Constantemente ouvimos pessoas em diversas religiões (e denominações evangélicas também) dizerem: Jesus não condenaria a perdição alguém que nunca “escutou o evangelho”, Deus sempre dá uma “chance para todos os homens aceitá-Lo” ou, seria injustiça condenar alguém que “não teve uma oportunidade”. Mas todas essas frases no seu âmago trazem um senso elevado de humanismo secular, algo que sempre buscará os interesses do próprio homem e não a justiça elevada e indizível de Deus, pois o que geralmente se tem como popular hoje não é verdadeiro, bíblico e teocêntrico.
Mas e aqueles que nunca ouviram, perecerão? Sobre esse assunto existem algumas correntes teológicas que atuam com argumentos diferentes*. São pensamentos prevalecentes hoje no mundo evangélico, entre as mais populares estão elas:
O exclusivismo ou particularismo. Defende a idéia que Cristo tem que ser pregado aos povos mais distantes e deve-se crer no evangelho, do contrario perecerão. Deus salva apenas no cristianismo
(solus cristus), através da pregação da palavra (sola scriptura).
O inclusivismo. Alguém pode ser salvo através de Cristo, mas não unicamente pelo seu evangelho. A revelação geral, anjos, sonhos, uma experiência mística profunda, se encarregarão de fazer tal obra missionária. Deus salva em (não através de) outras religiões.
O pluralismo. As religiões trazem algo essencial que precisa ser valorizado, pois é a essa essência comum entre todas que as tornam um canal da mensagem salvadora em si. Esse pensamento expressa bem a famosa frase: todos os caminhos levam a Deus.
No mundo pós-moderno a dificuldade em se defender a singularidade de Cristo e do cristianismo é cada vez mais intensa. Os discursos mais comuns favorecem a flexibilidade da mensagem cristã e a suavização do seu ofensivo testemunho sobre conceitos humanos. O pluralismo foi implantado sorrateiramente no meio da igreja. E hoje é taxado de arrogante, todo aquele que professa a salvação exclusivamente em Cristo.
O pluralismo é o retrato do homem moderno com tudo o que lhe agrada. O fato é que a diversidade da religião tem que ser adaptada de alguma forma a realidade do homem. Existem grandiosas promessas de bem estar no pensamento pluralista, pois dizer que o cristão é o único agente da mensagem salvadora é uma afronta para a liberdade de opinião e uma agressão à respeitabilidade de outras culturas, povos e tradições milenares. Cada religião tem algo em comum. Se forem fiéis e sinceras ao seu sistema filosófico sobre o ser divino, então encontrarão salvação (seja ela o que for).
O budista, o mulçumano, o hindu, o feiticeiro e etc estão todos corretos, há algo que os une. A diferença doutrinaria é irrelevante. O missionário pluralista tem que dialogar com o adepto do vodu, não invadindo a realidade de sua religião, não dizendo que “... há um só Deus, e um só mediador entre Deus e os homens, Jesus Cristo homem.(Tm 2.5)", mas vendo as semelhanças e desprezando as diferenças.
Mas o que se esquece (propositalmente, acredito) é que as religiões embora tenham semelhanças (pelo menos superficialmente), não são iguais em sua mensagem central, a salvação. Alguma dessas deve estar correta, não há opções. Por exemplo: o judaísmo, o islamismo e o cristianismo defendem ferrenhamente seus dogmas sobre a salvação. Embora acreditem em um só Deus, isso não as torna correta em todos os outros pontos; o judaísmo crê que Cristo não salva, o islamismo acredita que somente Alá é o Senhor e Maomé seu profeta e que para ser salvo tem que ser mulçumano seguindo os ensinamentos do alcorão, porém o cristianismo diz que: só Jesus é o caminho verdade e a vida, Ele é a porta das ovelhas e todos os outros são ladrões e salteadores e em nenhum outro há salvação, porque também debaixo do céu nenhum outro nome há, dado entre os homens, pelo qual devamos ser salvos.
. Como as três podem ser instrumentos de salvação, se elas defendem conceitos totalmente excludentes? Alguma dessas tem que estar dizendo a verdade. Isso sem falar que as duas primeiras abominam a trindade. Se não há consenso nem entre religiões monoteístas, quanto mais nas que são politeístas.
Há aqueles que desejam ainda defender a singularidade de Cristo, a superioridade do cristianismo e crêem na revelação geral e especial de Deus aos homens. Contudo repensam seus ideais sobre a transmissão desse cristianismo, a ponto de redefinirem os preceitos do evangelho (o “ide”, por exemplo), para serem mais “flexíveis” com a realidade do mundo moderno. Esse é o caso do inclusivismo. Atestam como argumento, que como algumas pessoas de religiões pagãs possuem algum tipo de “comportamento cristão” às vezes, então existe ali uma fé implícita. De uma forma misteriosa, houve alguma espécie de evangelização desconhecida ali. E o missionário trabalha para tornar aquela fé em algo explicito, mais visível e mais cristianizado. Alguns observam pessoas de caráter exemplar como Gandhi, Francisco de Assis, Madre Tereza de Calcutá e etc, para deduzir que a salvação exclui (ou pelo menos em parte) a obediência de algumas doutrinas bíblicas.
A salvação, no pensamento do inclusivismo enfatiza mais o elemento ontológico e subjetivo em detrimento da epistemologia, não há equilíbrio de ambos os pesos na visão inclusivista. Alguém pode ter uma fé subjetiva sem um meio objetivo(a bíblia) para sustentá-la e guiá-la, ser um cristão anônimo sem saber disso, e ser um salvo de alguma forma enquanto é um idolatra(Tereza de Calcutá) ou um
animista- reencarnacionista(Gandhi), não há problemas, é evidência de fé, então excluamos o elementos morais e doutrinários que a bíblia exige. Geralmente você verá alguns desses citando exemplos de personagens da bíblia: Melquisedeque, o povo Judeu na antiga aliança(antes da Encarnação de Cristo) que eram salvos.
O que existe no pensamento exclusivista na verdade é uma boa vontade pelos que nunca ouviram o evangelho(e isso é louvável), um sentimento de compaixão mas infelizmente, sem zelo pelas realidades severas que o evangelho ordena como padrão.
Não existe tal coisa como um hindu-cristão. O inclusivismo é um pluralismo disfarçado, nota-se que grande parte de inclusivistas tornaram-se depois universalistas e por sua vez pluralistas**.
O ideal inclusivista trouxe grandes problemas para agências missionárias que “fecharam as portas”, uma diminuição considerável na quantidade de jovens se colocando ao dispor das missões, o reducionismo da importância da bíblia (revelação especial) no meio dos povos, o dialogo ecumênico mais intenso e uma estatística lamentável da diminuição do testemunho cristão contra o relativismo.
O testemunho da fé judaica no antigo testamento era completamente exclusivista (Ex 9.23;15.11;Dt 6.4-9;Sl 2.10-12), o Senhor era para eles o incomparável, o único Senhor e todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Mas no mundo de hoje não importa a quem se invocar (o importante é que se invoquem a alguém), defender que Ele é o único Salvador e que sua palavra é o meio exclusivo para consumação desse fim (salvação), se tornou em motivo de indignação e discórdia para muitos. A bíblia nos diz que um gentio salvo no A.T tinha que ter as credenciais do mesmo, obedecer os mandamentos (uma revelação especial,especifica e objetiva), ser circuncidado e por aí vai(coisas que Deus desobrigadamente, só entregou ao povo que ele desejou Sl 147.19,20; Dt 7.6,7; 10.15; Am 3.2) contudo não se considerava (na visão bíblica-judaica), um gentio fora da comunidade da aliança como alguém salvo.
A verdade então salta da própria bíblia:
Sem santidade ninguém verá o Senhor. E como ser santo? Jesus diz: Santifica-os na verdade, a tua palavra é a verdade.(Jo 17.17), como alguém pode vir a crer em Cristo(Jo 3.16) ? Ele mesmo responde: E rogo não somente por estes, mas também por aqueles que pela sua palavra hão de crer em mim(Jo 17.20). E isso mostra que o Deus único deseja devoção exclusiva, numa salvação exclusivamente dEle, concluindo, isso ocorrerá através de meios exclusivos que Ele mesmo estabeleceu e que não podem ter sua importância reduzida ou negligenciada.
Mas Deus não deseja a salvação de todas as pessoas (como alguns interpretam erroneamente Jo 3.16; Rm5.15-19; I Tm 2.4; Tt 2.11; II Pedro 3.9)? Se esse é o meio exclusivo e restrito(não é a informação bíblica em si mesma que salva, note bem, ela é o meio e o instrumento para isso) e nem todos tem(e durante muitos séculos não tiveram,como muitos hoje morrem sem ter), então como serão julgados esses “pobres indefesos”? E os pagãos inocentes?
Meu amado não há ninguém inocente nesse mundo pecaminoso(Rm 3.10)! Não há ninguém que não tenha pelo menos uma fagulha de certeza da existência de um Deus(Sl 19.1-4;Rm 1.18-21), Deus não ficou sem testemunho entre os gentios(At. 14.17). Eles estarão perdidos caso não haja missões, é fato.
A salvação é pela graça mediante a fé, mas como haverá fé se não ouvirem a palavra, se Paulo diz que ...a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Cristo (Rm.10.17). Se a palavra de salvação poderia ser misteriosamente absorvida por revelações, pregada por anjos ou efetuada através da revelação geral apenas, por que ele preocupado afirma? Porque: Todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo. Como pois invocarão aquele em quem não creram? e como crerão naquele de quem não ouviram falar(MAS NÃO SE PODE OUVIR FALAR DE FORMA MISTERIOSA A SALVAÇÃO?)? e como ouvirão, se não há quem pregue(E OS ANJOS?)? E como pregarão, se não forem enviados? assim como está escrito: Quão formosos os pés dos que anunciam coisas boas!(Rm 10.13-15). E outra vez: Eu pelo evangelho vos gerei em Cristo Jesus (I Co 4.15).
James Denney tinha razão quando via que o homem moderno( não todos e John Wesley foi um exemplo vivo disso) comumente inventava teorias e ideiais teologicos com o proposito de acariciar sua preguiça e negligencia no evangelismo, e tudo sorreateiramente, de forma bem elaborada filosoficamente.
Categoricamente Denney afirou que: Evangelização é o interesse desinteressado de poucos.
Não adianta adocicar essa realidade tão amarga que a Bíblia e a historia testifica durante séculos: o pagão idólatra, feiticeiro e incrédulo padecerá (se não for evangelizado é claro!), não por que não escutou o evangelho apenas, mas por ser um pecador(Rm 6.23) e por que o conhecimento que ele tem sobre Deus(revelação geral) é distorcido por ele mesmo(Rm 1.18-21;2.14).
Essa era a mensagem dos grandes missionários, o impulso das missões na historia da igreja, a chama do testemunho firme da verdade que foi abandonada por muitos que deveriam defendê-la, a gravação com sangue e esforço missionário que atravessou séculos:
“Foram precisos sete anos de trabalho:
Para que Carey conseguisse batizar o primeiro convertido na Índia.
Para que Judson conquistasse o primeiro discípulo na Birmânia.
Para que Morrison levasse a Cristo o primeiro chinês.
Para que Moffat visse as primeiras evidências da operação do Espírito Santo no local onde trabalhava, na África.
Para que Henry Richards ganhasse o primeiro convertido em Banza Manteka”.
( A. J. Gordon)
Referencias bibliográficas:
PRICE, Donald E. (org), Que será dos que nunca ouviram? São Paulo, Vida Nova, 2000.
SANDERS, John (org), E aqueles que nunca ouviram? Três pontos de vista sobre o destino dos não-evangelizados. Paraná, Aleluia, 1999. 168 p.
RAHNER, Karl. Curso Fundamental da Fé. São Paulo, Edições Paulinas, 1989. 531 p.
RICHARDSON, Don. O Testemunho de Deus Através do Mundo, São Paulo, Vida Nova, 1995. 181 p.
BARTH, Karl. Carta aos Romanos, São Paulo, Novo Século. 1999. 854 p.
CALVINO, João. Romanos, São Paulo, Edições Parakletos, 1997. 523 p.
* Os principais expoentes do Pluralismo são: John Hick, Paul Knitter e Stanley J. Samartha; Exclusivismo/Particularismo: Agostinho, João Calvino, Jonathan Edwards, Donald Carson, John Piper, Ajith Fernando, Ronald Nash; Inclusivismo: Tomás de Aquino, Jacobus Arminius, John Wesley, John Henry Newman, C. S Lewis, Clarck Pinnock e John Sanders; Inclusivismo pessimista: J. I. Packer e Millard Erickson;
Agnósticos quanto ao assunto: John Stott, Harold Netland e Don Richardson.
**Entre esses casos o famoso é o liberal John Hick, que foi ministro na Igreja Anglicana. Cansado com o formalismo enfadonho da mesma, se tornou um cristão da Igreja Presbiteriana da Inglaterra, estudando em Edimburgo também era membro na Christian Union, estudou filosofia e se tornou defensor da fé evangélica conservadora. Após sua peregrinação pessoal, passou a se interessar por uma maior flexibilidade e adaptações da teologia e filosofia ao mundo moderno (God Has Many Names, John Hick. Philadelphia: Westmister Press, 1982. 140 p.). Algo parecido também aconteceu com o “ex-calvinista” Clarck Pinnock.
Evandro C. S. Junior
Fortaleza, 26 de Junho de 2010.