deus que, por terem sido eleitos, entrarão no paraíso”. Este, obviamente, não é o ensino bíblico e nem a correta interpretação daquilo que venho abordando, porém, para compreendermos melhor esta questão é necessário destacarmos dois dos mais citados atributos de Deus, a saber: a justiça e o amor.
Se Deus fosse unicamente justiça, todos seríamos condenados, pois, todos caminhamos rumo ao abismo e permaneceremos pecadores até o último momento de nossas vidas nesta terra, embora o prazer dos eleitos não esteja no pecado e o Espírito Santo os conduza ao arrependimento.
“Se dissermos que não temos pecado nenhum, a nós mesmos nos enganamos e a verdade não está em nós” (1 Jo 1.8).
“Eu nasci na iniqüidade, e em pecado me concebeu minha mãe” (Sl 51.5).
“Portanto, da mesma forma como o pecado entrou no mundo por um homem, e pelo pecado a morte, assim também a morte veio a todos os homens, porque todos pecaram” (Rm 5.12).
“O rosto do Senhor está contra aquele que pratica males...” (1 Pe 3.12).
“Porque o salário do pecado é a morte...” (Rm 6.23).
Um Deus que fosse exclusivamente justiça, não possibilitaria salvação real àqueles que fossem incapazes (como de fato somos) de cumprir Sua Lei, mas o grande significado das “Boas-Novas” reside no amor de Deus. Ele escolheu nos amar e foi por esse amor que Deus proporcionou salvação aos homens (que crêem), dando Seu Filho para morrer em nosso lugar, para que nossos pecados fossem imputados a Ele e Sua justiça imputada a nós. Não posso dizer qual o nome dos eleitos, nem seu número, nem porque Deus os escolheu, mas posso dizer que o fato de Deus ter utilizado Sua misericórdia e graça em favor dos que nada merecem, senão condenação, foi uma decisão que partiu dEle e baseia-se nEle (Ef 1.4), por motivos que eu não posso explicar, a não ser, pela palavra amor.
“Deus prova Seu amor para conosco, pelo fato de ter Cristo morrido por nós, sendo nós ainda pecadores” (Rm 5.8).
“Ninguém tem maior amor do que este: de dar a própria vida em favor de seus amigos” (Jo 15.13)
A oferta da salvação é universal, mas só serão salvos os que crerem (Jo 3.16), ou seja, aqueles a quem Deus conceder o dom da fé. Por causa da queda, o homem vive como inimigo de Deus (Tg 4.4; Rm 5.10), merecedor da ira (Ef 2.3) e totalmente “sem Deus no mundo” (Ef 2.12). O grande amor de Deus consiste no fato de ter Ele escolhido homens e mulheres (que já possuem os nomes “inscritos no Livro da Vida do Cordeiro” [Ap 21.27] “... que foi morto desde a fundação do mundo” [Ap 13.8; Ex 32.32].) "antes dos tempos eternos" (Tt 1.2), antes que praticassem o bem ou o mal (Rm 9.11), ou seja, quando não havia nada, em quem quer que fosse, que merecesse algo de Sua atenção. Não havia nada para oferecê-Lo, mas Ele já amava e já havia determinado Seus escolhidos. Estes não O desejavam, mas Ele os fez desejá-Lo (Fl 2.13) e os capacitou a realizar as boas obras, as quais Ele já havia preparado de antemão para que andassem nelas (Ef 2.10). A estes, Deus usou de misericórdia, quanto aos demais, aprouve a Deus entregá-los a si mesmos, de forma que trilham conscientemente o caminho para a perdição. Deus aplica absolutamente Sua justiça sobre Eles e Sua justiça é perfeita e santa.
Se Deus nos concedeu o privilégio de constar entre Seus eleitos (os vasos preparados para a misericórdia [Rm 9.23]), que trabalhemos diligentemente em Sua obra, buscando-O, Louvando-O e exaltando-O com todas as nossas forças e entendimento, pois a morte do Senhor Jesus em nosso favor é algo do qual jamais seremos merecedores.
Sola Gratia.
Nelson Ávila, 5 de março de 2010.
*Na verdade, segundo o texto de Filipenses 2.13 e Efésios 2.1(como tratarei em outra parte do texto), o homem que estava “morto”, nem ao menos poderia desejar uma relação com o Deus todo poderoso, mas este Deus o fez desejar através da operação do “querer”, capacitando-o a este relacionamento com Ele, operando também “o realizar”.
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