O PERFEITO 1
CORINTIOS 13:10 E A CESSAÇÃO DO CHARISMATA1
SANTOS JUNIOR,
Evandro Carvalho dos (ECS)2
Analisa o texto de 1 Coríntios 13.10 dentro de algumas perspectivas adotadas a respeito do significado de to teleion. Mostra-se com uma perspectiva de equilíbrio após passar pelas visões anteriores dentro do contexto bíblico do texto em questão, da analise histórica-fundacional daquela igreja e do exame exegético requerido pelo tema, apresenta tensões entre as visões, discute-as e promove o desfecho interpretativo. Conclui com uma aplicação pastoral e de relevância eclesial à vida do leitor.
PALAVRAS-CHAVE
To teleion; dons;
cessacionismo; escathon
1 INTRODUÇÃO
Sabendo da
importância que a teologia bíblica possui para determinar o modo de
viver de todo cristão, propomos uma análise das principais
perspectivas sobre o significado de 1 Coríntios 13.10 como um meio
decisivo ao assunto da cessação ou continuação dos carismas.
O texto será
examinado à luz do seu contexto histórico, passando assim a
perceber o que estabeleceu as marcas daquela comunidade coríntia na
qual mais tarde foi advertida por Paulo a respeito de vários
problemas, principalmente dos dons espirituais. Por conseguinte,
observaremos também fatores internos daquela comunidade; sua
teologia e vida moral como um indicativo do seu procedimento
admoestado pelo apóstolo.
Depois disso,
faremos uma exegese cuidadosa, mas não tão diminuta, passeando por
textos anteriores ao capítulo 13, trazendo assim aquela bagagem
contextual necessária para lançar mais esclarecimento do tema que
será tratado.
Por fim, a questão
será vista à luz dos próprios eruditos, firmada sobre o respaldo
de seus próprios conceitos e ponderada de acordo com a maneira mais
natural e com menos problemas possíveis ao texto discutido. Por
isso, o nosso propósito não será expor extensamente a grande
variedade de visões sobre o texto examinado, mas tornar disponível
ao leitor aquelas perspectivas mais adotadas e suas principais
argumentações.
2 O CONTEXTO EM QUE
A CARTA FOI ESCRITA
Como pano de fundo à
carta, a observação de que várias nuanças daquela época dirigia
a práxis da igreja é algo bastante relevante, pois as tendências
morais e filosóficas recebidas por tais cristãos permitia que a
vida da igreja fosse adaptada a essa nova forma grega-cristã de
cultuar ao Senhor.
Encontrar um tema
que padronize de forma exata todo o conteúdo dessa epístola é algo
difícil, pois são vários os problemas relatados nessa comunidade
e diversas questões pendentes de resolução que são tratadas por
Paulo. Todavia, a consideração de William
MacDonald
é importante em frisar que o tema dessa epístola “é corrigir a
igreja mundana e carnal que não leva a sério atitudes, erros e atos
que o apóstolo Paulo considerava alarmante” (2008, p.475), o que é
algo bastante óbvio numa simples leitura dessa epístola.
Prosseguiremos no
exame desses ares que permeava a vida da sociedade anti-Deus na
cidade de Corinto, e a maneira como essa tendência adentrava na
igreja como um todo.
2.1 Um pouco de
história antes
A cidade de Corinto
era um centro comercial muito importante na época em que o apóstolo
Paulo fundou ali uma igreja cristã. Sendo cosmopolita de governo
romano, com cultura grega clássica, Corinto experimentava de alto
prestígio como uma cidade que conseguiu ser reerguida um século
mais tarde, após ter sido “destruída pelo romano L. Mummius
Archaicus, em 146 a.C.” (MORRIS, 1981, p. 11).
Por isso, quando
prosseguimos em descobrir os motivos de tão elevada importância no
século I, percebemos que sua localidade era também fundamental para
gozar de um avanço econômico bastante almejado.
Porque era uma
cidade portuária e próxima a Acaia, Corinto “ficava 80 km a
sudoeste de Antenas, perto do istmo que junta a Ática ao
Peloponeso.”( Bíblia
de Estudo de Genebra,1999, p.1298); isso se tornou importante mais
tarde, pois
com todo esse favorecimento geográfico, Corinto recebia embarcações,
hospedava muitos visitantes e interagia também de maneira
multicultural com seus hóspedes.
Assim, uma cidade em
fervente desenvolvimento cultural e econômico, e com o mesmo
histórico de reerguimento que essa possuía, fazia com que na
mentalidade de todo aquele nascido em suas dependências fosse
formado um alto padrão de si mesmo.
2.2 A moralidade
coríntia
Como as
circunstâncias em Corinto favorecia certa pluralidade de raças e
relacionamentos com estrangeiros, não seria de admirar que as marcas
de uma sociedade de tão alta classe do século I não influenciasse
também a moral de sua época.
Assim, todas
aquelas disposições culturais e políticas em sua localidade
impactou profundamente o exercício da religião coríntia, pois não
excluía a possibilidade de interagir religiosamente com a poligamia
de estrangeiros e incrementar muitos elementos, como orgias e
transes, por exemplo, em seus cultos de mistério.
William Barclay
explica de maneira bem específica essa situação em que:
acima do istimo ...
elevava-se o monte do Acrópole, e sobre este ficava o grande templo
de Afrodite, deusa do amor. Ligados a este templo estavam mil
sacerdotisas, prostitutas sagradas, e ao anoitecer elas desciam do
Acrópole e vendiam-se nas ruas de Corinto, até que se tornou um
verbo grego: “Não é todo homem que pode sustentar uma viagem a
Corinto”.(apud
MACARTHUR
JR., 2002, p. 104)
Dessa maneira, as
diversas marcas pagãs eram penetradas no âmago da comunidade, tanto
no ramo do pensar e sua admiração quase idolátrica à filosofia
pagã (1 Co 1.19,23,26-27), quanto em seu ascetismo e libertinagem
como expressada nas admoestações do apostolo Paulo (1 Co 7.1;
6.15-16).
Portanto, o contexto
complicado desta cidade, aparentemente, mostra-se árido para o
inicio de uma missão apostólica, mas este era o desafio de Paulo.
2.2 O CONTEXTO
TEOLÓGICO
Com todo esse
aparato de dificuldades, Paulo não se mostrou tímido ao
anunciar-lhes o Evangelho de Cristo; pelo contrário, após uma
experiência de rejeição em Atenas (At.17.32), logo partiu para
Corinto (At. 18.1).
Assim, em
prosseguimento ao seu objetivo missionário, Paulo se estabelece
nesta cidade e permanece hospedado com Priscila e Áquila (At.
18.2-3); em Corinto o apóstolo anuncia o evangelho e consolida
àquela comunidade recém-formada durante dezoito meses, por volta do
ano 55 d.C.
Como vimos antes, o
contexto histórico-cultural em que a cidade estava inserida requeria
que Paulo fosse mais energético com eles possivelmente interagindo
menos com a filosofia hodierna do que quando fizera com os atenienses
outrora (At.17.28 cf. 1 Co. 2.1-5). Todavia, após se converterem ao
Senhor como esses cristãos vão conviver na ética do Reino? E como
as religiões de mistério, com toda disposição lasciva que
aquela sociedade possuía seria desarraigada daqueles novos crentes?
Com todas essas
questões pendentes, Paulo trata desses assuntos de maneira bem
específica. Isso acontece baseado no relato que ele recebeu pelos
da casa de Cloe
(1 Co.1.11) e por uma carta recebida (1 Co. 7.1,25; 8.1;12.1;16.1 )
com muitos questionamentos relacionados à casamento, divórcio e
novo casamento; liberdade cristã, santa ceia, dons espirituais,
culto, ressurreição e coleta dos santos.
Dessa forma
percebemos que a epístola aos coríntios vem com uma bagagem de
problemas relacionados à situação anterior, quando eram pagãos.
Logo, quando Paulo trata das questões dessa igreja, ele o faz
sabendo que aquela cidade tinha imprimido um mundo de paganismo
religioso na mente daqueles conversos.
Por isso, quando
avançamos em nosso exame dos dons espirituais nesta epístola temos
que estar sensíveis aos apelos contemporâneos da cidade coríntia,
pois a maneira que esta igreja via os assuntos relacionados à fé
mostrava-se, também, como um espelho da religião mística, do culto
ao transe e da má compreensão do propósito real desses dons.
3 PROBLEMAS
RELACIONADOS AO USO DOS DONS
A igreja de Corinto
carregava ainda consigo tendências de soberba em relação à quase
tudo que fazia, até mesmo diante de pecados cometidos no seio
daquela comunidade, eles não mantinham o senso de humildade e
vergonha necessária para reverter tal situação (1 Co 5.6). Por
conseguinte, não foi diferente quando se tratava dos dons
espirituais, se havia soberba até diante de pecados conhecidos
naquela igreja, quanto mais em relação àquilo que Deus outorgara
como uma expressão do poder do Espirito Santo.
Assim, Paulo trata
dos dons espirituais do capitulo 12 ao14 mostrando qual é o
verdadeiro propósito destes, a maneira que deveriam ser corretamente
utilizados naquela comunidade e prossegue sua argumentação
observando que há um caminho melhor, permanente e mais relevante que
àqueles dons em discussão.
Com isso em vista, a
epístola de Paulo aos coríntios se tornou mais conhecida nos
círculos evangélicos recentes por causa desta questão carismática;
e, como o assunto dos dons é algo bastante enfatizado em nosso
tempo, consideramos que os problemas da igreja de corinto devem ser
tratados com muita relevância para refrear os exageros ou
reconsiderar a importância de tais dons a alguma faceta da igreja de
Cristo.
Sendo assim, devemos
considerar por certo que o desenvolvimento do debate carismático
permanecerá durante muito tempo, e haverá versículos centrais para
o apoio e/ou defesa de tal controversa.
Quanto a um texto
muito utilizado nesse debate (1Co 13.8-13), caminharemos para sua
análise, pois já que é um tema muito contemporâneo, e de muita
importância, nos debruçaremos deleitosamente nesta questão. Por
isso, faremos à medida que o assunto demandar objetividade e
especificidade teológica.
3.1 Quanto ao seu
propósito na igreja local (1 CORINTIOS 12 e 14)
Ao iniciar um novo
assunto, Paulo se dirige aos coríntios com um tom de resposta a
alguma pergunta emitida anteriormente por esses crentes; assim, a
respeito dos dons espirituais (12.1),
traz a ideia de um novo assunto que o apóstolo tratará a seguir.
Esse novo assunto se
relaciona mais especificamente a maneira que aqueles congregados
deveriam tratar com os dons do Espírito, não como ignorantes
(12.2), pois sua situação agora era incomparavelmente superior
àquela que possuíam quando eram pagãos.
Ademais, essa
ignorância deveria ser evitada quanto ao que era definido como
conteúdo do dom exercido (12.3), a cautela em se perceber a doutrina
trazida por determinada manifestação pneumática requeria exame, e
não uma aceitação indiscriminada. Ainda assim, a importância
requerida a esses dons deveria ser mantida, pois estava ligada
diretamente a distribuição soberana do Espirito e da Trindade
(12.4-6,11).
Prosseguindo em sua
argumentação, Paulo ilustra a necessidade de todos
os dons utilizando o corpo como um exemplo da união necessária para
o equilíbrio do exercício de tais dons que Deus tinha concedido
àquele povo, pois eles foram batizados com o Espírito nesta
unidade, isto é, no corpo de Cristo (12.12,13).
Assim, não haveria
necessidade de alguém ser um corpo de apenas “um membro”, mas a
ação do Espirito na comunidade requeria que fosse reconhecido a
importância de cada dom, pois nem todo eram apóstolos; nem todo
mundo era profeta; todos não eram mestres; operadores de milagres
não era algo para todos os crentes; assim como os dons de curar,
todos não os possuía (12.29).
Por isso, após
fazer uma série de perguntas retóricas, Paulo explica a sequência
do que seria a urgência real daquele povo, e, reverte a lista dos
coríntios expondo (em graus de importância) o que deveria ser
valorizado entre eles, porque “a
uns estabeleceu Deus na igreja, primeiramente,
apóstolos; em segundo
lugar, profetas; em terceiro
lugar, mestres”(12.28a
cf.
Ef. 4.11), o
grau de importância é muito notório, pois esses dons estão
relacionados a palavra; suas funções primárias eram de trazer
edificação ao corpo.
Logo, ele mostra que
outros dons são necessários também, porque Deus ainda concedeu
“depois,
operadores de milagres; depois,
dons de curar, socorros, governos, variedades de línguas.”(12.28b).
Por conseguinte, o pensamento correto sobre esses carismas era de que
deveriam ser buscados alguns quanto a sua importância, não por
exclusividade; assim, os coríntios não deveriam tratar o dom como
um fim em si mesmo, mas como um meio para a edificação do Corpo,
pois o carisma
é de caráter transitório e sua brevidade aponta para algo perene
(12.31).
3.2 Quanto aos
visitantes
Paulo centraliza
mais ainda a necessidade de edificação quanto ao dom de profecia
(14.1), pois esse dom beneficia o corpo.
Com profecia, não
queremos dizer necessariamente pregação, embora tivesse alguma
correspondência a esta; profecia, segundo o entendimento paulino no
capítulo 14 “não é a transmissão de um sermão preparado
cuidadosamente, mas a elocução de palavras diretamente inspiradas
por Deus” (MORRIS, 1981, p. 153), ainda envolvia certa dose de
“improviso organizado” como algo comum nessas manifestações
(14.23); não extático (1 Co. 14.32) e também constituía –se um
sinal para os crentes e incrédulos (1Co. 14.22, 24-25).
Nestes termos, o dom
de profecia deveria ser realizado em primazia na igreja e em uso
posterior (menos importante, mas não desnecessário) o dom de
línguas. Entretanto, os coríntios estavam enfatizando exatamente
aquele dom que não trazia edificação à igreja, assim, Paulo
adverte esses cristãos através do exame da natureza do dom de
línguas em contraste à profecia (1 Co. 14.1-19); é importante
observar que Paulo não exclui a necessidade do dom de línguas ser
exercitado (1 Co 14.39), mas apenas considera os níveis de
importância para a edificação do corpo.
4 UM CAMINHO MELHOR
As definições a
respeito do que são os dons espirituais e qual propósito destes
fizeram-se necessário, pois, como havia supervalorização dos dons
menos importantes, o caráter de duração desses também foi
trabalhado por Paulo no capítulo 13.
Ademais, assim como
havia dons mais importantes que outros, existia também um caráter
de brevidade em cada um deles; Paulo contrasta agora os dons mais
valorizados pelos coríntios com a perenidade do amor.
Ao iniciar sua
argumentação concernente à brevidade dos dons, o apóstolo faz
antes uma série de comparações sobre a importância do amor e a
relativa inutilidade dos dons não realizados em consonância com
este; os carismas por si mesmos não tem valor algum sem o amor
(13.1-3), esse foi o argumento chave de Paulo.
Depois de expor no
capítulo 12 a importância dos dons para o corpo, Paulo agora dá
definições do que é o amor (13.4-7), e isso ele faz com afirmações
positivas: o amor
é paciente,
é
benigno (13.6,7); ou, seja, antes definir o que o amor não
é
primeiramente (1 Co. 13.4-6), Paulo fala do que ele é
antes de tudo.
Isso reverbera bem a
sua proposta de que esse era “um
caminho sobremodo excelente”
(1Co.12.31 b), pois o que poderia ser maior do que os dons outorgados
poderosamente pelo Espírito? Não seria a atuação carismática um
sinal de que a perfeição já é chegada? Como, pois, vislumbraremos
algo mais precioso do que a atuação pneumática no culto ao ponto
de nos submetermos a outra coisa? Essas eram questões que
possivelmente eram levantadas pelos coríntios e, com não muita
diferença, é levantada hoje também.
Essa era a fraqueza
daqueles crentes: a utilização dos dons sem o amor, o que
significava algo muito sério, e que deveria ser corrigido, pois, de
maneira contrária, aquela situação permaneceria devido à
insensibilidade dos coríntios; não importava quão grandes pecados
aquela igreja possuía se houvesse manifestações carismáticas (até
mesmo genuínas) em seu culto, isso seria um sinal da aprovação de
Deus.
Como Chantry bem
endossou:
“ Acaso há
conduta vergonhosa, exaltação dos homens, presença do pecado,
ausência da verdade? Se for assim, então a tais reuniões falta
amor. Não importa quais sejam os dons presentes, falta o essencial.
Apesar da presença espetacular de manifestações portentosas, a
reunião ou pessoas sem amor se caracteriza pelo fracasso.”
(CHANTRY,1996, p. 52)
Assim, torna-se
evidente os problemas que aqueles cristãos possuíam, logo, toda
inclinação referente a alguma atitude triunfalista mesclada à
utilização de tais dons, foi corrigida por Paulo através de uma
pregação “constrangedora” do que é agir em amor: sofrer,
esperar e suporta r (13.7), porém tudo isso era um fardo para eles.
5. O CARÁTER
PASSAGEIRO DOS DONS
Como compartimento
necessário à sua argumentação, Paulo depois de ter falado sobre a
inferioridade dos dons em relação ao amor, agora discorre a
respeito da brevidade (13. 8-10) do que era mais valorizado por
aquela comunidade.
“O amor jamais
acaba” (13.8), constituía-se em uma afirmação bem mais rigorosa
do que apenas falar que o amor
é sobremodo excelente
(12.31), pois requeria um contraste agora relacionado à maneira
passageira que Paulo via esses dons, ou seja, aqueles crentes não
deveriam se apegar além do que era necessário àquilo que passaria.
Porque o amor não
acaba, com os dons acontecerá o contrário, eles terão fim; toda a
sua utilização e o conhecimento que este produzia era parcial
(13.9), haveria um estado de perfeição que suplantará eternamente
aquela imparcialidade de conhecimento que os dons mediavam: o
perfeito (13.10).
6. QUANDO VIER O QUE
É PERFEITO
A vinda do perfeito
(gr. to
teleion)
é um ponto crux
nesta perícope (13.8-12), porque a questão principal antes de
definir o “que é” esse perfeito, é tê-los como algo perene e
superior em relação aqueles elementos incompletos (profecias,
línguas e ciência), e demostrar qual é o seu papel fundamental na
concepção do apóstolo.
Com papel principal,
queremos dizer que o teleion
representava
um evento fatídico, na história, em que finalizaria àquelas
manifestações carismáticas.
Porque Paulo
realmente via que “era um sinal de imaturidade quando os crentes
coríntios tratavam os dons do Espírito como revestidos de
significação final” ( Bíblia
de Estudo de Genebra,1999, p.1362), a perfeição para eles eram
aquelas evidencias carismáticas, o que Paulo considera como algo
impossível.
Esse
elemento escatológico obsessivo era bem comuns daqueles crentes, a
ponto que Paulo ironiza do seu pressuposto que o reino futuro já se
fazia presente entre eles (13.8), mais à frente o apóstolo faz uma
exposição sobre eventos associados a parousia,
como a ressurreição, e corrige qualquer escatologia triunfalista
que eles amadureceram tão rapidamente.
Que
havia certa medida de escatologia mesclada ao fator carismático,
Paulo reconhecia muito bem (1.4-8), mas a questão crucial era como
manter saudável essa expectativa escatológica associada a uma
correta utilização dos dons para a edificação do corpo; ou, seja,
o perfeito tornará obsoleto os dons mencionados no versículo 8
(profecias, línguas e ciência), ele faz isso de maneira incisiva
ensinando, inclusive, a cessação desses dons.
Entretanto, não
podemos imaginar que ele dizia que a ciência (conhecimento) acabará,
pois o versículo 8 trata de dons (línguas e profecia), e ciência
aqui nesse texto diz respeito ao dom de conhecimento (12.8), esse é
o contexto, pois usar profecias, línguas e ciência como algo mais
geral é inconcebível, assim como “pensar que ao conhecimento, a
linguagem e a verdade teriam de desaparecer no sentido absoluto da
palavra” (CHANTRY,1996, p. 53)
parece
ser algo estranho ao texto.
Tendo isso em vista,
do que se trata o perfeito, ou, melhor dizendo, o que o teleion?
Com esse pano de
fundo temos diante de nós um importante fator para analisar o
perfeito do versículo 10, sim, porque assumindo a identidade do
perfeito podemos ter uma ideia basilar a respeito da continuação ou
cessação desses dons, o que é alvo de grande debate.
Analisaremos aqui
três principais perspectivas do “perfeito”, poderia se colocada
sob exame mais uma gama de interpretações possíveis, mas em nível
de acesso apenas essas três serão abordadas.
6.3 O PERFEITO COMO
SENDO O FECHAMENTO DO CÂNON
Essa é uma
perspectiva bem comum em círculos reformados e dispensacionalistas,
pois, segundo essa posição, esses dons (profecias, ciência,
línguas e outros revelacionais) chegariam ao fim com o fechamento do
cânon do Novo Testamento, esse pensamento permeia toda argumentação
do capítulo 13.
Assim, quando o
versículo 9 diz que esses dons são realizados “em parte” (ek
merous),
é correspondente a afirmativa de que a vontade autoritativa e
revelacional de Deus acontece apenas parcialmente.
Visto que o Novo
Testamento (a revelação completa) não tinha sido completado; dessa
maneira, a progressão do pensamento requer que o versículo 10 tenha
um contraste “revelacional”, com o perfeito, para, então, se
chegar a conclusão de Chantry que “o que realmente Paulo afirma é
que “quando vier o que é suficiente, o inadequado e parcial
desaparecerá”, porque a maturação requerida no versículo 11
aponta para o amadurecimento da revelação canônica, por isso “as
línguas cessarão e o conhecimento se acabará no momento que o Novo
Testamento for completado” (CHANTRY,1996, p. 54).
Por conseguinte, o
pensamento dominante permanece sob o escopo maior em rumo a
canonicidade Bíblica, assim a afirmação do versículo 12 de “ver
face a face, constitui-se da mesma forma em uma metáfora,
significando simplesmente ter a falta de clareza devido à revelação
limitada removida” (COMPTON, 2004, p. 100).
Como essa construção
teológica mantem uma forte ênfase na palavra “teleion”
relacionada ao amadurecimento revelacional, também, esta, reafirma
uma larga rejeição a alguma relação desse perfeito com algum
fator escatológico devido a implicações que gerariam dessa
correlação.
Esboçando muito bem
essa perspectiva, Josafá Vasconcelos (1998, p. 37) relaciona sua
análise do versículo 12 como relacionados diretamente aos
versículos seguintes (11 e 12), assim indaga que “não sei porque
a palavra “teleion”
não pode ser metáfora também”, nota-se aqui uma ênfase ao fato
da palavra ser um gênero neutro, e, como tal, deve ser considerada
como algo
(um evento/fechamento do cânon?), não como a vinda de alguém
(Cristo); ainda nesse raciocínio, a conclusão que se chega é
“porque tem que ser Deus ou a face de Deus, ou o céu, e não o que
, pelo contexto, parece realmente ser,
aperfeiçoamento do conhecimento genuíno.”
Assim a visão
canônica do teleion
requer um desenvolvimento de raciocínio mais moderno sobre a
canonicidade do que os coríntios do primeiro século possuíam. Essa
visão permanece progredindo em suas implicações, juntando as
peças, e verificando que muitas delas realmente se encaixam muito
bem, embora alguns itens “não encaixáveis” ainda permaneçam
negligenciados.
6.3.1 Pontos fortes
e fracos
Em primeiro lugar, a
visão canônica do “perfeito” é bem honesta em perceber o claro
contraste que existe no texto em questão; com isso queremos dizer
que realmente existe uma linguagem mostrando o “perfeito” como
contrário ao que é em parte (13.9-10), a maturidade como
contrastando à maturidade (13.11) e o conhecimento parcial e
obscuro como algo que será suplantado pela nitidez do que “veremos
face a face” (13.12). Isso é algo notável, pois reconhecer que
esse contexto é algo necessário para se chegar a uma conclusão
coerentemente (logicamente) desejada é algo bem mais indicado do que
permanecer apenas no versículo 10 e depois passear por toda a bíblia
procurando a próxima palavra “perfeito” para encaixá-la no
pensamento; o contexto é levado em consideração como exemplo de
respeito à uma exegese amadurecida.
Todavia o que
poderia ser sinônimo de uma conclusão precisa mostra-se com uma
interpretação já viciada do texto em si; sim, porque embora seus
caminhos rumo a uma coesão da perícope ande em bom termo,
entretanto, sua conclusão é imposta, pois o texto requer
necessariamente
maturidade revelacional? É importante observar que o capítulo não
está tratando apenas
de conhecimento, mas também do amor (13.1-8 b) e da maturidade como
Paulo falava comumente nesta epístola (13.8 cf. 14.20), porque,
então, não poderia ser uma dessas duas possibilidades?
Embora as respostas
sejam dadas, como se Paulo estivesse falando simplesmente de um
conhecimento futuro, no entanto, isso demanda na práxis
da argumentação que o apóstolo falava realmente de conhecimento
canônico pós-apostólico, o que acaba em anacronismo (levando Paulo
a ver a história assim como a temos plenamente hoje).
Mas, se finalmente
Paulo falava de cânon, de forma não consciente disso, parece ser
muito difícil pensar que ele falava convictamente de algo misterioso
para que seu povo entendesse a advertência misteriosa e fossem
corrigidos com algo que nem Paulo, nem eles mesmos sabiam do que se
trava. Todavia, a exegese requer que o leitor original da carta
entenda (pelo menos em primeira instancia) aquilo que lhes é
endereçado.
Em segundo lugar, a
exegese da perspectiva canônica permanece cuidadosa em perceber
detalhes necessários como a realidade de teleion
ser um gênero neutro, o que indica a chegada de um evento, não de
uma pessoa; isso é importante porque por vezes nos deparamos com a
concepção de que aquele perfeito é Cristo sem examinar
corretamente a palavra grega, ou por uma associação hermenêutica
popular que é dada àquele versículo.
Portanto ao se dizer
que o “perfeito” ali é o cânon alguns mares interpretativos
foram atravessados com muita paciência, não é prudente
simplesmente renunciar essa possibilidade por ser ela incomum em
nosso tempo, pois tem seus fundamentos; o fator que impulsiona essa
explicação do cânon merece o mérito que possui, na aceitação
dominante no século XIX ou XX, porque mantem em grande estima a
importância da Bíblia, e isso é elogiável; ao ser considerado
como algo “perfeito” diante dos homens, a afirmação requer o
mais alto padrão de autoridade.
Porém, é
inconcebível que to
teleion
signifique conhecimento canônico futuro, porque não há como
dissociar o elemento pneumatológico ali discutido com a questão
escatológica já esboçada no texto de 1 Co.1.7 em que Paulo
reconhece que aquela igreja era tão abençoada com aqueles carismas
que “ de maneira que não vos falte nenhum dom, aguardando vós a
revelação de nosso Senhor Jesus Cristo”; deve haver algo que
justifique que Paulo não está reverberando o que dissera
anteriormente, antes Paulo falava dos dons relacionados à
expectativa escatológica como um incentivo e fortalecimento ao
progresso e perseverança daqueles irmãos (1 Co.8).
Agora, no capítulo
13, ele retoma o assunto, porém de maneira solene como uma exortação
de que essa expectativa escatológica aponta para um evento que porá
fim àqueles dons como formas imperfeitas de adquirir conhecimento.
Grudem explica muito
bem essa relação de ambas as passagens afirmando que Paulo:
[...] relaciona a
posse dos dons espirituais e a situação deles na história da
redenção (aguardando o retorno de Cristo), dando entender que os
dons são dados à igreja para o período entre e ascensão de Cristo
e sua volta. De maneira semelhante, Paulo olha adiante para o empo da
volta de Cristo e diz “quando, porém, vier que é perfeito, então
o que é em parte será aniquilado” (1Co13.10), dando a entender
também que esses dons “imperfeitos” (mencionados nos v.8-9)
estarão em operação até a volta de Cristo, ocasião em que serão
superados por algo muito maior.” (GRUDEM, 1999, p.861)
Dessa maneira, não
devemos dizer que isso seria apenas um incentivo pneumático e
escatológico somente aplicado à situação daquela igreja coríntia,
pois o texto transcende em sua aplicabilidade católica (cf. 1 Co
1.8,9).
Ademais, a
asseveração de que Paulo está falando no versículo 12 (face a
face) apenas
em tom de contraste, demonstra um reducionismo da intenção
escatológica que apóstolo vinha argumentando anteriormente, pois é
necessário um referente maior que conduza ao esclarecimento do que
era obscurecido como um espelho (v.12a), a visão esclarecida virá
de maneira pessoal (retorno de Cristo) e a clareza que isso trará é
uma derivação desse fator maior.
Afirmamos isso
porque não seria incorreto divorciar essa linguagem de Paulo de toda
aquela bagagem no Antigo Testamento em que “face a face” tem o
significado de “olhar para Deus em pessoa [...]”, por isso
observamos que com muita naturalidade isso acontecia na linguagem
judaica: “ veja, por exemplo, Gênesis 32.30 e Juízes 6.22
(exatamente a mesma expressão em grego de 1 Co 13.12)” (GRUDEM,
2001, p.253).
Além disso, o fato
de to
teleion
“representar um adjetivo neutro articular”, não implica que não
possa significar também a vinda de alguém
(não
de algo),
já que, também, a palavra pode “funcionar como um substantivo e
traduzida como "perfeito" ou "o que é perfeito"
(COMPTON, 2004, p. 100), por isso, embora seja verdade a afirmação
exegética de “perfeito” como um adjetivo neutro, não podemos
ser dogmáticos quanto a oscilação da funcionalidade que essa
palavra tem no grego, como a visão do cânon geralmente faz.
Dessa maneira,
devemos admitir que a visão do cânon exige algo a mais do que o
apóstolo pretendia àqueles leitores originais.
6.4 O PERFEITO COMO
SENDO O AMADURECIMENTO DA IGREJA
A visão do
“perfeito” como o amadurecimento da igreja é amplamente
defendida hoje também, visto que a alternativa anterior tem se
mostrado insuficiente em suas argumentações algumas vezes, há uma
busca pelo sentido do “perfeito” em caminhos da linguagem de
imaturidade versus
maturidade.
Essa perspectiva
afirma que a “perfeição” equivale aquele estado no qual a
igreja alcança plena maturidade espiritual.
Nesse pensamento, a
linguagem de 1 Co 13.8-13 é vista como um processo de imaturidade á
maturidade, envolvida a isso a ideia de que conhecemos ek
merous (em
parte) é um conhecimento não completo, como uma derivação
revelacional que aquela igreja imatura tinha; assim, quando
eu era menino
(v.11), indica imaturidade rumo á edificação completa, por isso “
1 Coríntios 13 revela mais claramente o propósito paulino do v.11”
porque “ele entende um constante crescimento no processo do corpo
de Cristo e uma realização gradual de novos graus de maturidade”
(THOMAS, 1974, p. 87), toda essa ideia permeia a interpretação do
perfeito.
Em um contexto
posterior, Paulo adverte aqueles crentes quanto à sua imaturidade
(14.20), apesar de aqui ser utilizada a palavra paidia,
não nepios
(13.11),
o relativo contraste é visível em toda a argumentação paulina
(Ef.4.4-6).
Essa é a
perspectiva afirma que a igreja caminha para esse estado, e os
coríntios não poderiam se vangloriar de algo pertencente à sua
fase infantil, assim Paulo admoesta aqueles irmãos explicando-lhes a
brevidade daqueles dons por causa de sua presente situação como
corpo de Cristo.
Ao examinar o uso de
teleios
no Novo Testamento, Godet conclui que o seu significado básico é de
“ter alcançado determinado fim, acabado, completado, perfeito”
(apud
MCDOUGALL,
2003, p.201), logo espera-se que esses dons permaneçam durante toda
a era da igreja.
Todavia, não
devemos supor que é essa a exata conclusão que essa perspectiva
mantêm, porque embora a igreja ainda não esteja em seu estado de
perfeição, isso não significa aqueles dons (13.8) permaneçam. Mas
como assim? Os carismas em questão não acompanharão a igreja como
um sinal de sua imaturidade? Não necessariamente,
afirma essa visão.
O artifício
exegético bem comum encontrado por essa perspectiva é a distinção
que Paulo faz quando diz que “havendo profecias, desaparecerão;
havendo línguas, cessarão;
havendo ciência, passará”,
prova a diferença do que acontecerá com as línguas em relação à
profecia (geralmente entende-se como a pregação de hoje) e o
conhecimento. Assim acontecerá algo distinto acontece com as
línguas, um evento de pausotai
(cessação) natural ocorrerá, ou seja, enquanto profecia e ciência
experimentarão katargeo
como uma expressão diferenciada dos modos que isso ocorrerá.
Ao examinar essa
peculiaridade, Robert L. Thomas afirma que a distinção dos verbos
foi proposital por Paulo para expressar uma ideia muito relevante,
visto que o apóstolo
“escolhe o verbo
pauo
antes que katargeo
quando fala da cessação das línguas [...] alguém pode identificar
na voz média de pausontai
como quando comparada a voz passiva de katargethesontai
e katargethesetai
.
Isso também pode ser explicado como uma distinção entre dons que
são primeiramente revelacionais em caráter, dependendo mais
diretamente de uma ação externa, e um dom para o propósito de
confirmação [...] portanto o último cessaria por si próprio ou
causaria a sua própria cessação.”(1974,
p. 81)
Assim, as línguas
cessariam primeiro que os outros dons porque as línguas “cessariam”
por si mesmas, isso indica que seria um evento natural, não causado,
espontâneo e fluente no seu determinado tempo.
A maneira como o
verbo foi expresso é algo muito relevante, pois aponta (ainda que
sutilmente) para a autocessação das línguas, ou seja, o perfeito
colocará um fim nos outros dois dons, mas a línguas acabou por si
só.
Fazendo assim, essa
perspectiva possibilita a inutilização desse dom antes daquele
estágio futuro, a perfeição.
Esse exame é
fundamental para se sustentar uma perspectiva cessacionista dos dons
sem precisar recorrer à visão do canôn;
a fluência da passagem é bem mais tranquila e há pouco esforço
interpretativo comparado àquela visão.
6.4.1 Pontos fortes
e fracos
Primeiramente
devemos estar sensíveis à uma visão que busca equilíbrio em cima
de uma passagem tão controversa, isso merece todo respeito possível.
Também, constatamos que a perspectiva da maturidade da igreja faz
isso muito bem, reconhece os tons de contraste que o v.10 realmente
possui e os aplica à um propósito futuro.
Em segundo lugar, há
uma harmonia de todo o pensamento paulino a respeito do “perfeito”,
as conexões do pensamento do apóstolo realmente caminha para uma
maturidade como a visão sugere, assim não é sem motivo que “das
vinte vezes que a palavra aparece no NT, oito ocorrências (quase a
metade) estão no escritos de Paulo”, o que é muito significativo,
também, é que das oito vezes que o apóstolo cita teleios
“cerca de sete vezes cada, é feita com referência ao que é
sólido ou completo, enfatizando o que é completo, perfeito ou
intacto” (THOMAS, 2003, p.201-202).
Todavia, não
devemos conceber que a maturidade da igreja era o único propósito
que o teleion
se referia, pois embora isso faça parte do escopo de argumentação
paulina (14.20), não devemos assumir que to
teleion
aponte apenas
a uma questão de maturação.
Todavia, essa
interpretação falha ao reduzir a função do teleion
exclusivamente à maturação espiritual da igreja, que o crescimento
do povo de Deus está nos compartimentos do pensamento paulino é
notório, mas afirmar que esse era o principal
ou a primeira
referência que o “perfeito” apontava, não pode ser sustentada
neste texto pelas razões apresentadas acima. Isto é, há uma forte
persuasão retórica em Paulo que mostra um evento de culminação
escatológica (cf. 1.4-8; 13.10,12), não de superação
eclesiológica.
Portanto, embora a
maturidade da igreja seja uma advertência paulina na epístola aos
coríntios, devemos asseverar que esta é uma consequência natural
do que acontecerá naquele Dia, não algo que Paulo falava a
priori.
Porém, o ponto mais
crítico do cessacionismo nessa perspectiva é que há um exagero
minimalista da maneira que Paulo utilizou o verbo pauo
como um recurso que favorece a cessação deste dom (pelo menos neste
texto).
Afirmar que a voz
média deste verbo (pausontai)
é decisiva para afirmar que este dom não pode mais acontecer nos
dias de hoje é algo difícil de conceber, pois o fato de que
“cessarão”
não respalda uma distinção suficiente dos outros dois dons
(profecia e ciência) como se este fosse passar por um processo
diferente dos outros, ou como se fosse causar sua própria cessação.
Isso é um problema
porque é complicado afirmar que Paulo pretendia ser tão clínico na
utilização deste verbo para afirmar uma mudança tão drástica
deste dom (sua cessação), pois a maneira como foi relatada pelo
apóstolo demanda apenas um reconhecimento de sua fluência
estilística ao falar destes três dons (profecia, línguas e
ciência), ou seja, ele utiliza desaparecerão, cessarão e passará
como intercambiáveis, não de uma maneira tão clínica e
perscrutadora como pretende a visão acima.
O outro motivo
quanto a essa interpretação da cessação das línguas é a
utilização da voz média não é um fator tão decisivo assim, por
exemplo “a ação do mesmo aoristo médio pauo
envolve necessariamente causalidade em Lucas 8:24, onde o vento e as
ondas "cessaram"(epausanto),
e não "por si mesmas", mas pela ordem de Jesus”
(RUTHVEN, 2008, p.120), assim não podemos admitir que só por que
Paulo se utilizou da voz média ele imaginava, ou pretendia, todas
aquelas implicações que essa perspectiva interpreta.
Sobre esse exagero
na busca por uma definição exegética da voz média como
determinante à formulação de uma doutrina, Carson argumenta que:
“Não é algo
intrínseco à sua natureza, que exige que o cessar aparentemente
independe da cessação da profecia e do conhecimento. Esta visão
assume sem mandado que o interruptor a este verbo é mais do que uma
variação estilística. Pior, ela interpreta a voz média
irresponsavelmente. Em grego helenístico, a voz média afeta o
significado do verbo em uma variedade de maneiras, e não apenas no
futuro de alguns verbos, onde são mais comuns, mas também em outros
tempos a forma do médio pode ser utilizada, enquanto a força ativa
é preservada. Nesses pontos o verbo é depoente. Ninguém sabe a
força que a voz média tem a não ser através da inspeção
cuidadosa de todas as ocorrências do verbo sendo estudados” (apud
MCDOUGALL, 2003, p. 197).
Assim, é necessário
que haja um pouco mais de cautela em alguma afirmação categórica a
respeito de uma particularidade tão específica quanto a que
examinamos acima, porque além de se encontrar em sérios riscos como
Carson exclamou, ademais a afirmativa também desconsidera o contexto
que liga as “línguas ainda como uma porção do charismata ek
merous que
se contrasta com o teleion
e são abolidas por ele”; isso ainda traz outras dificuldades
porque, “desde que as línguas são listadas no 12:10, 28 e 29 como
um dom iniciado e mantido pelo Espírito de Deus, é absurdo inferir
que elas cessarão “por si mesmas" alheia a alguma ação do
Espírito” (RUTHVEN, 2008, p.120-121), logo, é muito difícil
sustentar essa posição com todas estas considerações ponderadas
com a honestidade devida.
7. POR QUE O
PERFEITO É O ESCATHON
Com o respectivos
exames das visões anteriores percebemos que há pouca concordância
quando se trata da definição do que é esse “perfeito”, pelo
menos nisso há harmonia no pensar, contudo, nossa proposta é
mostrar que o teleion
em 1 Co13.10 refere-se mais diretamente ao escathon
como um evento que trará luz e culminação à todas as coisas, seja
de conhecimento, maturação eclesial e todas as outras graças que
possa fluir de fatídico Dia.
Por percebermos que
as perspectivas anteriores não expressam com a devida simplicidade e
trata o assunto até mesmo com uma determinada exiguidade
interpretativa propomos estabelecer uma via que possa suportar de
maneira coerente a argumentação paulina respaldada no texto em
questão (1 Co 13.8-13).
Ao fazermos assim
queremos dizer que a melhor maneira de entender a fala do apóstolo
aos coríntios é ver que sua argumentação parte de uma série de
exortações ligando as manifestações carismáticas ali discutidas
com a expectativa escatológica tanto reafirmada nesta epístola
(e.g. 15.23-28).
7.1 Desaparecerão,
cessarão, passará (13.8)
Essa afirmação de
Paulo parece ser bem pessimista comparada à grande dignidade que os
coríntios depositavam quanto a estes dons, uma asseveração que dê
total certeza de que essas manifestações são passageiras, porque o
amor jamais
acaba
pode ter sido um choque àqueles Cristãos; no entanto é isso
realmente o que Paulo diz: Não adianta vocês se apegarem tanto
àquilo que não possui um valor eterno como um amor, pois eles
acabarão.
Já explanamos que o
propósito de Paulo ao utilizar verbos em modos diferentes (Pausontai
e
katargeo)
não era para especificar milimetricamente a descontinuidade e/ou
descontinuidade de determinados dons, mas utilizá-los como
intercambiáveis para dizer, de maneira enfática, que eles terão
fim. Essa sensibilidade interpretativa é necessária para não nos
perdermos em detalhes não intencionados pelo o autor original em
direção às inferências de discussão mais contemporânea, as
oscilações de sentido que o verbo adquirirá dependerão do seu
contexto imediato.
Quanto a essa
certeza da cessação de tais dons, devemos estar cintes de que, não
apenas Paulo, mas todos os ramos da ortodoxia evangélica (seja ela
tradicional ou carismática) afirmam também que esses dons terão
fim na vinda do perfeito.
Isso é axiomático
pois o teleion decidirá o a permanência daquilo que é em parte,
mas a pergunta deve ser feita é: a que se refere ek
merous?
7.2 Por que tanta
controvérsia por causa de ek merous (13.9)?
Paulo diz que em
parte conhecemos
e em
parte profetizamos,
e, fazendo assim ele também se inclui naquele estado de
incompletude; quanto a isso, há duas possíveis interpretações
quanto ao que se refere “em parte”.
Essa definição é
necessária para alguns porque ela definirá se o teleion
tem realmente alguma conexão com a perpetuidade e/ou cessação de
tais dons, e, por outro lado, pode trazer luz quanto as conexões que
essa perpetuidade carismática possui com o escathon.
A palavra ek
merous
então é colocada sob analise de duas possíveis interpretações,
pois, a tendência bem erudita do Dr. Gaffin admite que “em parte”
equivale a dizer que o “conhecimento presente é fragmentário e
opaco(vv.9,12)”,ou seja, “o contraste entre “o parcial” e o
“perfeito” (v.10;cf. vv.9,12) é qualitativo e não quantitativo
– entre o que constitui a presente ordem de coisas [...] e a era
futura em seu caráter absoluto”(2010, p.120).
Dessa maneira, ek
merous não pode estar tão intrinsicamente ligado à
continuação/descontinuação de dons, pois “os dons não formam,
por si mesmos, um lado do contraste, mas são parte de um quadro mais
amplo” (GAFFIN JUNIOR, 2010, p.120)., a intenção de Paulo é
mostrar estados de conhecimento, o tempo presente como imperfeito, e
o estado futuro de conhecimento perfeito.
Ao falar sobre ek
merous,
Grudem estabelece como medida propondo que “em parte” como modos
de se conhecer, ou seja, to
teleion
em conexão com ek
merous
aponta para um momento que “haverá uma forma superior de
aprendizado e de conhecimento das coisas, igual à maneira pela qual
“sou plenamente conhecido”(2001, p. 259). E assim prossegue a
argumentação de ambos para que na reconstrução exegética de ek
merous” possa se chegar a implicações mais contundentes.
Um ponto positivo de
Gaffin é sua sensibilidade ao contraste de estados de conhecimento
perfeito/imperfeito descrito por Paulo, e White estar correto após
sua ponderação das perspectivas de Gaffin e Grudem sobre essa
questão, pois embora ek
merous
tenha sua devida relevância neste texto (13.9), a verdade é que “no
centro do debate sobre o que o NT ensina sobre a duração do dom da
profecia permanece em 13:10 Coríntios ” (1992, p.179); todavia na
seria prudente divorciar de maneira tão aguda as duas categorias.
Pois, por que ambas têm que ser necessariamente
autoexcludentes?
Quanto a esse
perigo, Ruthven corretamente adverte-nos:
“Separar o
"estado" do conhecimento derivado do dom do conhecimento
neste contexto é diminuto: nem seria significativa a existência de
um sem o outro, uma vez que este conhecimento espiritual não pode
ser apreendido à parte da revelação (1 Coríntios. 2:14). Tal
separação representa um equívoco em todo argumento de Paulo, que é
o de corrigir problemas tratando com os dons espirituais, e não a
aquisição de corpos de aprendizagem”(2008, p.120).
Essa observação de
Ruthven é importante porque pondera de maneira eficaz o uso
exagerado de minúcias exegéticas (com implicações anacronizando o
próprio autor), como fez Gaffin ao ponto de concluir que “o tempo
de cessação das profecias e línguas é uma questão aberta
enquanto se considera essa passagem” (2010, p.121).
7.2 Quando, porém,
vier o que é perfeito (13.10)
Em prosseguimento ao
que foi dito com referência à esse “perfeito”, cremo que é
inconcebível ser algum outro evento senão o escathon,
isso por que até mesmo toda argumentação de Paulo desde 1.4-8, em
que ele relaciona a permanência daqueles dons até o Dia
de nosso Senhor Jesus Cristo,
não deixando motivos para timidez ao retomar a esse assunto em
13.8-13, agora de maneira exortativa.
Esse é um princípio
que permeia com muita naturalidade a epístola, e 15.24 em que ele
afirma que “então (hotan),
virá o télos”,
como uma estrita relação do que falara anteriormente que “quando,
porém, vier o que é perfeito (to
teleion),
então (hotan),
o que é em parte será aniquilado” (13.10), isso prova que para
Paulo era muito comum observar os carismas relacionados ao escathon.
Por escathon
queremos dizer a consumação do plano de Deus, como um evento
ultimo, terminado, àquele estado eterno que trará luz a todas as
coisas e que o veremos face a face – prosopon
(13.12), ou, como na linguagem de Apocalipse 22.4: no Dia em que os
remidos “contemplarão a sua face (prosopon
)”.
8. CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Após a análise
realizada nos versículos do debate em questão, percebemos que por
mais que os argumentos tragam certa timidez aos leitores devido o
rigor acadêmico exigido por quem defende essa ou aquela perspectiva
sobre o “perfeito”; e, ainda que o olhar clínico mostre-se
amedrontador para aquele que não está muito arraigado nessas
questões, contudo, o debate ainda é algo extremamente relevante à
práxis da igreja contemporânea.
Afirmamos isso
porque a prática eclesial é o reflexo do que ela crê e confessa,
ainda que inconscientemente, pois para levantarmos críticas ao que
for estranho aos nossos olhos, devemos nos dirigir primeiramente ao
âmago da questão e para muitos 1 Corintios 13.10 é decisivo para
se decidir a posição pneumatologica de uma igreja local.
Ponderando as
perspectivas acima mencionadas, devemos nos resguardar para não
errar em extremos em relação ao apagar do Espírito ou ao querer
“acendê-Lo” acima da medida bíblica. Ainda que o autor do texto
tenha se posicionado mais inclinado à perspectiva do
escathon/não-cessacionista; o fato é que há algo que une todos
esses estudiosos e os mantêm em completa harmonia: esse debate
apenas cessará
quando o Dia de Cristo chegar
e expor toda nossa ignorância dos assuntos que nos consideramos
doutores.
1
Ensaio acadêmico apresentado à
disciplina Teologia Sistemática II, ministrada pelo professor
Antonio Neto, semestre 2012.2.
Graça e paz, rendo graças a Deus por encontrar na net material de tão boa qualidade e fidelidade as escrituras. Que Deus o abençoe e conserve! Caso queira visitar tenho um blog onde procuro também semear as antigas doutrinas da graça.
ResponderExcluirhttp://doutrinasdagra.blogspot.com.br/