domingo, 30 de maio de 2010

GRAÇA ESPETACULAR


“Amazing Grace, how sweet the sound, that saved a wretch like me…” *

(Espantosa [Espetacular] Graça, quão doce o som, que salvou um miserável como eu...)


Talvez seja essa uma das melhores maneiras de expressar a Graça de Deus: Um “doce som” (sweet the sound); uma maravilhosa melodia que penetra na alma do pecador e, semelhantemente como em Jericó, põe totalmente por terra suas muralhas (resistências).

No passado, homens tementes ao Senhor, definiram a graça de Deus como Irresistível **. Não que esta Graça, sendo poderosa - como de fato é -, desconsidere a vontade humana, mas que ao revelar-se, mostra-se de maneira tal que torna inconcebível a idéia de uma existência distante de Deus (o Doador da Graça).

Quando Deus, por sua Graça, chama o pecador, Ele o faz de maneira tal que uma única resposta é possível: “Eis-me aqui!”. Fora assim, prontamente, que responderam Moisés, Samuel e Isaías (Ex 3.4; 1 Sm 3.4; Is 6.8). Não fora assim com Maria também, que ao receber do anjo do Senhor o chamado para desempenhar seu papel no plano da redenção, respondeu imediatamente: “Aqui está a serva do Senhor; que se cumpra em mim conforme a tua palavra” (Lc 1.38)?.

Quando a vontade salvadora de Deus se apresenta ao homem, ali há salvação, independentemente de quão lastimável seja o estado daquela alma, pois é a vontade de Deus; como diz o apóstolo Paulo, “Pois quem jamais resistiu à Sua vontade?” (Rm 9.19b).

Foi assim na vida de Zaqueu. Ao receber o chamado de Jesus – “Zaqueu, desce depressa...” (Lc 19.5) – pode experimentar um encontro tão poderoso com a Graça de Deus que, sem que fosse necessária uma única palavra de exortação do Mestre, seu coração fora transformado a tal ponto que sua primeira iniciativa, em atitude de arrependimento, é endireitar seus caminhos: “Senhor, resolvo dar aos pobres a metade dos meus bens; e, se nalguma coisa tenho defraudado alguém, restituo quatro vezes mais” (Lc 19.8). A resposta de Jesus é a confirmação do resultado de um encontro com o chamado (neste caso, inaudito) da Graça: “Hoje, houve salvação nesta casa...” (Lc 19.9). Que espetacular Graça é esta que salva até no silêncio? “Salva até por meio de um olhar...”?***

Também Levi, um publicano, estando assentado na coletoria, talvez distraído em seus afazeres e certamente alheio do que lhe aconteceria naquele momento, foi surpreendido pelo “doce som” da Graça de Deus e pode ouvir dos lábios do Mestre o chamado da salvação: “Segue-me!” (Lc 5.27; Mt 9.9; Mc 2.14). É maravilhoso lembrar qual sua reação diante deste acontecido: “Ele se levantou e, deixando tudo, o seguiu” (Lc 5.28).

Quão admirável é a Graça de Deus! Ela não somente se apresenta ao homem na forma de um chamado – meramente possibilitando uma resposta do ser humano –, mas, também, em forma de capacitação para responder ao chamado.

Se a Graça de Deus fosse-nos apresentada puramente em forma de chamado, esta não possibilitaria a salvação de ninguém, visto que o homem, em sua condição natural de “morto” espiritualmente (Ef 2.1) e “escravo do pecado” (Rm 6.17), seria, portanto, completamente incapaz de responder positivamente a este chamado da Graça, mas glórias sejam dadas ao nome do Senhor Jesus Cristo, pois Ele não somente nos chama, mas, capacita-nos a responder com fé a este chamado. Como escreveu Sinclair B. Ferguson: “Aquele que os chama cria neles a capacidade de responder, de forma que no próprio ato do chamado Ele os leva à nova vida”.¹ Jesus é o “Autor e Consumador da nossa fé” (Hb 12.2) e ao criar esta fé em nós, Ele não está simplesmente nos possibilitando a salvação, mas garantindo-a! Lembremos: “...pela graça sois salvos, mediante a fé; e isto não vem de vós; é dom de Deus; não de obras, para que ninguém se glorie” (Ef 2.8,9); e, ainda: “Do Senhor é a salvação...” (Sl 3.8a). Onde podemos encontrar este que, tendo recebido o “dom de Deus” (a fé), permanecera a precipitar-se no abismo?

Não podemos esquecer, também, a obra que Deus, através do Espírito Santo, realiza na vida dos que Ele chama afim de capacitar. Esta obra, conhecida como “regeneração” ou “novo nascimento”, é a responsável por uma “transformação drástica e permanente no nível mais profundo da personalidade de uma pessoa... [onde] ...o envolvimento fundamental da pessoa com objetos e princípios abomináveis, aos quais servia, é cessado e ela se volta para Deus” ²; é a partir deste ponto que a fé nos é concedida, pois, “a regeneração precede a fé; isto é, a pessoa não nasce de novo pela fé, mas é capacitada a crer precisamente por Deus tê-la regenerado primeiro”. ³

As Sagradas Escrituras nos dizem que a obra de Deus é poderosíssima e que por meio dela passamos “da morte para a vida” (Jo 5.24) e “das trevas para a luz” (1 Pe 2.9); diz ainda: “Dar-lhes-ei um só coração, espírito novo porei dentro deles; tirarei da sua carne o coração de pedra e lhes darei coração de carne” (Ez 11.19); lemos também no livro de Atos dos Apóstolos, acerca de Lídia, que “o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia” (At 16.14b). Em suma, o que estas passagens ensinam é que Deus faz todo o trabalho em nos conduzir a Ele. Como Jesus afirmou: “Ninguém pode vir a mim se o Pai, que me enviou, não o trouxer” (Jo 6.44a). Somos transformados pela ação sobrenatural do Espírito Santo de Deus, para que nós, que estávamos distantes de Deus e, por ocasião do pecado éramos “inimigos” (Rm 5.10; Tg 4.4; Cl 1.21) e “filhos da ira” (Ef 2.3); que não queríamos um relacionamento com Deus, mas através da intervenção dEle, operando em nós “tanto o querer como o realizar” (Fp 2.13), passamos a desejá-lo, possamos agora, de posse de uma nova natureza, nos achegar a Deus, escondidos à sombra da cruz, para, assim como Davi, declararmos: “Tudo vem de Ti, e das Tuas mãos To damos” (1 Cr 29.14).

Perceba que Deus predestinou pessoas para serem salvas (Rm 8.29,30; Ef 1.5,11); Ele enviou Seu Filho Unigênito, Jesus Cristo, para morrer em favor destas pessoas, além disso, o Espírito Santo faz esta tão poderosa obra na vida de cada uma destas pessoas, convencendo-as de seus pecados (Jo 16.8), dando-lhes nova vida (Rm 6.4), trazendo-as das trevas para a luz... Ou seja, o preço pago é muito alto! Deus fez tudo isso para que estas pessoas fossem conduzidas a Ele e não falhará em cumprir Seus desígnios.

Podemos, por fim, perceber toda a plenitude da Graça de Deus, ao relembrarmos a extraordinária conversão de Saulo. Aqui temos um homem cujo objetivo era tão somente acabar com o cristianismo, mesmo que para isso tivesse que assassinar tantos cristãos quanto necessário. Em Atos 9.1 está escrito que ele respirava “ameaças e morte contra os discípulos do Senhor”. Em Atos 7.58, vemos Saulo presente no apedrejamento de um cristão chamado Estevão e no capítulo 8, versículo 1, lemos: “E Saulo consentia na sua morte”. Saulo, já convertido, mais tarde fala sobre as atrocidades que havia cometido, inclusive no caso de Estevão: “Eu disse: Senhor, eles bem sabem que eu encerrava em prisão e, nas sinagogas, açoitava os que criam em Ti. Quando se derramava o sangue de Estevão, Tua testemunha, eu também estava presente, consentia nisso e até guardei as vestes dos que o matavam” (At 22.19,20). Como poderia tal homem render-se aos pés de Jesus? Somente por meio da Graça de Deus!

Certo dia, Saulo, tendo voluntariamente pedido autorização para prender os cristãos que encontrasse (At 9.1,2), viajou para a cidade de Damasco e, no meio do caminho, teve um encontro que mudou totalmente a sua vida; ele encontrou-se com a Graça Espetacular de Jesus Cristo. Saulo ouviu o “doce som” da voz do Mestre (At 9.4) e, dali em diante, tornou-se o Apóstolo Paulo, maior evangelista da igreja cristã e responsável pela maior parte das cartas que compõem o Novo Testamento. De perseguidor a perseguido; de alguém que aprisionava cristãos a aprisionado por amor a Cristo; aquele que ameaçava os discípulos, podia agora entregar a própria vida por eles. Quem pode trazer tamanha transformação a vida de alguém? Somente a Graça do Senhor! Saulo buscava esta transformação? Era desejo dele encontrar-se com o Cristo? Não, foi a Graça que o encontrou! Que Graça Espetacular!

“Não fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros e vos designei para que vades e deis frutos, e o vosso fruto permaneça” (Jo 15.16a)

“Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna” (At 13.48)

“Pois quem jamais resistiu à Sua vontade?” (Rm 9.19b).

DEle recebemos a Salvação, por meio dEle somos transformados, para habitar com Ele no celeste porvir... “porque dEle, e por meio dEle, e para Ele são todas as coisas. A Ele, pois, a glória eternamente amém” (Rm 11.36).


Soli Deo Gloria

Nelson Ávila, 29 de maio de 2010.

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* Amazing Grace: Canção tradicional, com letra e música de John Newton (1725 – 1807). No epitáfio de Newton, escrito por ele mesmo, lia-se: “John Newton, caixeiro. Uma vez infiel e libertino, traficante de escravos na África, mas que pela rica misericórdia de Nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo, foi restaurado, perdoado e nomeado para pregar o Evangelho (...)”.


** Irresistible Grace é o quarto dos cinco pontos de Dort, conhecidos popularmente como: os 5 pontos calvinistas [T.U.L.I.P.].


*** Salvação Graciosa (Wm. A. Ogdem – S. L. Ginsburg) – Hino de nº 198 do Hinário “Novo Cântico” da Igreja Presbiteriana do Brasil (I.P.B.).


¹ The Christian Life: A Doctrinal Introduction, Carlisle, Pennsylvania: The Banner of Truth Trust, 1997 (original: 1981), p. 34. Citado por Vincent Cheung em Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo: Arte Editorial, 2008, p. 296.


² CHEUNG, Vincent, Introdução à Teologia Sistemática, São Paulo: Arte Editorial, 2008, p. 297.


³ Idem.



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