A CRÍTICA DAS FONTES E O PENTATEUCO
Uma análise teológica da crítica das
fontes no Pentateuco
SANTOS
JUNIOR, Evandro Carvalho dos (ECS)
RESUMO
Analisa a crítica das fontes. A pesquisa prossegue
verificando a história do movimento histórico-crítico, os desenvolvimentos e
pressupostos dessa escola hermenêutica. O ensaio focaliza a análise do método
da crítica das fontes; perpassa pela argumentação que essa escola faz à autoria
e data do Pentateuco, exprimindo os seus estudos especificamente na autoria do
livro. Em seguida responde as objeções de método hermenêutico. Conclui com uma
consideração sobre o declínio dessa escola e uma aplicação prática sobre a
relação que o cristão possui com esse assunto aparentemente técnico.
PALAVRAS-CHAVE
Crítica; Julius Wellhausen;
histórico-crítico; crítica das fontes; Pentateuco; arqueologia.
INTRODUÇÃO
Observar a história da
teologia é muitas vezes testemunhar fatos que se repetem de maneira cíclica. A
afirmação de Salomão de que nada há de “novo debaixo do sol” (Ec 1.9) é uma
realidade na teologia também. Por isso, quando examinamos os métodos modernos
de se estudar a Bíblia, sabemos que por detrás disto existe aquele sútil e
indolor pressuposto do ceticismo presente como um motor controlador de toda a
pesquisa. Ademais, o brado erudito e introvertido de que “não há Deus” (Sl
14.1) pode ser o fator controlador dos estudos acadêmicos aplicados à Bíblia,
ainda que estejam disfarçados de simples neutralidade na pesquisa
científica.
Em nosso tempo várias
formas de negação à perspectiva tradicional da autoridade bíblica e os cognatos
desta (infalibilidade, suficiência etc.) têm sido absorvidos por muitos. Tais
métodos variam entre si: a crítica das fontes, crítica da forma e a crítica da
redação. Todavia, tais escolas de interpretação das Escrituras trazem em seu
bojo a mesma pressuposição antissobrenaturalista como ponto norteador de todo
processo acadêmico.
Do ponto de vista
tradicional da fé cristã, sabemos que todas essas hermenêuticas modernas são
prejudiciais a igreja e quantos prejuízos ela trouxeram a milhares de cristãos
sinceros. Porém, devido a abrangência do assunto, nos determos apenas na
crítica das fontes e seus pormenores; também limitaremos o nosso estudo porque
ainda que a hipótese documentária tenha perdido muito de sua credibilidade
inicial até mesmo por parte do liberalismo teológico, todavia, ela ainda
permanece forte entre seminários e instituições de ensino que rejeitam os
argumentos que lhe são mostrados.
1. A HISTÓRIA DO MOVIMENTO
HISTÓRICO-CRÍTICO
Com o advento da
reforma protestante e a pregação de doutrinas distintivas como o sacerdócio universal de todos os crentes
e Sola Scriptura o desenvolvimento
desses conceitos, até então ofuscado pelo catolicismo romano, foi de crucial
benefício para a igreja e a sua expansão por todo o mundo; a subordinação
inflexível ao papado foi desconsiderada plenamente nesses círculos; a
interpretação da Bíblia não estava tão presa ao que as determinações romanistas
estipulassem, um mundo de privilégios abrira-se agora. Mas, o que não se esperava era que isso seria
utilizado, especialmente em países influenciados pela reforma protestante, como
um elemento motriz para a redefinição e desconstrução da fé tradicional da
igreja, revelação, salvação e teontologia.
No séc. XVIII as
filosofias em voga assumiram a importância do pensamento e a liberdade
necessária para exercê-lo. Assim, enquanto o racionalismo mostrava-se como o
método mais eficiente de se descobrir a verdade, conforme Descartes, Spinoza e
Leibniz; o empirismo advogava a experiência como critério diferenciador na
pesquisa. Contudo, ainda que essas escolas afirmassem métodos diferentes, e até
mesmo divergentes, em relação a descoberta da verdade, tanto o empirismo quanto
o racionalismo militavam juntos em pressuposições anticristãs traziam em seu
bojo um agnosticismo inevitável. Em relação ao racionalismo, como um método
aplicado ao estudo teológico, este foi o preconizador do liberalismo teológico
do séc. XIX em oposição à antiga forma de interpretar a Bíblia, “mas ao final
de algumas décadas, a nova escola dominava os estudos acadêmicos da Bíblia”
(LOPES, 2007, p. 184).
1.1 Sinceridade
na pesquisa ou pressupostos?
O
método moderno de hermenêutica, especialmente a histórico-crítica, manteve
muito da herança intelectual deixada pelo iluminismo. Embora as primeiras
fontes da filosofia no ocidente da idade média e moderna devam a influencia dos
notáveis pensadores cristãos, contudo o desenvolvimento desta ciência no campo
da epistemologia militou muito para crenças basilares do cristianismo, ainda
que de maneira inconsciente muitas vezes.
Essa maneira de fazer filosofia, quando
aplicada à teologia, realizou uma dicotomia kantiana entre fé e razão, ou seja,
devemos acreditar nos relatos bíblicos não por causa da sua fidedignidade e
historicidade (isso é irrelevante), mas por fé; havendo contraste entre fé e
história as portas para o fideísmo abrem-se completamente. O que parecia ser uma proposta piedosa no
inicio revelou-se problemática posteriormente.
Embora
a neutralidade científica estivesse presente nos discursos dos primeiros
teólogos da escola moderna, contudo os resultados mostravam que na realidade
esses estudiosos eram apenas pessoas que assumiram um compromisso no coração e,
então, isso passou para a cátedra.
Por conseguinte, já que os pressupostos
decidiam e controlava a pesquisa (às vezes de maneira inconsciente), faltava
apenas um método hermenêutico que fosse coeso com os mesmos. As ideias
absorvidas por estes homens na época eram as mesmas do Iluminismo do século
anterior: a negação da intervenção divina na história humana e a concepção
naturalista de causa e efeito (eliminado qualquer aspecto de suspensão das leis
da física).
1.2 Uma
proposta
Debaixo
dessa atmosfera de avanço nas pesquisas teológicas e exegéticas, as teorias
críticas (das fontes, forma e redação) passaram a observar o pensar teológico
não mais como um exercício sobrenaturalmente ligado a forma como Deus se
revelou na história, mas “como metodológica, ou seja, competia à hermenêutica
elaborar um método através do qual se pudesse, de forma isenta de pressupostos,
e tendo a razão e a ciência moderna como ferramentas, alcançar o sentido
verdadeiro de um texto” (LOPES, 2007, p.189). Essa era triunfalista nos estudos
acadêmicos prevaleceu durante os séculos XVII, XVIII e XIX, porem veio a
sucumbir no final da primeira metade do século XX.
A
escola hermenêutica mais influente desse período foi a crítica das fontes. Essa
hermenêutica entende que a composição da Bíblia, especialmente o Pentateuco,
foi realizada por um conjunto de fontes separadas pelo tempo, estilo, teologia
e até mesmo divergentes muitas vezes. Uma vez que se estabeleça que tipo de
fonte pertença aquele referido texto, devemos estudar a sua teologia.
Essas
fontes utilizadas no Pentateuco, eram claramente perceptíveis no texto de Gênesis. Assim um precursor importante desta ideia foi o francês Jean Astruc
que “ficou intrigado pelo fato de Deus ter sido chamado de Elohim em Gênesis 1,
e quase somente Jeová (ou Yahweh) em Gênesis 2” (ARCHER, 1979, p. 87). Na
esteira desse pensamento, um estudioso da literatura veterotestamentária
confirmou a provável existência de autores diferentes e aplicou o método de
Astruc a todos os cinco primeiros livros da Bíblia, após isso concluiu que o
Pentateuco fora escrito muito depois de Moisés.
Uma
vez que se considerasse como um porto de partida a autoria fragmentada do
Pentateuco, incluindo Gênesis, muitos outros estudiosos dessa escola deram as suas respectivas contribuições para o desenvolvimento dessa hermenêutica;
passando por nomes como DeWette, Vater, Heinrich Ewald, Bleek e Hupfeld. Porém
os maiores nomes dos estudos na crítica das fontes foram os de Karl Heinrich
Graf e Julius Vellhausen, ambos
desenvolveram os estudos dos primeiros críticos e sistematizaram a ideia de uma
existência de quatro autores/fontes J (Javé), E (Elohim), D (Deuteronomista) e
P (sacerdotal). Assim não deveríamos mais falar sobre um Moisés que escreveu o Pentateuco,
mas de uma diversidade de autores que escreveram o Hexateuco (incluindo o livro
de Josué).
2. A CRÍTICA DAS FONTES E O PENTATEUCO
2.1 A Crítica das Fontes e Gênesis
Gênesis é um dos livros
do Antigo Testamento que para se identificar a sua data, torna-se fundamental
identificar anteriormente a sua autoria. Por conseguinte, se o autor for
Moisés, conforme a visão tradicional mantêm, então a sua data é remetida ao séc.
XV a.C.; no entanto, se Moisés não for o autor, a data do livro é bem recente.
Assim não poderíamos falar de um autor, mas de vários autores dessa obra.
Conforme supracitado, o
estudioso alemão, Julius Wellhausen, fomentou em seu tempo o avanço nas pesquisas
teológicas. A conclusão da pesquisa foi que o Pentateuco é composição de vários
documentos (J E D e P) inscritos por autores diferentes em épocas diversas. Mas
qual o critério para discriminar um documento do outro? Wellhausen propôs
algumas diretrizes para essa árdua tarefa: O modo como o nome de Deus é
expresso na literatura: se Javé (J) ou Elohim (E); a existência de
duplicidades, ou seja, a mesma história contada mais de uma vez com personagens
diferentes e variações existentes diversas nesse texto; diferenças de estilo;
diferenças de teologia, por exemplo, Deus no documento “J” é revelado de
maneira antropomórfica, algo próprio desse documento específico.
Esses quatro documentos
perpassam um período de composição que vai do séc. X a.C. até o V a.C., e à
motivação de se atribuir isso como uma composição de um autor e de data bem
antiga se dá pela necessidade de alguns judeus de explicarem a fundação da
religião judaica de maneira sobrenatural e suprema.
2.2 A
Crítica das Fontes e o livro de Êxodo
É fato que o sistema permeou todo o Antigo Testamento (por exemplo, o
livro de Isaías), todavia a teoria de Wellhausen permaneceu particularmente
ativa no texto do Pentateuco. Assim a distribuição de fontes diversas passou
tanto pelo livro de Gênesis como por Êxodo.
O Livro de Êxodo representa essa mesma configuração multifacetada pelo
o uso indiscriminado de documentos diversos e contraditórios em sua composição.
Dessa maneira, não seria prudente afirmar o antigo dogmatismo que garantiria Moisés como o seu escritor e, muito menos,
asseverar que Êxodo mantém qualquer tipo de continuidade em relação a Gênesis.
Na verdade o que acontece é que existe uma variação de fontes nesse
livro, há uma continuidade em relação aos quatro livros do Pentateuco, porém a continuidade
vigente é atribuída às fontes J, E e P. No entanto, embora a discriminação de
fontes se torne mais fácil no primeiro livro do Pentateuco, quando se trata de
Êxodo, como diz Noth: “as relações literárias são ainda mais complicadas do que
em Gênesis” (apud DILLARD; LONGMAN
III, 2006, p. 58)., ainda que P seja perceptível nessa obra literária, assim
como os elementos culticos apontando “para a questão de ser um possível texto
deuteronômico” (2006, p. 58).
2.3 A
Crítica das Fontes nos livros de Levítico e Números
A hipótese documentária
mantém como pressuposição a composição tardia também desse livro, todavia há um
diferencial neste. Os livros de Levítico e Números são essencialmente compostos
por P, e, assim como aconteceu em outras religiões, Israel teve uma evolução na
adoração passando pela fase Politeísta, caminhando para o henoteísmo e, por fim,
chegando ao monoteísmo tardio. Essa evolução na religião judaica também se
evidencia na observação de que o povo estava livre para sacrificar em qualquer
lugar na época davídica (1 Sm 16.2), todavia no decorrer dos anos a adoração se
tornou mais centralizada em um lugar específico até que no período pós-exilico
o documento P (o qual dá forma ao livro de Levítico) já estava completo.
Devemos chamar atenção
para o caráter pós-davídico de ambos os livros, a ênfase do povo outrora concedida
à monarquia perdeu o seu espaço com a instituição do sacerdócio. Por isso, “neste
livro, grande importância é colocada sobre o sumo sacerdote, o tipo de regra
que permaneceu na comunidade pós-exílica; ele é também chamado de o sacerdote
ungido, substituindo um título davídico em 4:3-12 (e.g. 8, 16:3; 32; 21:16-23) (HARTLEY,
p. xxxvii, 1992).
As fragmentações dos
documentos podem ser observadas pelas contradições que existem entre o livro de
Êxodo e Números, por exemplo, em Ex. 1.15 observamos apenas duas parteiras
(Sifrá e Puá) para atender uma população gigantesca, posteriormente evidenciada
pelo censo do povo registrado no livro de Números; autoria diversa em ambos os
livros, certamente.
2.4 A
Crítica das Fontes e o livro de Deuteronômio
O livro de Deuteronômio reveste-se de especial
importância pelo o seu caráter de reavivamento da centralização da religião do
Templo. Esse chamado ao centro de adoração no meio do povo, não deve ser
reconhecido, nesse livro, com um apelo à lei, porém constituindo-se de um
chamado profético. O livro foi composto (não encontrado) no séc. VII por Hilquias, então esse texto
trouxe ao povo as reformas necessárias, que não aconteceriam de outro modo,
lideradas pelo rei Josias.
Essa proposta foi
elaborada por W.M.L. de Wette e desenvolvida por Wellhausen. A argumentação foi
trazida em três argumentos por essa escola: literário, religioso e histórico.
O argumento literário
mantém que a identificação da data deste documento não pode ser apontada para o
séc. VIII a.C, quando não há traços de linguagem no estilo dos profetas desse
período.; “por outro lado, tais autores vêem uma relação forte entre
Deuteronômio e os profetas Jeremias e Ezequiel, ao passo que Josué, Juízes,
Samuel e Reis são considerados o resultado de uma atividade redatorial
deuteronômica sobre material histórico mais antigo” (THOMPSON, 1982, p. 58).
O segundo argumento se
dá no campo religioso do povo, por exemplo, o teísmo do povo é de caráter mais
avançado, bem diferente dos conceitos religiosos de Saul, Davi e a adoração
ríspida de Elias. Porém, no último argumento (histórico), a data aponta para o
período contemporâneo ao rei Josias, “nenhum outro grupo de leis do Velho
Testamento corresponde tão de perto, ponto por ponto, às medidas executadas
naquelas reformas quanto Deuteronômio” (1982, p. 58).
3. A CRÍTICA DAS FONTES É UMA TEOLOGIA BÍBLICA INJUSTIFICADA
É
difícil definir o real relacionamento que a hipótese documentária tem com a
busca veraz da verdade científica na pesquisa. Primeiro, uma vez que se afirme a
neutralidade nos estudos científicos, mas não se assuma que os resultados
dessas pesquisas adveem de uma concepção imposta ao texto devemos considerar se
o resultado da pesquisa é tão honesto quanto o leitor de Wellhausen imagina
ser. Por exemplo, as reformas se Josias (II Reis 22) através do Livro da Lei
encontrada pelo sacerdote Hilquias ser mantido uma afirmação de composição, é
atribuir uma fraude engenhosa ao texto, apenas por pressuposições não assumidas
por parte desses teólogos.
Em
segundo lugar, as afirmativas do método documentário são permeadas por um
anacronismo metodológico que constrói uma realidade anterior à pesquisa para
começar a fazer a pesquisa. As proposições modernas são levadas ao texto
antigo, colocando o povo dentro de um contexto incomum e não fazendo justiça ao
pensamento, cultura e costumes próprios desse povo.
Em
ultimo lugar, pouco se observa variações de expressão, estilo, a função
teológica de determinadas palavras naquele contexto e torna inviável processo honesto
da pesquisa pela negligência constante aos aspectos diferenciadores da
arqueologia recente como um ponto demolidor da Hipótese. A seguir exploraremos
outros pontos que complementam os motivos para o desinteresse completo nesse
método de interpretação do texto bíblico.
3.1 A arbitrariedade da
pesquisa arqueológica
A
crença em uma fragmentação no Pentateuco se dá, em parte, a especulação de que todas
as religiões evoluíram do politeísmo para o henoteísmo e por fim ao monoteísmo.
Todavia essa afirmativa acrítica nesse ponto torna-se obsoleta, pois um dos
argumentos mais fortes contra essa questão foi a descoberta das tabuinhas de
Ebla, na Síria, conforme registrado por Pettinato, em The archives of Ebla: “Senhor do céu e da terra, a terra não
existia, tu a criaste, a luz do dia não existia, tu a criaste, a luz da manhã
ainda não havias criado” (apud GEISLER,
2002, p. 614).
Outra
afirmativa sustentada pela a escola documentária é suposição de que no tempo de
Moisés a escrita entre os hebreus era inexistente, assim essa veio a ser
elaborada apenas em um período muito tardio. Porém, já no ano de 1929 (período
do fervor da hipótese documentária) os Tabletes Ugaríticos foram encontrados
“inscritos com um alfabeto de tinta e três letras, exprimindo uma linguagem
mais semelhante ao hebraico do que qualquer dialeto conhecido das línguas
semíticas” (ARCHER, 1979, p. 186). O impressionante é que esse achado
arqueológico é datado de cerca de 1.400 a.C, mas infelizmente os adeptos da
teoria documentária ainda preferem negligenciar esse dado importante e postergar
a escrita um período muito posterior.
Em
relação a legislação do Código Sacerdotal, segundo a teoria documentária, é
impossível acreditar que uma elaboração legislativa desse tipo pudesse ser
eficaz até antes do quinto século a.C. No entanto, mais uma vez, as evidências
históricas apontam ao contrário, certamente a elaboração definida e precisa das
leis do Código Babilônio de Hamurabi e a sua semelhança com Êxodo, Levítico e
Números desmente a afirmação wellhausiana nesse ponto. Duvidar da antiguidade
desse documento é algo não realizado nem mesmo pelos adeptos dessa escola.
3.2 Por causa da negligência
com o contexto imediato do texto bíblico
As
evidências externas em relação a autoria Mosaica e a antiguidade do Pentateuco
são fortíssimas, contudo um olhar mais atento e descomprometido dessa
literatura revelará uma autotestificação desse ponto importante.
Por conseguinte ao observarmos as descrições
feitas em Êxodo demostram aspectos climáticos e atmosféricos peculiarmente
egípcios (Ex. 9.31,32). Além disso existe um relato que demostra que o autor
tem pouco relacionamento com a geografia palestina e é hábil em conhecimento do
Egito, por exemplo, quando o autor descreve o vale do Jordão e faz comparações
ilustrativas com a região do Nilo (Gn 13.10); outro ponto curioso é que “em Gênesis
33.18 há uma referência “à cidade de Siquém, em Canaã" o que é
completamente para pessoas que viveram mais de setecentos anos nessa mesma área
(como a hipótese documentária mantem), pois “parece-nos estranho ser preciso
dizer que uma cidade tão importante como Siquém ficava em “Canaã” (ARCHER,
2001, p. 43), Mas se Moisés estiver escrevendo para pessoas que jamais
estiveram ali, então é extremamente aceitável tal descrição.
3.3 Por causa da
pressuposição filosófica que permeia essa escola
Diante
dessas evidências contra a teoria documentária, a escolha por esse método
torna-se uma opção irresponsável e indefensável do ponto de vista científico. Todavia,
ainda convém perguntar: então por que tantas pessoas ainda asseguram a
continuidade desse método?
A
mentalidade de neutralidade cientifica foi um produto do racionalismo do
período moderno, a plena certeza de que racionalmente um mundo fechado pelas
leis da física clássica não poderia ser interrompido, ainda que fosse por um
documento antigo e respeitado pela a igreja. Wellhausen estava imerso nesse contexto,
todavia ele acrescentou ao seu método hermenêutico a sua perspectiva filosófica
hegeliana.
É
importante lembramos que “Hegel cria que o problema da filosofia era encontrar
o sentido da história [...] a partir desse pressuposto fundamental, ele tentou
explicar toda a história humana” (MCDOWELL, 2013, p. 751).
Também
devemos lembra que no séc. XIX a proposta do evolucionismo estava no seu ápice,
uma que se afirmava o naturalismo filosófico como um fator determinante na
avaliação do mundo, o único item que faltava nesse bojo era ampliara essas
perspectivas para dentro da teologia.
Longe
de a hipótese documentária ser um claro exemplo de pesquisa neutra no
tratamento de dados, pelo contrário, há um sistema moderno e viciado dogmatizando
a história antiga e pré-teórica do texto bíblico. Uma aparência de
respeitabilidade acadêmica, quando na verdade o que existe é um duelo de
crenças (entre afé no Pentateuco e a fé no antissobrenauralismo). Todavia seria
mais honesto ao estudioso asseverar a fé do Pentateuco do que impor a ele algo
que o seu autor (Moisés) e ouvintes naquele tempo jamais pensaram (por exemplo,
a visão hegeliana de história).
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
É
certo que a busca pela neutralidade na pesquisa foi um axioma no período da
modernidade. Aliás, quem não gostaria de usufruir de uma pesquisa realizada sem
inclinações prévias e isentas de qualquer pré-disposição intelectual? Todavia,
com o advento do pós-modernismo a busca pela neutralidade na pesquisa
revelou-se utópica; a busca pelo método absoluto mostrou-se irrelevante; o
significado do mundo passou a pertencer
esfera da opinião particular e o nominalismo aplicado a epistemologia
foi abraçado acriticamente na pós-modernidade. O método histórico-crítico, e
sua tendência ao racionalismo, não sobreviveu a esse desafio.
Ainda
que essa metodologia hermenêutica tenha caído em desuso na maioria dos centros
de estudos do Antigo Testamento em anos mais recentes, todavia revela-se,
ainda, como a principal maneira de interpretar o Pentateuco (ainda que
negligenciem os problemas pertinentes desse método). Além de ser inconclusiva a
decisão interpretativa sobre “qual texto pertence a qual fonte”, não foi sem razão
que um estudioso da literatura veterotestamentária asseverou sobre esse
período: “Hoje não existe … consenso. 'Cada faz o que acha direito aos seus
próprios olhos'” (WENHAM apud WALTKE,
2010, P.26).
Dessa
forma queremos salientar um ponto finalmente: nunca será exagero depositarmos
toda a credibilidade necessária na posição tradicional sobre a revelação de
Deus aos homens na história através das Escrituras Sagradas. Tendências mais
recentes na área da crítica do Antigo Testamento têm descoberto pontos que até
mesmo a perspectiva tradicional já considerava há muito tempo (por exemplo,
muitos adeptos da crítica da forma chegam a afirmar que apenas um autor
realmente escreveu todo o livro de Gênesis).
Assim
devemos estar certos de que o verdadeiro crente, devoto e comprometido com a
Palavra de Deus, por mais simples que seja a sua vida intelectual pode através
da leitura do Antigo Testamento (especificamente o Pentateuco) confiar que Deus
lhe fala de maneira infalível. Assim, o
principio de que a Escrituras explicam a si mesmas nas coisas essenciais, e que
todo cristão tem o Espírito Santo auxiliando-o nesse processo de conhecer mais
sobre Deus em uma época em que são
produzidas novas ferramentas de ceticismo e aversão à religião.
- Ensaio
acadêmico apresentado à disciplina de Teologia do Antigo Testamento, ministrada
pelo Prof. Samuel Fernandes, semestre 2014.1.
REFERÊNCIAS:
1.ARCHER, Gleason L. Merece confiança o antigo testamento:
panorama de introdução. São Paulo: Vida Nova, 1979.
2. ARCHER, Gleason L. Enciclopédia de temas bíblicos: repostas às
principais dúvidas, dificuldades e “contradições” da Bíblia. São Paulo:
Vida, 2001.
3. DEREK, Kidner. Gênesis: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1979.
4. DILLARD,
Raymond B.; LONGMAN III, Tremper. Introdução
ao Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2006.
5. LOPES, Augustus N. A Bíblia e seus interpretes. São Paulo:
Cultura Cristã, 2007
6.
WALTKE, Bruce. Comentário do antigo testamento: Gênesis. São Paulo: Cultura Cristã, 2010.
7.
MCDOWELL, Josh. Novas evidências que
demandam um veredito: evidência I e II. São Paulo: Hagnos, 2013.
8. GEISLER, Norman L. Enciclopédia de apologética: respostas aos
críticos da fé cristã. São Paulo: Vida, 2002.
9. HARTLEY,
John E. Word biblical commentary: Leviticus
1-27. Dallas: Word, 1992.
10. THOMPSON, J. A. Deuteronômio: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1982.