“Amazing Grace, how sweet the sound, that saved a wretch like me…” *
(Espantosa [Espetacular] Graça, quão doce o som, que salvou um miserável como eu...)
Talvez seja essa uma das melhores maneiras de expressar a Graça de Deus: Um “doce som” (sweet the sound); uma maravilhosa melodia que penetra na alma do pecador e, semelhantemente como em Jericó, põe totalmente por terra suas muralhas (resistências).
No passado, homens tementes ao Senhor, definiram a graça de Deus como Irresistível **. Não que esta Graça, sendo poderosa - como de fato é -, desconsidere a vontade humana, mas que ao revelar-se, mostra-se de maneira tal que torna inconcebível a idéia de uma existência distante de Deus (o Doador da Graça).
Quando Deus, por sua Graça, chama o pecador, Ele o faz de maneira tal que uma única resposta é possível: “Eis-me aqui!”. Fora assim, prontamente, que responderam Moisés, Samuel e Isaías (Ex 3.4; 1 Sm 3.4; Is 6.8). Não fora assim com Maria também, que ao receber do anjo do Senhor o chamado para desempenhar seu papel no plano da redenção, respondeu imediatamente: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1.38)?.
Quando a vontade salvadora de Deus se apresenta ao homem, ali há salvação, independentemente de quão lastimável seja o estado daquela alma, pois é a vontade de Deus; como diz o apóstolo Paulo, “Pois quem jamais resistiu à Sua vontade?” (Rm 9.19b).
Foi assim na vida de Zaqueu. Ao receber o chamado de Jesus – “Zaqueu, desce depressa...” (Lc 19.5) – pode experimentar um encontro tão poderoso com a Graça de Deus que, sem que fosse necessária uma única palavra de exortação do Mestre, seu coração fora transformado a tal ponto que sua primeira iniciativa, em atitude de arrependimento, é endireitar seus caminhos: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais” (Lc 19.8). A resposta de Jesus é a confirmação do resultado de um encontro com o chamado (neste caso, inaudito) da Graça: “Hoje, houve salvação nesta casa...” (Lc 19.9). Que espetacular Graça é esta que salva até no silêncio? “Salva até por meio de um olhar...”?***
Também Levi, um publicano, estando assentado na coletoria, talvez distraído em seus afazeres e certamente alheio do que lhe aconteceria naquele momento, foi surpreendido pelo “doce som” da Graça de Deus e pode ouvir dos lábios do Mestre o chamado da salvação: “Segue-me!” (Lc 5.27; Mt 9.9; Mc 2.14). É maravilhoso lembrar qual sua reação diante deste acontecido: “Ele se levantou e, deixando tudo, o seguiu” (Lc 5.28).
Quão admirável é a Graça de Deus! Ela não somente se apresenta ao homem na forma de um chamado – meramente possibilitando uma resposta do ser humano –, mas, também, em forma de capacitação para responder ao chamado.
Se a Graça de Deus fosse-nos apresentada puramente em forma de chamado, esta não possibilitaria a salvação de ninguém, visto que o homem, em sua condição natural de “morto” espiritualmente (Ef 2.1) e “escravo do pecado” (Rm 6.17), seria, portanto, completamente incapaz de responder positivamente a este chamado da Graça, mas glórias sejam dadas ao nome do Senhor Jesus Cristo, pois Ele não somente nos chama, mas, capacita-nos a responder com fé a este chamado. Como escreveu Sinclair B. Ferguson: “Aquele que os chama cria neles a capacidade de responder, de forma que no próprio ato do chamado Ele os leva à nova vida”.¹ Jesus é o “Autor e Consumador da nossa fé” (Hb 12.2) e ao criar esta fé em nós, Ele não está simplesmente nos possibilitando a salvação, mas garantindo-a! Lembremos: “...pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9); e, ainda: “Do Senhor é a salvação...” (Sl 3.8a). Onde podemos encontrar este que, tendo recebido o “dom de Deus” (a fé), permanecera a precipitar-se no abismo?
Não podemos esquecer, também, a obra que Deus, através do Espírito Santo, realiza na vida dos que Ele chama afim de capacitar. Esta obra, conhecida como “regeneração” ou “novo nascimento”, é a responsável por uma “transformação drástica e permanente no nível mais profundo da personalidade de uma pessoa... [onde] ...o envolvimento fundamental da pessoa com objetos e princípios abomináveis, aos quais servia, é cessado e ela se volta para Deus” ²; é a partir deste ponto que a fé nos é concedida, pois, “a regeneração precede a fé; isto é, a pessoa não nasce de novo pela fé, mas é capacitada a crer precisamente por Deus tê-la regenerado primeiro”. ³
As Sagradas Escrituras nos dizem que a obra de Deus é poderosíssima e que por meio dela passamos “da morte para a vida” (Jo 5.24) e “das trevas para a luz” (1 Pe 2.9); diz ainda: “Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne” (Ez 11.19); lemos também no livro de Atos dos Apóstolos, acerca de Lídia, que “o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia” (At 16.14b). Em suma, o que estas passagens ensinam é que Deus faz todo o trabalho em nos conduzir a Ele. Como Jesus afirmou: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (Jo 6.44a). Somos transformados pela ação sobrenatural do Espírito Santo de Deus, para que nós, que estávamos distantes de Deus e, por ocasião do pecado éramos “inimigos” (Rm 5.10; Tg 4.4; Cl 1.21) e “filhos da ira” (Ef 2.3); que não queríamos um relacionamento com Deus, mas através da intervenção dEle, operando em nós “tanto o querer como o realizar” (Fp 2.13), passamos a desejá-lo, possamos agora, de posse de uma nova natureza, nos achegar a Deus, escondidos à sombra da cruz, para, assim como Davi, declararmos: “Tudo vem de Ti, e das Tuas mãos To damos” (1 Cr 29.14).
Perceba que Deus predestinou pessoas para serem salvas (Rm 8.29,30; Ef 1.5,11); Ele enviou Seu Filho Unigênito, Jesus Cristo, para morrer em favor destas pessoas, além disso, o Espírito Santo faz esta tão poderosa obra na vida de cada uma destas pessoas, convencendo-as de seus pecados (Jo 16.8), dando-lhes nova vida (Rm 6.4), trazendo-as das trevas para a luz... Ou seja, o preço pago é muito alto! Deus fez tudo isso para que estas pessoas fossem conduzidas a Ele e não falhará
Podemos, por fim, perceber toda a plenitude da Graça de Deus, ao relembrarmos a extraordinária conversão de Saulo. Aqui temos um homem cujo objetivo era tão somente acabar com o cristianismo, mesmo que para isso tivesse que assassinar tantos cristãos quanto necessário. Em Atos 9.1 está escrito que ele respirava “ameaças e morte contra os discípulos do Senhor”. Em Atos 7.58, vemos Saulo presente no apedrejamento de um cristão chamado Estevão e no capítulo 8, versículo 1, lemos: “E Saulo consentia na sua morte”. Saulo, já convertido, mais tarde fala sobre as atrocidades que havia cometido, inclusive no caso de Estevão: “Eu disse: Senhor, eles bem sabem que eu encerrava em prisão e, nas sinagogas, açoitava os que criam
Certo dia, Saulo, tendo voluntariamente pedido autorização para prender os cristãos que encontrasse (At 9.1,2), viajou para a cidade de Damasco e, no meio do caminho, teve um encontro que mudou totalmente a sua vida; ele encontrou-se com a Graça Espetacular de Jesus Cristo. Saulo ouviu o “doce som” da voz do Mestre (At 9.4) e, dali em diante, tornou-se o Apóstolo Paulo, maior evangelista da igreja cristã e responsável pela maior parte das cartas que compõem o Novo Testamento. De perseguidor a perseguido; de alguém que aprisionava cristãos a aprisionado por amor a Cristo; aquele que ameaçava os discípulos, podia agora entregar a própria vida por eles. Quem pode trazer tamanha transformação a vida de alguém? Somente a Graça do Senhor! Saulo buscava esta transformação? Era desejo dele encontrar-se com o Cristo? Não, foi a Graça que o encontrou! Que Graça Espetacular!
“Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15.16a)
“Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48)
“Pois quem jamais resistiu à Sua vontade?” (Rm 9.19b).
DEle recebemos a Salvação, por meio dEle somos transformados, para habitar com Ele no celeste porvir... “porque dEle, e por meio dEle, e para Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente amém” (Rm 11.36).
Soli Deo Gloria
Nelson Ávila, 29 de maio de 2010.
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* Amazing Grace: Canção tradicional, com letra e música de John Newton (1725 – 1807). No epitáfio de Newton, escrito por ele mesmo, lia-se: “John Newton, caixeiro. Uma vez infiel e libertino, traficante de escravos na África, mas que pela rica misericórdia de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, foi restaurado, perdoado e nomeado para pregar o Evangelho (...)”.
** Irresistible Grace é o quarto dos cinco pontos de Dort, conhecidos popularmente como: os 5 pontos calvinistas [T.U.L.I.P.].
*** Salvação Graciosa (Wm. A. Ogdem – S. L. Ginsburg) – Hino de nº 198 do Hinário “Novo Cântico” da Igreja Presbiteriana do Brasil (I.P.B.).
¹ The Christian Life: A Doctrinal Introduction,
² CHEUNG, Vincent, Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo: Arte Editorial, 2008, p. 297.
³ Idem.
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