MESQUITA
NETO, Nelson Ávila (E.T.C.S.).
1 INTRODUÇÃO
Desde que João escreveu “e o Verbo [Lógos/Palavra]
era Deus” (Jo 1:1c) [1],
não têm sido poucos os que se levantaram em protesto ao longo da história da
igreja. As “Controvérsias Cristológicas” dos primeiros séculos realçam o peso
dessa afirmação, a qual ganha ainda mais destaque quando aliada a declaração do
evangelista de que este Verbo/Deus “se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1:14)
na pessoa de Jesus. Assim, a chocante doutrina do Deus/homem Jesus Cristo
apresentada por João, ora tem sido atacada de um lado, por grupos que buscam enfraquecer
ou negar a plena humanidade do Verbo (estabelecida na encarnação), como nos
casos do docetismo, do apolinarianismo e do eutiquinianismo; ora tem sido agredida
em seu outro flanco, por grupos que buscam minimizar ou suprimir a plena
divindade do Verbo (“e o Verbo era Deus”), como nos casos do ebionismo, do
adocionismo e do arianismo.
Embora o Credo cunhado no Concílio de Calcedônia (451 d.C.) figure como o
postulado oficial da igreja cristã, cerrando assim as fronteiras da ortodoxia, facções
continuaram a surgir ao longo de todas as épocas, seja para reverberar o grito
de Ário – condenado como herege em Nicéia (325 d.C.) e Constantinopla (381
d.C.) por negar a plena divindade do Lógos Jesus, afirmando que houve um
tempo em que o Verbo não era (não existia) [2] –
como o fizeram no séc. XVI Servetus e os italianos Lélio Socínio (1525-1562) e
seu sobrinho Fausto Socínio (1539-1604) [3], e
ainda o fazem em nossos dias a seita Testemunhas de Jeová; seja para reassumir
velhas heresias como o sabelianismo[4],
criado por Sabélio, presbítero de Ptolemaida, e o modalismo[5],
desenvolvido por Paulo de Samosata, bispo de Antioquia, que negam a
pessoalidade distinta entre o Verbo, o Pai e o Espírito, apontando para uma
espécie de Deus em máscaras, que ora apresenta-se na máscara do Filho, ora na
máscara do Espírito ou do Pai. “Esta posição tem reaparecido na atualidade no
ensino dos pentecostais unidos” conforme declaram Ferreira e Myatt (2007, p.
488). [6]
No presente trabalho, nos propomos a focar nas implicações concernentes a
divindade do Lógos, a qual
consideramos como a mais atacada na atualidade, principalmente depois do surgimento
do liberalismo teológico, onde Cristo passou a ser apresentado como alguém que
não está muito além de um grande mestre da moral. Iniciaremos, portanto,
analisando o desenvolvimento anterior a João de uma doutrina do Lógos, nos pensamentos helenista e judaico,
findando com o desenvolvimento do próprio evangelista e suas peculiaridades. Em
seguida, nos deteremos na consideração da declaração “e o Verbo era Deus” (Jo
1:1), buscando estabelecer exegeticamente como esta deve ser compreendida.
2 A DOUTRINA DO LÓGOS ATRAVÉS DA
HISTÓRIA
2.1 O Lógos no helenismo
Ladd observa que “os estudiosos, com freqüência, tentaram encontrar a
fonte do conceito de João a respeito do Logos
no pensamento helenístico” (2009, p.357). Falando a este respeito, Cullmann
(2008, p. 330) destaca que “o título Logos
ocorre já na mais antiga filosofia grega, a de Heráclito, e, mais tarde,
especialmente no estoicismo”. A partir destas referências analisaremos a
ocorrência do termo Lógos e seus
variados conceitos no pensamento helenístico.
2.1.1 Heráclito
Para Heráclito de Éfeso (530-470 a.C.) “[...] todas as coisas estavam em
um determinado curso, e [...] nada permanece da mesma maneira. Entretanto, a
ordem e o padrão podem ser percebidos em meio ao fluxo e ao refluxo eternos e
incessantes das coisas no Logos – o
princípio eterno de ordem no universo.” Ele mantinha ainda que “o Logos, por trás de qualquer mudança
duradoura, é que faz com que o mundo se torne um cosmos e um todo ordenado” (LADD, 2009, p. 357).
Heráclito é o criador da famosa ilustração, a qual “[...] contende que um
homem não pode parar no mesmo rio duas vezes, visto que a água e o leito do rio
estão constantemente se movendo e mudando”. Em acréscimo a isto, é postulado
que “o próprio homem está constantemente mudando também, de forma que quando
ele parar num rio pela segunda vez, ele já será diferente do homem que era
quando parou no rio pela primeira vez” (CHEUNG, 2008, p. 65).
Cheung argumenta que “o conhecimento depende da imutabilidade”, visto que
se um objeto muda o tempo todo, torna-se impossível traçar qualquer definição a
seu respeito, o que findará reduzindo-o a nada, “e se é nada, então não pode
ser conhecido”. Sendo assim, o Lógos,
no entendimento de Heráclito, seria “[...] uma lei ou princípio, que não muda.
[...] ‘um agente racional e bom, cuja atividade parece como a ordem na
Natureza’. Sem isso tudo seria um caos, e a natureza seria ininteligível” (2008,
p. 65).
2.1.2 O estoicismo
Para o estoicismo, que “por sua vez, teve origem com Zenão de Cício (
263 a.C.) [...] Sua doutrina do Logos
o concebia como a razão impressa na estrutura do universo e também como a fonte
de energia de todas as coisas” (GRANCONATO, 2010, p. 51), ou, como o expressou
Cullmann (2008, p. 330), “O Logos aí
é a lei suprema do mundo, que rege o universo e que, ao mesmo tempo, está
presente na razão humana. Trata-se pois de uma abstração e não de uma
hipóstase”. Uma espécie de “alma impessoal e panteísta do mundo”. É, portanto,
muito natural a declaração de Ladd (2009, p. 357) de que “o Logos era um dos elementos mais
importantes na teologia estóica”. Foi esta idéia do Lógos que “os estóicos usaram [...] para prover a base para uma
vida moral e racional” (LADD, 2009, p. 357).
Ladd explica que este conceito de Lógos
surgiu da confrontação “[...] com o dualismo comum dos gregos, a respeito de
Deus e do mundo”, e destaca que, “a fim de resolver o problema da dualidade”, passou-se
a empregar “o conceito do Logos como
uma idéia unitária” (2009, p. 357).
Neste sistema de pensamento, portanto, todo o universo passou a ser “[...]
concebido como formando um conjunto vivo singular, que era permeado em todas as
suas partes por um poder primitivo”, o qual era idealizado “[...] como um poder
que nunca precisava de repouso, um fogo capaz de penetrar todas as coisas, ou
um vapor abrasador [...], um tipo difuso e firme de ar flamejante que possuía a
propriedade de pensar”, uma “substância ultra refinada [...] imanente em todo o
mundo e aparecendo nos seres vivos como a alma”. Assim, este “poder Divino [Logos ou Deus] de caráter mundial,
contendo dentro de si mesmo as condições e os processos de todas as coisas”,
era visto como um poder produtivo, sendo “[...] denominado de spermatikos logos, o Logos seminal ou princípio gerador do
mundo”, o qual, permeando o universo, revelava-se em “[...] inumeráveis logoi spermatikoi, ou forças formativas,
que energizavam o fenômeno múltiplo da natureza e da vida”. Desta forma, o Lógos forneceria “[...] a ordem racional
do universo e providenciaria o padrão para a conduta e para a adequada
ordenação da vida para o homem racional” (LADD, 2009, pp. 357, 358). Por esta
razão, Granconato escreve que a conclusão dos estóicos era a de que “o homem
sábio é aquele que ajusta sua vida à ordem natural que existe no universo,
suprimindo suas paixões, abandonando desregramentos e obedecendo à lei natural
que existe no mundo e que está impressa no ser de cada pessoa” (2010, p. 51).
2.1.3 O platonismo
Cullmann (2008, p. 330) afirma que o platonismo também alimentava um
conceito referente ao Lógos.
Granconato diz que “de acordo com as noções do médio-platonismo (Sécs. I a.C. –
II AD), Deus era concebido como absolutamente transcendente e impassível. Esse
Deus mantinha ligação com o mundo sensível através do Logos, a razão universal” (2010, p. 51). Para Cullmann, “aqui já
nos aproximamos mais da idéia de um ser real [o demiurgo]; ‘real’ no sentido do
idealismo platônico. Porém, ainda assim, não estamos diante de uma hipóstase, e
a idéia de uma encarnação do Logos é
absolutamente inconcebível” (2008, p. 330).
É digno de nota que, embora não devamos permitir que a analogia da
terminologia nos induza “[...] a identificar a concepção de Logos atestada no judaísmo tardio, ou
mesmo a do Evangelho de João, com a da filosofia grega” (CULLMANN, 2008, p.
330), segundo proposto por Cullmann, “esta concepção filosófica do Logos ocupa um lugar essencial na
história longa e complicada deste termo, pois influenciou ao menos na forma, as
idéias judaicas e pagãs tardias de um Logos mais ou menos personificado” (2008,
p. 330).
Embora seja provável que “temas mitológicos tenham influenciado mais
profundamente”, Cullmann está convencido de que “a doutrina filosófica do Logos, incontestavelmente, é uma das
fontes destas concepções tardias” (2008, pp. 330, 331). Para Cullmann um
exemplo claro de alguém sob tal influência pode ser visto em Fílon [ou Filo,
como é mais comum] de Alexandria (2008, p. 331).
2.1.4 Filo de Alexandria
Nascido em Alexandria (20-25 a.C.), de acordo com Lopes (2007, p. 83),
“Filo era um judeu praticante, da Diáspora”, que teria morrido entre 42 e 50
d.C.[7]
Ele foi [...] contemporâneo de Herodes, o Grande, dos sábios rabínicos como
Gamaliel, Hilel e Shamai, e ainda de Jesus e de Paulo” (LOPES, 2007, pp. 83,
84). Bem versado na Septuaginta e nas tradições do Judaísmo, Lopez declara
ainda que “Filo teve um treinamento completo em filosofia grega” e, “Filosoficamente
falando, ele era uma mistura de platonista e estóico, com a predominância do
pensamento de Platão” (2007, p. 84).
Filo ficou conhecido por seu método hermenêutico, ao que Ladd (2009, p.
358) chama de “[...] interpretação alegórica extremada”. Tal método influenciou
profundamente a “[...] academia cristão patrística”, tornando-se “[...] o
método de interpretação predominante em uma das mais importantes escolas de
catequese nos primórdios da Igreja cristã, a escola de Alexandria, no Egito”,
sendo posteriormente adotado como “[...] o método dominante durante a Idade
Média, após passar por algumas modificações” (LOPES, 2007, p.83).
Relevante para nossos objetivos é o empreendimento de Filo na “[...]
extraordinária tarefa de casar a religião judaica com a filosofia helenística”
(LADD, 2009, p. 358). Filo defendia “[...] a perspectiva grega de um Deus
completamente transcendente e separado do mundo; e utilizou o conceito do Logos para prover uma forma de mediação
entre o Deus transcendente e a criação” (LADD, 2009, p. 358).
Segundo Champlin, “Algumas vezes Filo se referia à impessoalidade do <<Logos>>,
como se fosse a essência imaterial da mente de Deus, de onde teria procedido o
plano e o padrão da criação.” Em outras ocasiões, “[...] entretanto, ele falou pessoalmente sobre o <<Logos>>,
como o anjo do Senhor” (2008, p.
899).
O que se pode, de fato, falar e saber acerca do Deus de Filo, em virtude
de seu caráter transcendental, é que ele existe. Nada mais nos é dito a seu
respeito, nem qualquer detalhe nos é oferecido sobre ele, com exceção da
afirmação de sua existência. Como Ladd bem expressa:
Deus é absoluto e encontra-se fora do universo material.
Ele abrange todas as coisas e, no entanto, Ele próprio não pode ser abrangido.
Está fora do tempo e do espaço e não pode ser conhecido em seu próprio ser. O
único nome pelo qual Deus pode ser designado é ‘ser puro’, to on, um ser sem atributos em si mesmo (2009, p. 358).
Sendo assim, visto que Deus não se mistura ao mundo material, ele “[...]
precisa contar com agentes, tanto na criação como nos seus contatos com o
mundo” (CHAMPLIN, 2008, p. 900).
O Lógos, ou Razão, conforme
concebido por Filo é, portanto, “[...] o mesmo que o <<demiurgo>>
de Platão”, ou seja, “O princípio de mediação entre Deus e a matéria [...], no
qual estariam comprimidas todas as idéias das coisas finitas, e que teria
criado o mundo material, fazendo estas idéias penetrarem na matéria”, ou ainda,
“[...] é a razão divina e universal, a razão imanente, que contém dentro de si
mesmo o ideal universal, mas que ao mesmo tempo, é a palavra expressa, que
procede da parte de Deus e que se manifesta neste mundo em tudo quanto aqui
existe” (CHAMPLIN, 2008, p. 900). Por esta razão, Ferreira e Myatt (2007, p.
509) resumem o pensamento de Filo acerca do Lógos
como “[...] a emanação divina que intermediou a criação do universo”.
Assim sendo, vendo o Lógos como
“[...] a manifestação que Deus faz de si mesmo neste mundo”, Filo entendia que
“ao revelar a si mesmo, Deus poderia ser chamado de Logos”, e “[...] o Logos,
na qualidade de agente revelador de Deus, poderia ser chamado de Deus”
(CHAMPLIN, 2008, p. 900).
2.2 O Lógos no judaísmo
No pensamento judaico encontramos duas concepções acerca do Lógos: a concepção judaico-helenística,
onde temos seu maior representante em Filo, como já apresentado acima; e aquilo
que Cullmann chama de “[...] a concepção autenticamente bíblica”, a qual
remontaria “[...] a Gn 1, segundo a qual o Verbo de Deus, o debar Iahweh, é entendido em seu sentido
primitivo e torna-se, às vezes, em virtude de um desenvolvimento imanente do
pensamento, uma hipóstase divina” (2008, p. 333).
2.2.1 A concepção judaico-helenística
Quanto à primeira concepção, embora já tenhamos discorrido sobre a
influência do platonismo e do estoicismo aliados à hermenêutica alegórica no
trato com a Bíblia judaica (o Antigo Testamento) em Filo, Cullmann (2008, p.
331), seguindo Bultmann, aponta para uma possível influência do paganismo, e/ou
da doutrina gnóstica, na formulação destes conceitos no pensamento
judaico-helenístico. Ele escreve:
Aqui o Logos
é um ser mitológico, intermediário entre Deus e o homem. Não é tido só por
criador do mundo é, em primeiro lugar, o portador da revelação e a este título,
Salvador; pode também, transitoriamente, revestir-se da forma humana, porém,
sempre dentro de um quadro mítico e doceta; jamais no quadro histórico de uma
verdadeira encarnação.
Cullmann (2008, p. 331) faz questão de frisar que o próprio Bultmann
deixa claro que este ser mitológico “[...] está somente ‘disfarçado’ de homem”,
reforçando a rejeição de qualquer idéia de encarnação real.
Exemplos da prefiguração deste Lógos
personificado nas religiões antigas podem ser vistos em Hermes e no deus
egípcio Thot, os quais “[...] ostentam o título de Logos” (CULLMANN, 2008, p. 332). Embora endossando o pensamento de
Bultmann a este respeito, Cullmann (2008, p. 332) o critica por considerar
“[...] esta doutrina gnóstica acerca do Logos
como a única fonte da doutrina judaico-alexandrina do Logos e da sabedoria, tal como a encontramos em Fílon, nos livros
da sabedoria e nos textos rabínicos e, também, como a única fonte de noção
joanina do Logos”.
2.2.2 A concepção
veterotestamentário
Na visão judaica mais preocupada em deter-se sobre a
revelação bíblica, em detrimento das considerações filosóficas e pagãs
correntes, três são os conceitos sobre os quais uma doutrina do Lógos foi erigida: o debar Iahweh, o memra déjahvé e a sabedoria.
a) O debar Iahweh
O debar Iahweh, ou a Palavra de
Deus, “[...] foi um importante conceito para os judeus” (LADD, 2009, p. 358).
Conforme Cullmann, “Há no Antigo Testamento, toda uma série de passagens nas
quais a ‘Palavra de Deus’, se não está personificada é, ao menos, considerada
como uma entidade independente e que passa a ser objeto de reflexão teológica
em razão do enorme poder de sua ação” (2008, p. 335).
Champlin nos diz que “a Palavra,
que corporifica a vontade divina, é
personalizada na poesia hebraica”. Deste modo, sendo-lhe conferidos atributos
divinos, a Palavra nos é apresentada como “[...] um curador (ver Sal. 107:27);
um mensageiro (ver Sal. 147:15), e o agente dos decretos divinos (ver Is.
55:11). (Ver também Sal. 32:4; Is. 40:8 e Sal. 119:105)” (2008, p. 899).
Ladd (2009, p. 358), ainda apontando para esta realidade, nos relembra
que “a criação veio a existir e foi preservada pela palavra de Deus (Gn. 1:3,
‘e disse Deus’, veja Sl. 33:6, 9; 47: 15-18); e a palavra de Deus é a portadora
da salvação e da nova vida (Sl. 107:20; Is. 4:8; Ez. 37:4-5).” Ele arremata ao
declarar que “no Antigo Testamento, a palavra não é meramente uma forma de
expressão; é uma existência semi-hipostática, de forma que pode mover-se e
cumprir o propósito divino (Is. 55:10-11)”. Assim, “A palavra de Deus proferida
na criação, expressa por intermédio dos lábios dos profetas (cf. Jr. 1:14, 11;
2:1) e na Lei (Sl. 119:38, 41, 105), tem um certo número de funções que podem
muito bem ser comparadas com aquelas atribuídas ao Logos em João.
Interessantíssimo, enquanto delineando um exemplo muito claro da Palavra
como um ser hipostasiado, é a
descrição encontrada na “[...] Sabedoria
de Salomão (submetida já à influência alexandrina), onde lemos no capítulo
18:15: ‘Tua Palavra onipotente sai do trono real como um guerreiro
implacável...’” (CULLMANN, 2008, p. 335). A nível de paralelo, acerca deste
trecho de Sb. 18:15, Jeremias (2006, p. 397) declara: “Isto nos lembra
imediatamente Ap 19.11ss, onde Cristo é descrito como o herói que chega num
cavalo branco com uma espada na boca, e onde é chamado ‘o Lógos de Deus’
(19:13)”.
b) O memra déjahvé
Memra déjahvé, ou simplesmente Menra, “[...] é a designação aramaica da
Palavra de Iahweh” (CULLMANN, 2008,
p. 335). Este é um conceito posterior no pensamento judaico e parece expressar
uma reflexão mais acurada acerca do conceito da Palavra de Deus, elevada ao
nível em que pode ser usada até mesmo para substituir o próprio nome de Deus.
Champlin nos informa que devido à personalização do conceito da Palavra
de Deus nos “[...] comentários e [...] exposições do A.T.”, assim como na
“[...] teologia judaica”, “[...] um agente de Deus, como se fora a união de
seus atributos, segundo eles são revelados aos homens”, foi criado, e a este
(tomado como uma espécie de princípio todo inclusivo) fora dado o nome “[...]
Menra (Palavra ou <<Logos>>) de Jeová”
(2008, p. 899).
Esta idéia, conforme nos explica Champlin (2008, p. 899), fora, então,
introduzida pelos eruditos judaicos nos Targuns, “[...] ou seja, nas paráfrases
inseridas no V.T., escritas no idioma aramaico”. Um exemplo de tais paráfrases
nos é fornecido por ele (2008, p. 899) acerca de Gên. 39:21: “<<A
Menra estava com José, na prisão>>”. No trecho em questão, a
palavra substituída por Menra é, na
verdade, “o Senhor”. Nesta concepção, portanto, “A <<Menra>>
também teria sido o anjo que destruiu os primogênitos do Egito, e também teria
sido a Menra quem conduziu Israel, na
nuvem de fogo” (CHAMPLIN, 2008, p. 899). Isto nos revela uma clara
personificação da Palavra (Lógos) de
Jeová sendo intercambiável com o próprio Jeová ou Suas teofanias.
c) A sabedoria
De acordo com Ladd (2009, p. 359), “O conceito de sabedoria personificada
também fornece um contexto judaico para o conceito de Logos”. Para Cullmann (2008, pp. 336, 337), “[...] foram as
especulações do judaísmo tardio acerca da Sabedoria [...] as que mais
influenciaram a noção de Logos no
cristianismo primitivo”.
Nas palavras de Goppelt (1983, p. 551):
Já na porção mais recente dos Provérbios (século III
AC), confere-se à Sabedoria uma função cosmológica. Ela é primícia das obras de
Deus e participa da obra da criação (Pv 8,22-36). Ao mesmo tempo, tem função
soteriológica: quem ouve suas admoestações e observa seus caminhos “encontra a
vida”, quem, todavia, a odeia, “encontra a morte” (Pv 8,36; cf. sir Bar
3,9-4,4).
Digna de atenção é a noção de Sabedoria desenvolvida no livro de
Provérbios. “Em Provérbios 8:22-31, a sabedoria é semi-hipostática. A Sabedoria
foi a primeira de todas as coisas criadas e, depois, por ocasião da criação do
mundo, diz de si mesma: ‘Eu estava
com ele e era seu aluno’” (LADD, 2009, p. 359). Na verdade, este capítulo 8 de
Provérbios constitui-se num discurso feito pela própria Sabedoria em primeira pessoa.
Cullmann (2008, p. 337) diz que esta mesma idéia pode ser encontrada “[...] em
Eclo. 1.1 ss.; 24.1 ss., e ainda em diversos outros lugares”. Em Sir. 24:8
lê-se que “[...] a Sabedoria emanou de Deus para habitar em Israel e torná-lo o
povo de Deus” (LADD, 2009, p.359). “Na Sabedoria
de Salomão se diz que a Sabedoria é um ‘reflexo da luz eterna de Deus’
(7.26)” (CULLMANN, 2008, p. 337). Tudo isto demonstra uma íntima relação entre
o conceito de Lógos e a Sophia, que para Cullmann “[...] são
palavras quase intercambiáveis” (2008, p. 337).
Conquanto tenhamos distinguido nestas seções, 2.2.1 e 2.2.2, entre duas
linhas diretivas no judaísmo; a que adota o conceito de “Palavra” simplesmente,
desenvolvida a partir de influências exteriores, e a linha especificamente
bíblica acerca da Palavra de Deus, do debar
Iahweh, deve-se destacar que “ambas têm em comum o expressarem a obra pela
qual Deus se revela. Porém, a idéia desta obra, esta Palavra dirigida por Deus
ao mundo, poder finalmente encarnar-se no quadro histórico de uma vida humana e
terrena, é coisa tão estranha a uma como a outra” (CULLMANN, 2008, p. 338).
3 O LÓGOS NO PENSAMENTO JOANINO
Conforme Schreiner e Dautzengerg (1977, p. 48), “A aplicação do título de
Logos a Cristo é específica da
apresentação Joanina.” Ainda que no Evangelho o título seja empregado somente
no prólogo (Jo 1:1, 14), João faz uso deste também em uma de suas cartas (1 Jo
1:1 – “Verbo da vida”) e em Apocalipse 19:13 (“Verbo de Deus”). Não significa
dizer com isto que a idéia do Lógos
empregada por João não encontre paralelos em outros escritos do próprio Novo
Testamento. Exemplo claro disso pode ser visto em Hebreus 1:1-3. De acordo com
Cullmann, “É verdade que o termo mesmo λόγος não aparece aí; porém, o
falar de Deus em seu Filho está associado com a criação do mundo e ligado a uma
definição da relação eterna entre o Filho e Deus o Pai” (2008, p. 342).
O Verbo apresentado
como Deus em João (1:1c), é descrito pelo autor aos Hebreus como “o esplendor
da glória e a expressão exata do seu [de Deus] Ser.” O Verbo por intermédio do
qual foram feitas todas as coisas e, sem o qual, “nada do que foi feito se fez”
(Jo 1:3), encontra mais um claro paralelo no Filho retratado em Hebreus, sobre
o qual lemos que “fez o universo” (Hb 1:2) e sustenta “todas as coisas pela
palavra do seu poder” (Hb 1:3).
Procurou-se por muito tempo compreender o Lógos joanino apenas com base no uso helenístico do termo, ou
ainda, mais recentemente, como uma mera extensão do pensamento judaico, seja no
conceito bíblico da Palavra de Deus ou da Sabedoria, seja no conceito
filosófico apresentado por Filo. Embora paralelos existam, pois como diz
Champlin (p. 900), “[...] essa doutrina não foi criada no vácuo”, Ladd destaca
que “[...] a despeito de certas semelhanças, nem a idéia do Logos nem a de sabedoria se aproxima da
verdade que João enuncia por meio de sua doutrina do Logos: a preexistência pessoal
e a encarnação do Logos” (2009, p. 359). Como já vimos
anteriormente, mesmo que o conceito de Lógos
fosse por vezes apresentado como hipostasiado,
ou mesmo personificado, jamais era concebido como personalizado, nem se
aceitava qualquer idéia relativa à encarnação real.
Para Ladd (2009, p. 360), portanto, “A questão importante é o uso
teológico que João faz do conceito do Logos,
e esse uso, por ser peculiar, não encontra paralelos, quer na filosofia
helenística quer no pensamento judaico.” Acerca deste uso teológico, destacam-se
dois conceitos: (1) A preexistência de Jesus (o Lógos); e (2) Sua divindade.
Em primeiro lugar, digno de nota é a alusão deliberada feita por João a
Gênesis 1:1, onde lemos o relato da criação; criação esta que, tanto ali como
em João (1:3), vem à existência por meio da palavra de Deus (“Disse Deus” – Gn
1:3), o próprio Lógos. Se compararmos
Έν ἀρχᾖ
(“No
princípio”) em Jo 1:1 com a tradução feita pela Septuaginta de Gn 1:1,
perceberemos que não há qualquer diferença. As palavras são exatamente as
mesmas. A única distinção aqui se deve ao fato de que “‘No princípio’, em Jo
1:1, refere-se a um período anterior a Gênesis 1:1 [...] pois o Logos foi o agente da criação.” Assim,
“O Verbo já existia na eternidade, que não tem início e nem fim” (LADD, 2009,
p. 360).
A este respeito, Hendriksen (2004, p. 99) declara: “A maneira como este
Evangelho começa é magnificente. Ele começa retratando a vida de Cristo na
eternidade, antes que o mundo existisse.”
Nas palavras de Ladd, “A preexistência de Jesus é refletida em várias
passagens de seu próprio ensino.” Exemplo disto pode ser visto na declaração: “‘Antes
que Abraão existisse, eu sou’ (8:58). Essa surpreendente afirmação é uma alusão
ao uso do Antigo Testamento. Deus Revelou-se a Moisés como ‘EU SOU O QUE SOU’
(Êx. 3:14)” (2009, p. 360). Ou ainda, “Vede, agora, que eu, eu o sou, e mais nenhum deus comigo” (Dt.
32:39). Jesus também interrogou: “Que será, pois, se virdes o Filho do Homem
subir para o lugar onde primeiro estava?” (Jo 6:62). Embora a expressão “o
lugar onde primeiro estava” não aponte diretamente para Sua preexistência na
própria eternidade, se compararmos esta passagem com Sua oração final,
poderemos encontrar, então, uma clara afirmação desta preexistência: “e, agora,
glorifica-me, ó Pai, contigo mesmo, com a glória que eu tive junto de ti, antes
que houvesse mundo” (Jo 17:5). Está, pois, evidente que “o lugar onde primeiro
estava”, é, portanto, junto ao Pai, “antes que houvesse mundo”. “Assim, quando
céu e terra foram criados, havia a Palavra [ou Verbo] de Deus, já existindo na
mais próxima associação com Deus e compartilhando da essência de Deus” (BRUCE,
1983, p. 31) [8]. Desta forma, Bruce (1983,
p. 31) nos alerta: “Não importa para quão distante possamos tentar empurrar
nossa imaginação, não podemos nunca buscar um ponto no qual poderíamos dizer da
Divina Palavra [ou Verbo], como Ário o fez, ‘Houve um tempo quando ele não
existia’”. [9]
Como dito previamente, “Em segundo lugar, João utiliza a idéia do Logos para afirmar a divindade de Jesus
Cristo. O Logos estava com (pros) Deus, e o Verbo era Deus (theos ēn ho
logos)” (LADD, 2009, p. 360). Conforme supramencionado, Deus apresenta a Si
mesmo como o “EU SOU”. Cristo faz uso da mesma expressão para representar sua
divindade, e, no Evangelho de João este uso do ἐγώ εἰμί é profícuo (ex: 6:35, 41, 48, 51; 8:12; 10:11,
14; 11: 25; 14: 6; 15:1, 5) e está sempre conectado ao uso do Antigo
Testamento, mesmo quando tratado de maneira figurada (ex. Jo 4:14; 7:38,
comparar com Jr 2:13 – Jesus é “água viva”; Deus é manancial de água viva”. A
promessa aos que serão salvos, segundo escreve João em Ap 7:17; 21:6, 22, é a
de que serão conduzidos à “água da vida”).
A apropriação que Jesus fazia de
Deus como Seu Pai também apontava para Sua divindade, desde que este o fazia de
forma toda particular. Isto fica muito evidente em Jo 5:17, 18, onde os judeus
procuravam matá-lo, “não somente por violar o sábado”, mas porque dizia também
“que Deus era seu próprio Pai”. No pensamento joanino, Jesus não é a criatura
agarrando-se ao Criador como a um Pai, mas antes “o unigênito [não criado, mas
eternamente gerado] do Pai” (Jo 1:14). Ainda em João 5:18, devemos ressaltar
que é o evangelista, inspirado pelo Espírito Santo, e não os judeus, quem declara
abertamente que outro motivo pelo qual buscavam assassinar Jesus se devia ao
fato de Ele fazer-se “igual a Deus” (Jo 5:18). Mais adiante, os próprios judeus
indicam este fato quando, após a declaração de Jesus (“Eu e o Pai somos um” –
Jo 10:30), pegam em pedras para o apedrejar acusando-o de blasfêmia, pois Ele
[Jesus] sendo homem, fazia-se Deus a Si mesmo.
Destarte, no pensamento joanino, Jesus é Deus (Jo 1:1c; 5:18). Como a
segunda pessoa da Trindade Ele não é o Pai, mas está em íntima e eterna relação
com Este, sendo um com o próprio Deus Pai (Jo 10:30), de tal forma que Ele está
no Pai e o Pai nEle (Jo 10:38; 14:10), pelo que quem O vê, vê o Pai (Jo 14:9).
Assim, podemos resumir este ponto com a afirmação que encontramos nos
Catecismos, Maior[10] e
Breve[11],
de Westminster, os quais declaram que Jesus é “[...] o eterno Filho de Deus, da
mesma substância e igual ao Pai”, o qual “[...] no cumprimento do tempo fez-se
homem, e assim foi e continua a ser Deus e homem em duas naturezas perfeitas e
distintas e uma só pessoa para sempre”.[12]
Escrevendo sobre João 1:1, Cullmann (2008, 348) afirma:
É, deveras, a opinião do evangelista a que se expressa
aqui, quando chama ao Logos “Deus”. Isto é o que a parte final de seu Evangelho
mostra quando Tomé, convencido, exclama diante do Ressuscitado: “Meu Senhor e
meu Deus!” (Jo 20.28). Com este último e decisivo “testemunho”, fecha-se o
círculo: o evangelista retorna ao prólogo.
Acerca deste prólogo, embora não objetivemos nos deter neste quesito, a
saber, de se o prólogo joanino consiste num hino primitivo ou não, é
interessante destacar o pensamento de Jeremias (2006, p. 382). Para ele, “[...]
Jo 1:1-18 é uma passagem poética”. A partir daqui ele procura fazer uma análise
literária da passagem em questão apontando para um paralelismo semelhante às
construções encontradas nos Salmos.
Jeremias argumenta que “no Oriente Próximo, o paralelismo tem a mesma
função que a rima entre nós: com a métrica, diferencia a poesia da prosa”. Sua
argumentação desemboca na afirmação de que o prólogo joanino trata-se, na
verdade, de “[...] um cântico vigorosamente construído, um poema religioso dos
inícios do cristianismo, um salmo, um hino ao Lógos Jesus Cristo” (2006, p.
382). Ele aponta também para Fl 2:6-11 como “[...] a citação de um hino
pré-paulino a Cristo, no qual Paulo inseriu comentários” (2006, p. 384). Com
isto ele busca corroborar a sua tese de que o que vemos em João é a mesma
coisa, ou seja, um hino composto em forma de paralelismo em série ascendente,
entremeado por comentários do autor do, assim chamado, Quarto Evangelho.
Se Jeremias está correto ou não ao tomar esta passagem como um “[...]
gênero literário, em que a história da salvação é cantada em forma de
salmodia”, a “[...] Heilsgeschichte in
Hymnenform (história da salvação em forma de hino)” (2006, p. 386), não é
matéria na qual devamos nos deter aqui, porém, tal discussão unida ao registro
histórico encontrado na carta de Plínio à Trajano (Carta X 96), onde lemos que
os cristãos perseguidos, em sua liturgia cantavam “[...] hinos a Cristo,
[adorando-o] como a um Deus” (in
BETTENSON, 2007, pp. 29, 30), nos fornece uma boa base para afirmarmos que ao Lógos [Jesus] era atribuída a mesma
devoção, glória e louvor devida à Theós
[Deus o Pai], conduzindo-nos, assim, à evidente constatação de que a divindade
de Jesus era amplamente sustentada pela igreja primitiva.
Por fim, Hörster expressa bem a idéia
apresentada no prólogo joanino afirmando: “Esse Logos, que era um com Deus,
tornou-se um homem de carne e osso e viveu com os homens. Alguns que confiaram
nele chegaram a ver seu poder e majestade, reconheceram nele o Filho de Deus e
admiraram-se com a bondade e fidelidade de Deus que encontraram nele” (2009, p.
55). “Isto mostra claramente que o infinito pode entrar em relações finitas, e
de fato entra, e que, de algum modo, o sobrenatural pode entrar na vida
histórica do mundo” (BERKHOF, 2002, p. 307). Sem dúvida, esta concepção
sustentada por João é absolutamente singular e distinta de qualquer outra idéia
preconcebida acerca do Lógos.
4 ANÁLISE
EXEGÉTICA DE JOÃO 1:1c: καὶ θεòς ἦν ὁ λόγος
Analisaremos agora o primeiro versículo do prólogo joanino, buscando
determinar a intenção do autor ao escrever “καὶ θεòς ἦν ὁ λόγος” [13]
(kaì theòs ên ho lógos). Iniciaremos apresentando como 18 versões das
Escrituras traduziriam João 1:1:
·
“No princípio era o Verbo, e o Verbo estava com
Deus, e o Verbo era Deus” (ARA, ARC[14],
Almeida séc. XXI, BJ[15],
TB[16]).
·
“No princípio era a Palavra, e a Palavra estava
com Deus, e a Palavra era Deus” (VR[17]).
·
“No princípio era a Palavra, e a Palavra estava
com o Deus, e a Palavra era deus”
(TNM [18],
versão de 1967).
·
“No princípio havia a Palavra. A Palavra estava
com Deus, e em tudo era igual a Deus” (Gute
Nachricht[21]).
·
“Antes de ser criado o mundo, aquele que é a
Palavra já existia. Ele estava com Deus e era Deus” (NTLH[22]).
·
“Antes de tudo, havia a Palavra, a Palavra
presente em Deus, Deus presente na Palavra. A Palavra era Deus, desde o
princípio à disposição de Deus” (A Mensagem[23]).
·
“En un principio era el Verbo, y el Verbo estaba
ante Dios, y el Verbo era Dios” (BTRV[24]).
·
“In
the beginning was the Word, and the Word was with God, and the Word was God” (HCSB[25],
KJV[26], NASB[27]).
·
“In
the beginning the Word already existed. He was with God, and he was God” (NLT[28]).
·
“In
the beginning the Word was, and the Word was with God, and the Word was a god”
(NWT[29]).
Todos concordarão que o versículo pode ser dividido em três cláusulas: 1)
No princípio era o Verbo; 2) O Verbo estava com Deus; 3) O Verbo era Deus.
Quanto às duas primeiras cláusulas, parece não haver discordância entre as
traduções, embora algumas enfatizem mais alguns aspectos do que outras, como,
por exemplo, a pré-existência do Verbo (cláusula 1), nitidamente destacada
pelas versões NTLH (“Antes de ser criado o mundo, aquele que é a Palavra já
existia.”) e NLT (“No princípio a Palavra já existia”), e a posição do Verbo em
relação a Deus no princípio (cláusula 2), como expressa a BTRV pelo uso da
palavra “diante”, que, segundo é esclarecido em suas notas de rodapé, tem por
significado estar “face a face, frente a
frente, ou na presença de”, o que definiria “[...] a posição reflexiva do Verbo” (itálicos originais)
[30].
A divergência se levanta, portanto, na terceira cláusula, onde a NWT, contrariando
todas as demais traduções propostas acima, traduz “καὶ θεòς ἦν ὁ λόγος” por “e a Palavra era um
deus”.
4.1 Seria Θεός em João 1:1 indefinido?
Mather e Nichols (2000, p.454) nos informam que “as Testemunhas de Jeová
[seita responsável pela publicação da NWT] argumentam que as regras gramaticais
gregas permitem a inserção de um artigo indefinido “um”, a fim de, desta
maneira, anular a utilização deste texto para defender a doutrina da divindade
de Cristo” [31]. Wallace (1996, pp. 266,
267), porém, declara que “O argumento gramatical de que o predicado nominativo
aqui é indefinido é fraco” [32],
e acrescenta: “Freqüentemente, aqueles que argumentam por uma visão tal (em
particular, os tradutores da NWT) o fazem assim tão somente sobre a base de que
o termo é anártro [isto é, não possui artigo]” [33].
A respeito do uso do artigo em grego, Mounce (2009, p. 47) destaca: “O
artigo definido é o único artigo em grego. Não existe artigo indefinido (‘um’).
Por isso, você pode se referir ao artigo definido grego simplesmente como o
‘artigo’”. Mais adiante ele complementa: “Se não houver artigo, você poderá
inserir ‘um/uma’ antes do substantivo se fizer melhor sentido em português”
(2009, p. 50). Tais afirmações parecem aprovar o procedimento de tradução
adotado pela NWT, visto que o texto em grego encontra-se como segue: “kaì [ausência do artigo definido “ho”] theòs
ên ho lógos”. Todavia, é importante ressaltar que “os gregos não empregam o
artigo da mesma maneira que nós o fazemos. Empregam-no onde nós nunca empregaríamos,
e o omitem quando o português o exige” (MOUNCE, 2009, p. 50 – itálicos
acrescentados).
As Testemunhas de Jeová não são ignorantes quanto a isto. Fato é que na
NWT a ausência do artigo junto à theós
nos versículos 6, 12, 13 e 18 não os leva a traduzir estas passagens como “um
deus”, o que seria coerente com a justificativa utilizada para a tradução do
versículo 1. No entanto, o próprio argumento defendido por eles, de que a
ausência de artigo tornaria o substantivo indefinido, deveria logicamente conduzi-los
a traduzir estes versículos por “um deus”, ao invés de “Deus”, como o fazem
seguindo todas as outras versões supracitadas[34].
Enfatizando este ponto Countess (apud
Wallace, 1996, p. 267) atesta:
No Novo Testamento há 282 ocorrências do θεός anártro. Em dezesseis
lugares a NWT traduz como um deus, deus, deuses, ou piedoso[35].
Dezesseis de 282 significa que os tradutores foram fiéis ao seu próprio
princípio de tradução apenas seis por cento das vezes. [36]
Wallace (1996, p. 267) nota que “Se expandirmos a discussão para outros
termos anártros no Prólogo Joanino, notaremos outras inconsistências na NWT” [37].
Em suas próprias palavras:
É interessante que a New World Translation traduz θεός como “um deus” sobre as
bases simplistas de que lhe falta o artigo. Isto é certamente uma base
insuficiente. Seguindo o princípio “anártro = indefinido” significaria que ἀρχᾗ deveria ser “um princípio” (1:1, 2), ζωή deveria ser “uma vida”
(1:4), παρὰ θεοῦ deveria ser “de um deus” (1:6), Ίωάννης deveria ser “um João” (1:6), θεόν deveria ser “um deus”
(1:18), etc. Ainda que nenhum desses outros substantivos anártros seja
traduzido com um artigo indefinido.[38]
Wallace arremata dizendo: “alguém pode somente suspeitar de uma forte
tendência teológica em uma tradução como esta” (1996, p. 267) [39].
Por que, então, a NWT sustenta tal inconsistência para com seu próprio
princípio de tradução? Mather e Nichols (2000, p.455), citando parte de uma
entrevista do erudito em grego J. R. Mantey [40], apresentam
a seguinte conclusão quanto à metodologia empregada na tradução das Testemunhas
de Jeová [NWT]:
Quando encontram certas passagens das Escrituras que
parecem estar contra o ponto de vista deles, para o meu grande desapontamento,
em alguns casos, deliberada e fraudulentamente traduzem errado – engano
deliberado – o que para mim é imperdoável. Essa é uma atitude desonesta e, num
certo sentido, diabólica.
“De acordo com o estudo de Dixon, se θεός fosse indefinido em João 1:1, seria o único
predicado nominativo anártro pré-verbal no Evangelho de João a ser assim”
(WALLACE, 1996, p. 267). Embora Wallace argumente que isto seja de algum modo
um exagero, ele concorda que “o ponto geral é válido: A noção indefinida é a
mais pobremente atestada pelos predicados nominativos anártros pré-verbais.
Assim, gramaticalmente um significado tal é improvável” (1996, p. 267). Ele
também sustenta que o contexto não apóia uma tradução assim, observando que “a
própria teologia do evangelista milita contra essa visão”, visto que “há uma
Cristologia exaltada no Quarto Evangelho, ao ponto que Jesus Cristo é
identificado como Deus (cf. 5:23; 8:58; 10:30; 20:28, etc.)” (WALLACE, 1996, p.
267) [41].
Além de tudo, entender θεός aqui
como indefinido traria implicações teológicas sérias que apontariam para alguma
forma de politeísmo, “[...] talvez sugerindo que a Palavra fosse meramente um
deus secundário em um panteão de deidades” (WALLACE, 1996, p. 266) [42]. Por
isso, Van Dam (2000, p. 30) assevera veementemente: “aceitar sua defeituosa
tradução é aceitar o politeísmo. Porque de acordo com a TNM [a mesma NWT], em
João 1:1, o que João afirma é que há pelo menos dois deuses, enquanto que o
ensino consistente da Escritura é que só há um Deus”.[43]
Passemos em revista agora os motivos pelos quais a esmagadora maioria das
traduções bíblicas traduz a ultima cláusula de João 1.1 por “e o Verbo [a
Palavra] era Deus”.
4.2 Seria Θεός em João 1:1 definido?
Primeiramente precisamos destacar mais
uma vez o fato de que a ausência de artigo não prova que um predicativo do
sujeito numa posição anterior ao verbo seja indefinido. Wallace (1996, p. 257),
citando Colwell acerca de sua famosa regra, escreve:
Substantivos predicados
definidos que precedem o verbo usualmente perdem o artigo... um predicado
nominativo que precede o verbo não pode ser traduzido como um substantivo
indefinido ou ‘qualitativo’ tão somente por causa da ausência do artigo; se o
contexto sugere que o predicado é definido, ele deve ser traduzido como um
substantivo definido. [44]
Em outras palavras, se for demonstrado a
partir do contexto que theós aqui é
um predicativo do sujeito definido, a ausência de um artigo pode perfeitamente
ser explicada pelo fato de theós
preceder o verbo. Um bom exemplo de uma construção semelhante a esta pode ser
visto no próprio capítulo 1 de João. No versículo 49 lemos a resposta de
Natanael: “Mestre, tu és o Filho de Deus, tu és o Rei de Israel!” [45].
No original há um artigo antes de “Filho de Deus” (ὁ υἱòς τοῦ θεοῦ),
o qual se encontra após o verbo, enquanto que na oração seguinte não há artigo
antes de “Rei” (βασιλεύς), o qual precede
o verbo. Carson (2007, p.117) confirma o que já tem sido dito até aqui nas
seguintes palavras: “Demonstrou-se que, nessa construção, é comum para um
substantivo predicado finito ser colocado antes do verbo, ser anártro”. De
acordo com isto, “[...] Colwell assumiu que a definição do predicado nominativo
poderia ser alcançada tanto pelo artigo como pela mudança na ordem da palavra”
(WALLACE, 1996, p. 257) [46].
Até mesmo a NWT traduz esta passagem como “Rei de Israel” [47] e
não “um rei de Israel”, o que seria mais adequado ao seu princípio de tradução
perante substantivos anártros.
Baseado no que tem sido apresentado até
então, alguns eruditos têm argumentado em favor de que theós seria um substantivo predicado anártro definido. Reymond
aponta para a tradução de Monffat como um exemplo de tradução onde theós é traduzido qualitativamente (isto
é, adjetivamente) por “divino”, e protesta: “Nenhum Léxico Grego padrão oferece
‘divino’ como um dos significados de θεός, theos, nem o substantivo se torna
adjetivo quando ‘perde’ seu artigo” (2009, p. 300) [48].
Tanto Reymond (2009, p.300)[49]
quanto Carson (2007, p.117)[50]
argumentam ainda que se o intuito de João era expressar um sentido puramente
adjetival (qualitativo), como se a Palavra (ou Verbo) não fosse Deus, mas
apenas divina, ele teria a sua disposição o adjetivo theîos, o qual seria mais indicado. A este respeito, Carson demonstra
sua insatisfação para com uma tradução que aponte theós como qualitativo afirmando: “Isto não é o bastante” (2007, p.
117).
Um problema que se levanta contra a
defesa de um theós definido é que “a
maioria dos predicados nominativos definidos
pré-verbais anártros são monádicos[51],
em construções genitivas, ou são nomes próprios, nenhum dos quais é verdade
aqui, diminuindo a probabilidade de um θεός definido em João
1:1c [cláusula 3]” (WALLACE, 1996, p. 268) [52].
Outro problema é que, em virtude da
aparição prévia de θεός antecedido
por artigo (τòν θεòν) na segunda cláusula, poderíamos afirmar com certeza ser θεός articular na terceira cláusula desde que
se referisse à mesma pessoa. Todavia, na cláusula 2 θεός é uma referência direta a Deus o Pai e na cláusula 3 uma
referência ao Verbo. Portanto, Bruce escreve: “Tivesse theos, assim como logos,
sido precedido pelo artigo, o significado teria sido que a Palavra era
completamente idêntica a Deus, o qual é impossível, já que a Palavra estava
também ‘com Deus’” (1983, p. 31) [53]. “Assim,
dizer que θεός em 1:1c [3ª cláusula] é a mesma pessoa é
dizer que ‘A Palavra [o Verbo] era o Pai’.
Isto, como os antigos gramáticos e exegetas apontaram, é Sabelianismo ou
modalismo embrionário” (WALLACE, 1996, p. 268) [54].
Conforme Wallace (1996, p. 268), “O
Quarto Evangelho é o último lugar provável para se encontrar modalismo no NT” [55].
Porém, é importante notar que ele faz questão de deixar claro que “isto não
quer dizer que em um determinado contexto Jesus não poderia ser identificado
com ὁ θεóς. Em João 20:28, por exemplo, onde o crescendo do Evangelho se
estabelece na confissão de Tomé, Jesus é chamado ὁ θεóς. Mas, não há nada naquele
contexto que o identificaria com o Pai” (WALLACE, 1996, p. 268) [56].
Frente às dificuldades apresentadas acima,
há que se analisar ainda uma última probabilidade, a saber, a de θεóς ser encarado como qualitativo.
4.3 Seria Θεός em João 1:1 qualitativo?
O último de nossos questionamentos recai sobre a possibilidade de
tomarmos theós como qualitativo na
terceira cláusula. Wallace afirma que “o mais provável candidato para θεóς é o qualitativo” [57],
e sustenta que “isto é verdade tanto gramaticalmente (pois a maior proporção
dos predicados nominativos pré-verbais anártros caem nesta categoria) quanto
teologicamente (tanto na teologia do Quarto Evangelho quanto na do NT como um
todo)” (1996, p.269) [58].
No que diz respeito ao aspecto gramatical, é importante tratarmos aqui brevemente
sobre a relação entre sujeito e predicativo do sujeito. No português, esta
relação é facilmente distinguida pela ordem das palavras, ou seja, o sujeito
vem primeiro, seguido pelo verbo de ligação e o predicativo do sujeito, como na
frase “‘João é um homem’, ‘João’ é o sujeito, e ‘homem’ é o predicativo do
sujeito” (WALLACE apud MOUNCE, 2009,
p. 37), ambos unidos pelo verbo de ligação “é”.
No grego, porém, a ordem das palavras é bastante flexível e, de acordo
com Wallace (apud MOUNCE, 2009, p.
37), “[...] é empregada visando ênfase mais do que uma função gramatical
rigorosa”, sendo utilizados outros meios para fazer a distinção entre sujeito e
predicativo do sujeito, como, por exemplo, a presença de um artigo definido junto
a um dos substantivos, evidenciando-o como o sujeito.
Sendo assim, estudando a disposição das palavras nas sentenças gregas
entendemos que “quando uma palavra é colocada no início da oração, é para
enfatizá-la”, portanto, “[...] quando um predicativo do sujeito é transportado
para antes do verbo, recebe ênfase em virtude da ordem da palavra” (WALLACE apud MOUNCE, 2009, p. 37), como acontece
em nosso caso com a terceira cláusula de João 1:1.
É interessante que, em nossas versões, este versículo é traduzido como “e
o Verbo [ou a Palavra] era Deus”. Não é assim, porém, em grego. A forma como o
encontramos é: “καì θεòς ἦν ὁ λóγος” (“e Deus era a o Verbo [ou a
Palavra]”). Visto que o “Verbo [ou a Palavra]” carrega consigo um artigo
definido, logo percebemos que se trata do sujeito e, em nossas traduções,
seguindo os moldes da relação “sujeito/predicativo do sujeito” em português, o
arrastamos para o início da frase: “e o Verbo [ou a Palavra] era Deus”.
Wallace (apud MOUNCE, 2009, pp.
37, 38) declara que “duas perguntas, ambas com relevância teológica, devem vir
à mente: (1) por que θεóς foi transportado para o início da
oração? E (2) por que está sem artigo?” Respondendo a primeira pergunta, Bruce
diz que a intenção de João aqui é expressar “[...] que a Palavra [ou Verbo]
compartilhava a natureza e o ser de Deus” (1983, p. 31) [59].
Isto concorda com o pensamento de Wallace (apud
MOUNCE, 2009, p. 38), o qual afirma que a posição enfática das palavras
ressalta a essência ou qualidade do sujeito. Tanto Wallace (1996, p. 269)
quanto Bruce (1983, p. 31) apontam para a tradução “O que Deus era, a Palavra
era” como uma boa interpretação para expressar a força dessa ordem de palavras.
A posição de que theós em João
1.1c deva ser tomado como qualitativo tem encontrado algumas críticas, na
maioria das vezes baseadas numa má interpretação da regra de Colwell. Embora
Colwell tenha afirmado que um predicado nominativo, sendo, a partir do
contexto, provavelmente definido, quando precedendo um verbo habitualmente
aparecerá sem o artigo, muitos têm generalizado e entendido que um predicado
nominativo, simplesmente por anteceder o verbo, deve ser, freqüentemente,
tomado como definido. Wallace descreve um acontecimento que lança bastante luz
acerca deste mau entendimento:
Quarenta anos depois do artigo de Colwell ter
aparecido no JBL, o ensaio de Philip
B. Harner foi publicado no mesmo jornal. Harner apontou que “Colwell estava
quase inteiramente interessado na questão de se os substantivos predicados
anártros eram definidos ou indefinidos, e ele não discutiu em qualquer extensão
o problema de sua significação qualitativa.” Isto foi provavelmente devido ao
fato de que muitos gramáticos antigos não
viam distinção entre substantivos qualitativos e substantivos definidos (1996,
p. 259).[60]
Precisamos lembrar que “quando um substantivo é anártro, ele pode ter uma
das três forças: indefinido, qualitativo, ou definido” (WALLACE, 1996, p. 243) [61].
Ao deixar de abordar o problema da significação qualitativa, o próprio Colwell,
ao que parece, acabou contribuindo para um posterior mau uso de sua regra.
Digno de nota, também, é o destaque de Wallace ao fato de Harner ter produzido
“[...] evidência de que predicados nominativos anártros pré-verbais são
usualmente qualitativos – não definidos nem indefinidos. Suas descobertas, em
geral, foram de que 80% das construções de Colwell envolviam substantivos qualitativos
e apenas 20% envolviam substantivos definidos” (1996, p. 259) [62].
Uma comparação entre João 1:1c e João 1:14 também se apresenta como
grande auxílio para compreendermos o que se pretende expressar ao tomarmos theós como qualitativo. Wallace (1996, p.
269) sustenta que ambas as passagens “[...] enfatizam a natureza do verbo e não
sua identidade. [...]θεóς era sua
natureza desde a eternidade (daí, εἰμί
ser usado), enquanto σάρξ foi acrescentada na encarnação (daí, γίνομαι ser usado).” [63] Assim,
seguindo o que já dissemos até aqui, atribuindo a theós um peso qualitativo asseveramos a essência do Verbo (ele
compartilha indistintamente dos mesmos atributos do Pai) sem contestar de
maneira alguma Sua deidade, e neste caso a tradução de Moffatt (de que o Verbo
é “divino”) seria aceitável apenas se o tomássemos como “[...] um termo que
pode ser aplicado tão somente à
verdadeira deidade”[64],
diferindo do uso moderno que o aplica “[...] com referência aos anjos, [em
inglês] aos teólogos, e até mesmo a comida” (WALLACE, 1996, p. 269) [65].
Acerca da segunda pergunta, ou seja, o porquê de θεóς estar sem artigo, nos parece evidente a intenção autoral de nos
impedir “[...] de identificar a pessoa
da Palavra (Jesus Cristo) com a pessoa
de Deus (o Pai)” (WALLACE apud MOUNCE,
2009, p. 38). Resumindo, nas Palavras de Wallace: “[...] a ordem das palavras
nos diz que Jesus Cristo tem todos os atributos divinos que o Pai possui; a
falta do artigo nos diz que Jesus Cristo não é o Pai. [...] Conforme disse
Martinho Lutero, a falta de um artigo vai contra o sabelianismo; a ordem das
palavras vai contra o arianismo” (apud
MOUNCE, 2009, p. 38).
Uma forma de vermos isto mais claramente nos é proposta por Wallace (apud MOUNCE, 2009, p. 38) através da
comparação das diferentes construções gregas tais como seguem:
καὶ ὁ λόγος ἦν ὁ θεóς “e
a Palavra era o Deus” (i.e, o Pai; sabelianismo)
καὶ ὁ λόγος ἦν θεóς “e a Palavra
era um deus” (arianismo)
καὶ θεòς ἦν ὁ λόγος “e a Palavra
era Deus (fé ortodoxa)
Assim, podemos firmemente afirmar com Wallace: “A construção que o evangelista escolheu para expressar esta idéia foi o
modo mais conciso que ele poderia
ter usado para afirmar que a Palavra era Deus e era ainda distinta do Pai”
(1996, p. 269) [66]. “Jesus Cristo é Deus e
possui todos os atributos que o Pai possui. Não é, porém, a primeira pessoa da
Trindade. Tudo isso é afirmado de modo conciso em καὶ θεòς ἦν ὁ λόγος” (WALLACE apud MOUNCE, 2009, p. 38).
No que diz respeito à tradução, concordamos com Wallace que, embora
creiamos que θεóς na terceira cláusula seja
qualitativo, pensamos que a mais simples e correta tradução seja: “e o Verbo
[ou a Palavra] era Deus”. “Pode ser melhor afirmar claramente o ensino neotestamentário
da deidade de Cristo e então explicar que ele não é o Pai, ao invés de parecer
ambíguo sobre sua deidade e explicar que ele é Deus, mas não é o Pai” (1996, p.
269).[67]
5 CONCLUSÃO
A conclusão a que chegamos é a de que, embora o conceito de Lógos fosse comum e já bem definido no
período em que João o empregou, o apóstolo o desenvolve de modo inteiramente
novo, atribuindo-o a uma existência divina que se encarna e vive como um homem
neste mundo. Sua doutrina do Lógos
trabalha para revelar a natureza excepcional de Jesus, o Deus preexistente que
se faz homem e apresenta-se numa cruz como sacrifício ao Pai no lugar de
pecadores, demonstrando assim o seu amor e garantindo-lhes salvação.
Nossa exegese de João 1:1 esforçou-se para estabelecer o real sentido aplicado
pelo apóstolo ao chamar o Lógos
de θεóς. Esta análise
demonstrou-se consistente com o restante do ensino de João, apoiando o conceito
do, assim chamado, “quarto evangelista” de que, tomando θεóς como qualitativo, o Lógos compartilha da mesma essência do Pai,
sendo, todavia, distinto da primeira Pessoa da Trindade quanto a Sua hipóstase
(pessoa). Assim, desde o prólogo de seu Evangelho, João apresenta Jesus como
Deus, o Filho, co-eterno e co-igual ao Pai.
Vale à pena relembrar as palavras de Lewis:
Estou tentando impedir que alguém repita a rematada
tolice dita por muitos a seu respeito: “estou disposto a aceitar Jesus como um
grande mestre da moral, mas não aceito a sua afirmação de ser Deus.” Essa é a
única coisa que não devemos dizer. Um homem que fosse somente um homem e
dissesse as coisas que Jesus disse não seria um grande mestre da moral. Seria
um lunático – no mesmo grau de alguém que pretendesse ser um ovo cozido – ou
então o diabo em pessoa. Faça a sua escolha. Ou esse homem era, e é, o Filho de
Deus, ou não passa de um louco ou coisa pior. Você pode querer calá-lo por ser
um louco, pode cuspir nele e matá-lo como a um demônio; ou pode prosternar-se a
seus pés e chamá-lo de Senhor e Deus. Mas que ninguém venha, com paternal
condescendência, dizer que ele não passava de um grande mestre humano. Ele não
nos deixou esta opção, e não quis deixá-la. (LEWIS, p. 69, 70)
Mais do que em qualquer outro lugar da Escritura, e, todavia, em absoluto
acordo com toda ela, na narrativa de João, tanto Jesus quanto o apóstolo
reivindicam, incontestavelmente, a doutrina do Deus/homem. Jesus “era Deus”
desde o “princípio” (Jo. 1:1), “se fez carne” (Jo. 1:14), foi crucificado,
ressuscitou e apareceu para Tomé como “Senhor” e “Deus” (Jo. 20:28).
REFERÊNCIAS
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[1]
Todas as citações bíblicas, com exceção das expressamente identificadas, foram
retiradas da versão Almeida Revista e Atualizada (2 ed. Barueri: Sociedade
Bíblica do Brasil, 2009), doravante ARA.
[2] No
Concílio de Nicéia (325 d.C.), “Ário, apoiado por Eusébio de Nicomédia [...] e
por uma minoria dos presentes, insistiu que Cristo não existiu desde a
eternidade, mas que começou a existir por um ato criativo de Deus antes do
tempo. Cristo era, então, de essência ou substância
diferente (heteros) do Pai. Pela excelência da sua vida e
por sua obediência à vontade de Deus, Cristo pôde ser considerado divino. Ário
achava, entretanto, que Cristo era um ser criado a partir do nada, subordinado
ao Pai e de essência diferente do Pai. Não era co-igual, coeterno e da mesma
substância com o Pai. Para Ário, Cristo era divino mas não era Deus” (CAIRNS,
2008, p. 114).
[3] “De acordo com os
socinianos, Cristo deve ser adorado como um homem que obteve a divindade por
sua vida superior” (CAIRNS, 2008, p. 277).
[4]
“Sabélio [...] cria na noção de que só existe uma Pessoa divina, Deus Pai, que
se manifesta nas três formas, Pai, Filho e Espírito Santo. Deus, então, é uma
pessoa que se transformou no processo da história” (FERREIRA & MYATT, 2007,
p. 488).
[5]
“Paulo de Samosata [...] entendia que Deus apresentou-se em três modos, mas não
existe eternamente como três pessoas. Intrinsecamente, Deus é somente uma
pessoa” (FERREIRA & MYATT, 2007, p. 488).
[6] O
famoso grupo “Voz da Verdade”, com canções muito conhecidas e tocadas no meio
“evangélico” apresenta-se sem reservas como unicista.
[7]
Ladd (2009, p. 358) indica a data 42 d.C., enquanto Lopes (2007, p. 83) aponta
para uma data aproximada a 50 d.C. como a da morte de Filo.
[8] “So, when heaven and earth were
created, there was the Word of God, already existing in the closest association
with God and partaking of the essence of God.”
[9] No matter how far back we may
try to push our imagination, we can never reach a point at which we could say
of the Divine Word, as Arius did, ‘There was once when he was not.’”
[10] Resposta a pergunta de nº
36: “Quem é o Mediador do pacto da graça?”.
[11] Resposta a pergunta de nº
21: “Quem é o Redentor dos escolhidos de Deus?”.
[12] A própria Confissão de fé de Westminster (Cap. III, § II)
professa: “O Filho de Deus, a Segunda
Pessoa da Trindade, sendo verdadeiro e eterno Deus, da mesma substância do Pai
e igual a ele, quando chegou o cumprimento do tempo, tomou sobre si a natureza
humana com todas as suas propriedades essenciais e enfermidades comuns, contudo
sem pecado, sendo concebido pelo poder do Espírito Santo no ventre da Virgem
Maria e da substância dela. As duas naturezas, inteiras, perfeitas e distintas
- a Divindade e a humanidade - foram inseparavelmente unidas em uma só pessoa,
sem conversão, composição ou confusão; essa pessoa é verdadeiro Deus e
verdadeiro homem, porém, um só Cristo, o único Mediador entre Deus e o homem.” Na Confissão
de fé Batista de 1689 (Cap. VIII, § II) encontramos exatamente a mesma
profissão, mudando apenas algumas palavras. Na confissão Belga (Artigo X)
encontramos a seguinte declaração: “Cremos
que Jesus Cristo, segundo sua natureza divina, é o único Filho de Deus, gerado
desde a eternidade. Ele não foi feito, nem criado - pois, assim, Ele seria uma
criatura, - mas é de igual substância do pai, co-eterno, ‘o resplendor da
glória e a expressão exata do seu Ser’ (Hebreus 1:3), igual a Ele em tudo. Ele
é o Filho de Deus, não somente desde que assumiu nossa natureza, mas desde a
eternidade, como os seguintes testemunhos nos ensinam, ao serem comparados uns
aos outros: diz que Deus criou o mundo, e o apóstolo João diz que todas as
coisas foram feitas por intermédio do Verbo que ele chama Deus. O apóstolo diz
que Deus fez o universo por seu Filho e, também, que Deus criou todas as coisas
por meio de Jesus Cristo. Segue-se necessariamente que aquele que é chamado
Deus, o Verbo, o Filho e Jesus Cristo, já existia, quando todas as coisas foram
criadas por Ele. O profeta Miquéias, portanto, diz: ‘Suas origens são desde os
tempos antigos, desde os dias da eternidade’ (Miquéias 5:2); e a carta aos Hebreus
testemunha: ‘Ele não teve princípio de dias, nem fim de existência’ (Hebreus
7:3). Assim, Ele é o verdadeiro, eterno Deus, o Todo-poderoso, a quem
invocamos, adoramos e servimos.” No Catecismo de Heidelberg (1563), de Zacarias
Ursinus e Guido de Brés, respondendo a pergunta de nº 35: “0 que você entende, quando diz
que Cristo "foi concebido pelo Espírito Santo e nasceu da virgem
Maria?”(Domingo 14), lemos: “Entendo que o
eterno Filho de Deus, que é e permanece verdadeiro e eterno Deus, tornou-se
verdadeiro homem, da carne e do sangue da virgem Maria, por obra do Espírito
Santo. Assim Ele é, de fato, o descendente de Davi igual a seus
irmãos em tudo, mas sem pecado.” Por fim, a Segunda Confissão Helvética, de
Heinrich Bullinger (elaborada em 1562), no Cap. XI (“De Jesus Cristo,
verdadeiro Deus e verdadeiro homem, único Salvador do mundo”) está escrito: “Cristo
é verdadeiro Deus. Além disso, ensinamos que o Filho de Deus, nosso
Senhor Jesus Cristo, foi, desde a eternidade, predestinado ou pré-ordenado pelo
Pai para ser o Salvador do Mundo. E cremos que ele nasceu, não somente quando
da Virgem Maria assumiu a carne, nem apenas antes que se lançassem os
fundamentos do mundo, mas antes de toda a eternidade e certamente pelo Pai, de
um modo inexprimível. [...] Portanto, quanto à sua divindade, o Filho é
co-igual e consubstancial com o Pai; verdadeiro Deus (Fil 2.11), não de nome ou
por adoção ou por qualquer dignidade, mas em substância e natureza, como disse
o apóstolo São João: “Este é o verdadeiro Deus e a vida eterna” (I João 5.20).”
[13]
Todas as citações do texto grego foram retiradas de SAYÃO, L. A. T. (Ed.). Novo Testamento trilíngüe: grego,
português e inglês. São Paulo: Vida Nova, 2003.
[14] Almeida
Revista e Corrigida (NOVO TESTAMENTO:
português inglês. Campinas: Os Gideões Internacionais, 1988).
[15]
Bíblia de Jerusalém (São Paulo: Sociedade Bíblica Católica Internacional e
Paulus, 1996).
[16]
Tradução Brasileira (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil, 2011).
[17]
Versão Restauração (NOVO TESTAMENTO.
Anaheim: Living Stream Ministry, 2008).
[18] Tradução do Novo Mundo, versão de
1967 (Brooklyn: Watchtower Bible and Tract Society of New York, Inc., 1967).
[19]
Nova Versão Internacional (São Paulo: Sociedade Bíblica Internacional, 2000).
[20]
Nova Bíblia Viva (São Paulo: Mundo Cristão, 2011).
[21]
Bíblia alemã Gute Nachricht (Boa
Notícia). Tradução apresentada por Hörster (2009, p. 53).
[22]
Nova Tradução na Linguagem de Hoje (Barueri: Sociedade Bíblica do Brasil,
2000).
[23]
PETERSON, E. H. A Mensagem: Bíblia
na linguagem contemporânea. São Paulo: Ed. Vida, 2011.
[24]
Biblia Textual Reina-Valera (EL NUEVO
TESTAMENTO. Capellades: Sociedad Bíblica Iberoamericana, 2001): “Em um
princípio era o Verbo, e o Verbo estava diante de Deus, e o Verbo era Deus”
(tradução nossa).
[25] Holman Christian Standard Bible (Nashville: Holman
Bible Publishers, 2003): “No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com
Deus, e a Palavra era Deus” (tradução nossa).
[26] King James Version (THE NEW TESTAMENT OF OUR LORD AND SAVIOR
JESUS CHRIST. Nashville :
The Gideons International, 1988).
[27] New American Standard Bible
(Anaheim: Foundation Publications, Inc., 1995).
[28] New Living Translation (LAURIE, G.
[Ed.]. New Believer’s Bible New
Testament: first steps for new Christians. Wheaton: Tyndale House
Publishers, Inc., 1996.): “No princípio a Palavra já existia. Ele estava com
Deus, e ele era Deus” (tradução nossa).
[29]
New World Translation [Tradução do Novo Mundo] (Brooklyn: Watchtower Bible and
Tract Society of New York, Inc., 2006): “No princípio a Palavra era, e a
Palavra estava com Deus, e a Palavra era um deus” (tradução nossa).
[30]
“[...] cara a cara, frente a frente, o em
presencia de [...] Ante define la posición reflexiva del Verbo” (p. 152).
[31]
Mather e Nichols (2000, p.456) afirmam ainda que “a tradução deles [Testemunhas
de Jeová] é feita para ficar de acordo com a sua teologia, ao invés de ser o
oposto, ou seja, a Torre de Vigia submeter sua teologia às Escrituras”.
[32] “The grammatical argument
that the PN here is indefinite is weak.”
[33] “Often, those who argue for such a
view (in particular, the translators of the NWT) do so on the sole basis that
the term is anarthrous”.
[34]
Nas palavras de Countess (apud Wallace, 1996, p. 267): A primeira seção de João – 1:1-18 –
fornece um lúcido exemplo do dogmatismo arbitrário da NWT. Θεός ocorre oito vezes – versos 1,
2, 6, 12, 13, 18 – e possui o artigo apenas duas vezes – versos 1, 2. Todavia,
a NWT traduziu seis vezes como “Deus”, uma vez como “um deus”, e uma vez como
“o deus” (“The first section of John – 1:1-18 – furnishes a lucid exemple of
NWT arbitrary dogmatism. Θεός occurs eight times – verses 1,
2, 6, 12, 13, 18 – and has the article only twice – verses 1, 2. Yet NWT six
times translated ‘God,’ once ‘a god,’ and once ‘the god’”).
[35] A
referência aqui é a passagem de 2 Co 7:10a, onde lemos “ἡ
γὰρ κατὰ
θεòν λύπη μετάνοιαν εἰς σωτηρίαν ἀμεταμέλητον ἐργάζεται”.
A NWT produz uma tradução impossível aqui: “For sadness in a godly way makes
for repentance to salvation that is not to be regretted” (Porque a tristeza de modo piedoso produz arrependimento para
a salvação que não se há de deplorar). A expressão κατὰ θεòν (segundo Deus) é traduzida arbitrariamente aqui por “de modo
piedoso” (godly way). Uma tradução literal seria: “Ela [a dor], pois, a dor
segundo Deus, desenvolve irrevogável arrependimento para a salvação” (tradução
nossa).
[36] In the New Testament there are 282
occurrences of the anarthrous θεός.
At sixteen places NWT has either a god, god, gods, or godly. Sixteen out of 282
means that the translators were faithful to their
translation principle only six percent of the time.
[37] If we expand the discussion
to other anarthrous terms in the Johannine Prologue, we notice other
inconsistencies in the NWT.
[38] It is interesting that the New World Translation renders θεός as “a god” on the simplistic grounds that it
lacks the article. This is surely an insufficient basis. Following the
“anarthrous = indefinite” principle would mean that ἀρχᾗ should be “a beginning”
(1:1, 2), ζωή should be
“a life” (1:4), παρὰ θεοῦ should be “from a god” (1:6), Ίωάννης
should be “a John” (1:6), θεόν should be “a god” (1:18 ),
etc. Yet none of these other anarthrous nouns is rendered with an indefinite
article.
[39] One can only suspect strong
theological bias in such a translation.
[40]
Entrevista esta retirada de “[...] um panfleto escrito por Michael Van Buskirk,
intitulado A Desonestidade Escolástica da
Torre de Vigia (1975), no qual o autor destaca que a seita Testemunhas de
Jeová cita erroneamente os famosos eruditos gregos cristãos H. E. Dana e J. R.
Mantey” (MATHER; NICHOLS, 2000, p. 455).
[41] According to Dixon ’s study, if θεός were indefinite
in John 1:1, it would be the only anarthrous pre-verbal PN in John’s Gospel to
be so […] the general point is valid: The indefinite notion is the most poorly
attested for anarthrous pre-verbal predicate nominatives. Thus, grammatically
such a meaning is improbable […] the evangelist’s own theology militates
against this view, for there is an exalted Christology in the Fourth Gospel, to
the point that Jesus Christ is identified as God (cf. 5:23 ; 8:58 ;
10:30 ; 20:28 , etc.).
[42] “[…] perhaps suggesting that the
Word was merely a secondary god in a pantheon of deities”.
[43] “[...]
aceptar su defectuosa
traducción es
aceptar el politeísmo. Porque de acuerdo con la TNM, en Juan 1:1, lo que Juan
afirma es que por lo menos hay dos dioses, mientras que la enseñanza
consistente de la Escritura es que sólo hay un Dios.”
[44] “Definite predicate nouns which
precede the verb usually lack the article... a predicate nominative which
precedes the verb cannot be translated as an indefinite or a ‘qualitative’ noun
solely because of the absence of the article; if the context suggests that the
predicate is definite, it should be translated as a definite noun…”
[45] “Ραββί, σù εἶ ὁ υἱòς τοῦ θεοῦ, σù βασιλεùς εἶ τοῦ ’Ισραήλ” [Rabbí, sù eî ho huiòs toû theû, sì
basileùs eî toû ’Israél].
[46] “From this, Colwell assumed that
definiteness of the PN could be achieved either by the article ou by a shift in
word order.”
[47] “Na.than´a.el answered him:
‘Rabbi, you are the Son of God, you are King of Israel’” (Jo 1:49 - NWT).
[48] “No standard Greek lexicon offers
‘divine’ as on of the meanings of θεός, theos, nor does the noun become an adjective when it
‘sheds’ its article”.
[49] “If John had intended an adjectival
sense, he had an adjective (θεîος, theios) ready at hand” (“Se João tivesse pretendido um sentido
adjetival, ele tinha um adjetivo [θεîος,
theios] pronto à mão”).
[50]
“Há uma palavra perfeitamente adequada em grego para ‘divina’ (theios).
[51]
Isto é, o único de um tipo, como o sol, por exemplo. Visto não haver outro sol,
ele é o único de um tipo.
[52] “The vast majority of definite anarthrous pre-verbal predicate
nominatives are monadic, in genitive constructions, or are proper names, none
of which is true here, diminishing the likelihood of a definite θεός in John 1:1c.”
[53] “Had theos as well as logos
been preceded by the article the meaning
would have been that the Word was completely identical with God, which is
impossible if the Word was also ‘with God’”.
[54] “Thus to say that θεός in 1:1c is the same person is to say
that ‘the Word was the Father.’ This,
as the older grammarians and exegetes pointed out, is embryonic Sabellianism or
modalism.”
[55] “The Fourth Gospel is about the
least likely place to find modalism in the NT.”
[56] “This is not to say that in a given
context Jesus could not be identified with ὁ θεóς. In John 20:28, for example, where the crescendo of the Gospel comes in
Thomas’ confession, Jesus is called ὁ θεóς. But there is nothing in that context that would identify him with the
Father.”
[58] “This is true both
grammatically (for the largest proportion of pre-verbal anarthrous predicate
nominatives fall into this category) and theologically (both the theology of
the Fourth Gospel and of the NT as a whole).”
[59] “What is meant is that the Word shared
the nature and being of God”.
[60] “Forty years after Colwell’s article appeared
in JBL, Philip B. Harner’s essay was
published in the same journal. Harner pointed out that ‘Colwell was almost
entirely concerned with the question whether anarthrous predicate nouns were
definite or indefinite, and he did not discuss at any length the problem of
their qualitative significance.’ This was probably due to the fact that many
older grammarians saw no distinction
between qualitative nouns and indefinite nouns”
[61] “When a substantive is anarthrous, it may have
one of three forces: Indefinite, qualitative, or definite.”
[62] “[...] evidence that an anarthrous pre-verbal
PN is usually qualitative – not
definite nor indefinite. His findings, in general, were that 80% of Colwell’s
constructions involved qualitative nouns and only 20% involved definite nouns.”
[63] “[...] both emphasize the nature of the Word,
rather his identity. […]θεóς was his nature from eternity (hence, εἰμί is
used), while σάρξ was added at the incarnation (hence, γίνομαι is used).”
[64] “[…] a term that can be applied only to true deity.”
[65] “[…] with reference to angels, theologians, even a
meal!”
[66] “The construction the evangelist chose to express this idea was the most
concise way he could have stated the
Word was God and yet was distinct from the Father” (itálico original).
[67] “It may be better to clearly affirm
the NT teaching of the deity of Christ and then explain that he is not the Father, than to sound ambiguous on his deity and explain
that he is God but is not the Father.
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