A revista “Fé para Hoje”, lançada pela editora “Fiel”, publicou em Junho de 2009 um artigo intitulado: “Dez efeitos de crer nas doutrinas da graça”. No 5º dos “Dez efeitos” (pg. 3), John Piper declara:
“Estas verdades fazem-me gemer diante da indescritível enfermidade de nossa cultura secular que milita contra Deus”.
E acrescenta:
“Não posso ler o jornal, assistir a uma propaganda na TV ou ver um outdoor sem intenso pesar de que Deus está ausente”.
Isso me faz recordar a famosa frase do, não menos famoso, filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900): “Deus está morto!”. E faz-me constatar que ele não estava totalmente errado.
No mundo pós-moderno parece não haver mais espaço para Deus; é como se Ele realmente tivesse sido sepultado e a lápide, sem epitáfio ou qualquer menção ao ilustre residente, houvesse sido erigida em algum terreno baldio do subconsciente, no limiar entre o que não recordamos (pela irrelevância) e o que não queremos recordar (por se opor aos nossos próprios desígnios perversos).
Louis Berkhof, em sua “Teologia Sistemática” (pg. 21), fala acerca de pessoas que vivem como se Deus não existisse e as classifica “ateus práticos”. Pergunto-me se esta não seria a expressão exata para definir o mundo em que vivemos.
Estaria Nietzsche com absoluta razão afinal? Deus está morto, então?
Penso que Nietzsche, que tanto se gabara de ter lido a Bíblia de capa a capa, se tivesse prestado um pouquinho mais de atenção ao que ali estava escrito, nos teria deixado uma afirmativa bem melhor e mais proveitosa, quanto à realidade universal.
Nietzsche encontrou a essência da questão, a saber, que de fato alguém está morto! Porém, o Ap. Paulo já havia desvendado esse mistério quase dois mil anos antes dele e a resposta se encontra em Efésios 2.1:
“Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados”. (NVI)
Esta é a chave para compreender a lastimável situação mundial. Quando paro para refletir sobre as doutrinas da graça e vejo a T.U.L.I.P. (Total depravity, Unconditional election, Limited atonement, Irresistible grace e Perseverance of saints) diante de mim, não canso de me impressionar com sua simetria e disposição.
Após incontáveis fracassos, na tentativa de difundir essas verdades tão necessárias, descobri que a pedagogia da T.U.L.I.P. exigia um “T” inicial e que seriam novos incontáveis fracassos negligenciar ou ignorar essa seqüência lógica. Total Depravity (Depravação Total) tem que ser o ponto de partida, se de fato ansiamos por compreender as maravilhosas doutrinas da graça.
Gostaria agora de destacar o primeiro ponto deste artigo:
O mundo tornou-se corrupto pela corrupção humana.
Há uma série de intelectuais, composto em sua maioria por ateus e neo-ortodoxos (não digo aqui que a neo-ortodoxia ou os neo-ortodoxos em unanimidade são defensores do que tratarei a frente, digo apenas que entre os que defendem encontram-se muitos neo-ortodoxos.), que abraçam a idéia de que o homem é corrompido pelo meio em que vive. Sustentar tal opinião é tanto uma tolice, quanto uma agressão a Sagrada Escritura.
A Palavra de Deus afirma:
“... Por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte”.
(Rm 5.12)
“... Pela ofensa de um só, morreram muitos”. (Rm 5.15)
“... Por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação”.
(Rm 5.18)
“... Pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores”.
(Rm 5.19)
Todos estes versículos (e existem ainda muitos outros) nos mostram como o homem corrompeu a sociedade e não o contrário, mas existe uma passagem que retrata isso com ainda mais clareza:
“Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e suporta angústias até agora”. (Rm 8.20-22)
Isso já deveria ser o bastante para os neo-ortodoxos (refiro-me aqui novamente de maneira não generalizada) abandonarem a visão de que a queda não passa de mito. Mas sabendo que eles, como todos os demais neo-ortodoxos (e aqui generalizo sem medo de ser injusto), não confiam na Bíblia a ponto de julgá-la inerrante, creio ser necessário tratá-los em conjunto com os ateus, ou seja, a luz da lógica.
A grande dificuldade para os que sustentam essa posição é que ela não explica o problema da universalidade do pecado. Se de fato Gênesis é uma fábula e não houve queda factual, teríamos que concordar que o homem nasce sem a semente do pecado, e com isso totalmente livre. Um homem que nascesse em tais condições, sem qualquer interferência que o impulsionasse em suas decisões, teria apenas duas opções: pecar ou não pecar, e a porcentagem seria de 50% para qualquer das duas.
O normal seria encontrarmos sociedades divididas entre santos piedosos e incorruptíveis e sodomitas devassos e inescrupulosos. Tal hipótese seria ilógica quando confrontada com a realidade. Se analisarmos a questão de forma experimental, constataremos que o fato é que todos pecamos.
R. C. Sproul (Em seu livro “Eleitos de Deus”, pg. 61) afirma: “A resposta padrão dos defensores da visão do mito é que as pessoas não são universalmente nascidas num ambiente idílico como o Éden. A sociedade é corrupta. Nascemos num ambiente corrupto”. Em outras palavras, eles voltariam ao que já foi dito acima (que o homem é corrompido pelo meio em que vive), mas o próprio Sproul faz uma indagação que tanto responde, como encerra a questão: “Em primeiro lugar, como a sociedade ou a civilização se tornaram corruptas?” (pg. 61). Se o problema desde o início não está no homem, onde mais o encontraremos?
O segundo ponto é este:
O pecado de Adão recaiu sobre toda a humanidade.
Quanto aos que defendem a visão “realista da queda”, ou seja, que o homem não pode ser culpado por algo que não cometeu, o erro está baseado numa má interpretação bíblica, apoiada em teorias inconsistentes e textos fora de contexto. A pergunta é essa: Se não é possível ter a culpa de alguém transferida para nós, não será possível transferir nossa própria culpa para outra pessoa, nem ter a justiça de outrem nos imputada. Sendo assim, não seria possível que Cristo nos justificasse. Sem Cristo ficamos sem salvador e lutando para salvar e justificar a nós mesmos.
O terceiro e último ponto é:
Em Adão, a humanidade foi plenamente representada.
Todos nos perguntamos se Adão seria a melhor pessoa para nos representar. Nos colocamos em seu lugar e declaramos que seu erro não seria o nosso se a posição fosse inversa. Declaro: em Adão, fomos plenamente representados!
Não me baseio nos atributos de Adão para sustentar minha declaração. Não são suas qualidades excepcionais ou imaculada concepção (criação) na história que me dão essa garantia, mas a perfeita e soberana escolha de Deus.
Deus é um ser perfeito, de forma que tudo o que faz é justo e bom. Deus pode (e de fato faz) escolhas infinitamente melhores do que qualquer um de nós poderia sequer imaginar. Se aprouve a Deus escolher Adão, isso deve satisfazer a qualquer um que creia nEle.
Entendendo a queda, não se torna difícil compreender a condição atual do homem. Talvez, se Nietzsche houvesse meditado um pouco mais no capítulo 3 do livro de Gênesis, tivesse entendido que quem morreu no jardim foi o próprio homem (talvez ele estivesse morto demais para notar).
Adão caiu e sua queda foi enorme. Ele arrastou consigo toda a humanidade e, não só isso, mas toda a “... criação geme...” (Rom 8.22 b) em conseqüência de sua queda.
Em virtude da queda, tudo no homem tornou-se contaminado (corpo, pensamentos, atitudes...) e seu livre arbítrio já não é tão livre agora, pois a semente do pecado fez morada em seu coração e de lá procedem todos os maus desígnios.
Agostinho dissera que embora ainda haja no homem livre arbítrio, falta-lhe liberdade. O homem, em sua condição de escravo do pecado e inimigo de Deus, continua tomando suas próprias decisões, no entanto, suas decisões não são livres de qualquer preconceito, pelo contrário, estão baseadas sempre em seus desejos vigentes mais fortes, e estes são, inevitavelmente, os de satisfazer a carne.
Foi a este homem, insensível ao ponto de não perceber a própria cegueira; imerso na lama e comendo com porcos; rumando segundo curso deste mundo, com os pés a resvalar no abismo, que Deus amou e “elegeu desde antes da fundação do mundo” (Ef 1.4). Foi por este homem que o Verbo, que “... é Deus” (Jo 1.1), “... se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14), para ser “... transpassado por nossas transgressões” e “esmagado por nossas iniqüidades” (Is 53.5).
Graças dou a Deus o Pai por ter enviado “... seu filho unigênito” (Jô 3.16) para morrer em meu lugar. Graças dou a Deus o Filho, por ter levado sobre Si minhas “... dores e enfermidades” (Is. 53.4) e o castigo que me “... traz a paz” (Is 53.5) ter suportado em meu lugar. Por suas feridas fui sarado! Graças dou a Deus Espírito Santo, por ter me convencido de meus pecados e, mesmo neste exato momento, interceder por mim (até com gemidos inexprimíveis). Graças dou por ter me selado e ser a garantia de minha “... herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da Sua glória” (Ef 1.14).
Soli Deo Gloria.
Nelson Ávila, 18 de janeiro de 2010.
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