sexta-feira, 6 de dezembro de 2013



A ESPERANÇA CRISTÃ[1]
Um exame do milenismo à luz das Escrituras

SANTOS JUNIOR, Evandro Carvalho dos (ECS)[2]

RESUMO
Analisa a escatologia à luz da Bíblia. A pesquisa prossegue verificando a esperança do povo de Deus no Antigo Testamento, suas nuanças e o modo pelo qual a vinda do reino era esperada no período veterotestamentário. Como o Novo Testamento trata do assunto será o próximo tema a ser analisado; a forma como era identificada a chegada do reino e a sua compatibilidade com o que fora predito pelos profetas. O ensaio perpassa pela argumentação da perspectiva pré-milenista clássica e dispensacionalista acerca da chegada do reino, suas crenças e fundamentos baseados no texto de Ap. 20 e cognatos serão observados e depois objetados à luz do texto em questão. Conclui com uma aplicação prática sobre a importância de se pensar corretamente sobre o assunto e as ponderações necessárias que todo cristão deve assumir para si.

PALAVRAS-CHAVE

Reino; milênio; parousia; pré-milenismo; dispensacionalismo; Apocalipse 20; amilenismo; esperança.

INTRODUÇÃO
Não é sem razão que os cristãos da nossa época refletem pouco sobre a segunda vinda de Cristo, pois os cuidados e a sedução desse mundo têm causado certo tipo de embriaguez espiritual em muitos da igreja hodierna e a esperança foi desviada do transcedental e eterno para o que é perecível e passageiro. Porém outros grupos se mantêm bem confiantes em relação aos eventos relacionados ao fim do mundo, esses alimentam certa curiosidade e uma satisfação meramente mental, assim são assediados muitos que tem se afadigado no assunto, então para esses a doutrina da vinda de Cristo se tornou um objeto claro de alguma desejada controvérsia.
Diante desse pano de fundo eclesiástico estamos certos de que as coisas devem ser esclarecidas, pois é bem provável que tanto o desprezo em relação ao assunto quanto a obsessiva observação teológica podem estar sob uma falsa compreensão do reino de Deus e suas nuanças. Propomos esse ensaio para esclarecer o que Bíblia fala no tocante a este Dia e qual tipo de esperança que devemos nutrir em relação a estas coisas.

1. A ESPERANÇA NO ANTIGO TESTAMENTO

No Antigo Testamento observamos uma grande parte do povo de Deus expressando a firme expectativa quanto ao momento em que Deus reinará no mundo. Especialmente essa esperança mostrava-se o foco pelo qual Israel caminhava, pois, naquele Dia, a própria nação teria a sua sorte restaurada. Um reino teocrático era uma forte esperança para os judeus; o Messias seria enviado e os colocaria em uma posição de liderança em relação às outras nações da terra, Ele mesmo, visivelmente, estaria no meio do Seu povo e os reestabeleceria. Por conseguinte, a esperança no tempo do Antigo Testamento revelava-se especialmente na expectativa do reinado messiânico com primazia judaica. Logo, a definição de suas características é algo necessário assim como outros pontos da esperança na antiga aliança ligados aos últimos eventos da humanidade.

1.1  O reino teocrático
No aspecto futuro, o reino de Deus fora predito pelos profetas e isso se tornou um tema recorrente em suas pregações.  Porém qual a relevância de um reino futuro para os judeus que estavam sendo destruídos pelos babilônios, por exemplo? Qual a importância em acreditar que o rei voltaria, futuramente, e estabeleceria o seu reino se o sofrimento era agora?
Podemos dizer que a resposta mais provável para essa questão é que no reino estabelecido pelo Messias, os judeus que tanto sofreram nas mãos dos gentios experimentarão descanso e posição de liderança com Ele sobre todas as demais nações. Conforme diz o profeta Isaías, o que acontecerá no futuro será algo de grande conforto, pois “nos últimos dias, acontecerá que o monte da Casa do SENHOR será estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre os outeiros, e para ele afluirão todos os povos” (2.4), assim o que aguarda esse povo é algo muito maior do que aqueles sofrimentos causados pelo exílio. Ou seja, não haverá espaço para a derrota do povo de Deus novamente, a humilhação que estes sofrerão em sua história será algo que não mais existirá, porque “a arrogância do homem será abatida, e a sua altivez será humilhada; só o SENHOR será exaltado naquele dia” (2.17). 
É algo muito desagradável quando lemos que o povo de Israel sempre quebrava as leis que Ele lhes dava, o Senhor os repreendia quando isso acontecia, depois usava de paciência com este povo ao conceder-lhes o perdão. Todavia, o povo desobedecia novamente e permanecia assim até provarem da disciplina do Senhor por seus próprios pecados: exílio, pobreza, dispersão etc. Assim, depois de repetidos atos de obstinação, o Senhor promete que fará um novo concerto com o seu povo. Isso fora profetizado por Jeremias, o qual falava ao povo da grande longanimidade do Senhor para os seus amados, pois “vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá” (31.31).
Essa aliança era algo prometido para o futuro, pois ela seria firmada “depois daqueles dias” (31.33).Logo, se o povo de Deus receberá uma nova oportunidade, há grande motivo para esperança.
Esse caráter novo do relacionamento de Deus com o Seu povo mostrava-se muito otimista em Seu reinado sobre eles, pois essa Nova Aliança foi feita com a nação e esta terá proeminência nesse domínio. Assim, o Senhor mesmo se encarrega de dizer que naquele dia “levantarei a Davi um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra” (23.5), a linguagem estritamente judaica explica a razão que essas promessas causaram tantas expectativas para o típico judeu do Antigo Testamento.
A promessa relatada em boa parte do material profético é que o reino que Deus prometera ao seu povo é um reino teocrático (Zc 14.1-21), o povo do Senhor será o guia de todas as nações que buscarem a Ele (Mq. 4.2), o Messias (Cristo) esperado reinará com graça e poder do Espírito Santo (Is 11.2-5). Não podemos esquecer que lhes fora falado que esse reino será terreno e essa expectativa foi alimentada pelos profetas que lhes transmitiam a palavra do Senhor, por isso deve ser indesejável ao intérprete da Bíblia a mudança do significado e da essência desse reino, embora as características acidentais deste possam variar um pouco em seu cumprimento.

1.2  Os efeitos desse reino
Como o Antigo Testamento prova holisticamente a vida do reino de Deus a terra, torna-se certo que esse reino terá alguns traços específicos. É fato que desde quando o povo solicitou um rei (1Sm 8. 19), a nação experimentou momentos de declínio, porém mesmo em momentos de elevo político a nação passava por guerras frequentemente (2 Sm 18. 17),  e a paz era algo distante de se alcançar.
Em sua formação como uma nação (e pouco tempo depois) o povo de Deus já passava por momentos difíceis, diante disso era prudente perguntar sobre o que mais poderia esperar esse povo de bom para o futuro. Contra todas as expectativas pessimistas, o povo recebe palavras de paz baseadas no que Deus irá fazer no Seu reinado (Is. 11.1-16), assim é verdade que eles foram escravos entre os egípcios, sofreram muito entre os babilônios, e a guerra a muito era uma companheira indesejável, porém, o reino do Senhor trará em sua esteira a serenidade de uma criação em restauração. Até mesmo “o lobo habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um pequenino os guiará” (11.6), o que expressa nessa profecia de Isaías um poder transformador até mesmo na ordem da natureza. Porque a natureza será transformada, o iniciador disso tudo é o Rei transformador que fará cessar a violência, e nessa terra o Senhor reafirma que “o meu povo habitará em moradas de paz, em moradas bem seguras e em lugares quietos e tranquilos” (32.18), a condições desse mundo serão afetadas e nessa terra os filhos da aliança “habitarão nela seguros, edificarão casas e plantarão vinhas; sim, habitarão seguros” (Ez 28.26).
Grande esperança era mantida pelo povo judeu porque lhes fora profetizado que nesse reino, além da paz, haverá um estado de santidade na terra, pois o Senhor mesmo promete que “então, vos lembrareis dos vossos maus caminhos e dos vossos feitos que não foram bons; tereis nojo de vós mesmos por causa das vossas iniqüidades e das vossas abominações” (Ez 36.31). Isso, realmente, era o que o povo necessitava, pois apesar de tantos pecados e repetidas disciplinas, somente o reino grandioso do Senhor poderia mudar aquela situação. Porém não apenas a santidade será um grande marco naquele Dia, pois o conhecimento de Deus será o prazer de todos os povos e perante Ele “irão muitas nações e dirão: Vinde, e subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião procederá a lei, e a palavra do SENHOR” (Mq 4.2).
Além dessas, outras características são evidenciadas na literatura do Antigo Testamento sobre este reino esperado: grande regozijo entre o povo do pacto (Is 9.3,4;Zc 10.6,7); os justos se fartarão na retribuição do Senhor(Jr 23.5; 31.23,25); haverá expansão do conhecimento do Senhor(Is 54.13; Hb 2.14), os povos serão pleno do Espirito Santo (Jl 2.28,29; Ez 11.19,20; 36.26,27), através do trabalho honesto a prosperidade econômica será uma realidade na terra (Is30,23,24; Jr 31.12;Ez 34. 26) e muitos outros aspectos próprios desse reinado.

1.3  A ética do reino
Se o rei dessa monarquia mundial será o Senhor, então certamente ele regerá a terra segundo as suas leis. Por isso, a teologia do antigo testamento mostra claramente que no reinado esperado será baseado na lei de deus que regerá todas as nações. Durante esse período o julgamento acontecerá de maneira que não haverá injustiça, porque a lei do Senhor se estabelecerá fortemente e “não julgará pela aparência, nem decidirá com base no que ouviu; mas com retidão julgará os necessitados, com justiça tomará decisões em favor dos pobres” (Is 11.3).
A norma das decisões será o mandamento do Senhor, as sua lei determinará a conduta de toda a terra naquele dia. Porém o povo da aliança será o meio no qual essas nações aprenderão sobre os caminhos de Deus, pois quando chegar o Dia de domínio do Rei “virão muitos povos e dirão: "Venham, subamos ao monte do Senhor, ao templo do Deus de Jacó, para que ele nos ensine os seus caminhos, e assim andemos em suas veredas". Pois, a lei sairá de Sião, de Jerusalém virá a palavra do Senhor”(2.3). Assim a paz dominará, porque “ele julgará entre as nações e resolverá contendas de muitos povos”, a paz será uma realidade e, ao mesmo tempo, uma consequência desse mundo que será regido pelas leis de Deus ao ponto que os homens “farão de suas espadas arados, e de suas lanças foices. Uma nação não mais pegará em armas para atacar outra nação, elas jamais tornarão a preparar-se para a guerra” (2.4).Tão logo apresenta-se a paz futura como uma esperança completa é natural perguntar-se, como haverá plena paz em todo o mundo? A resposta vem da esperança de um Rei que dominará através de suas leis. Por conseguinte a paz tão almejada por Israel, e que fora tão frustrada não poucas vezes, será algo tangível e notório.

1.4  A ressurreição e o juízo final
É algo muito importante observarmos que já na literatura veterotestamentáriaa escatologia é deveras clara em alguns pontos, dois desses assuntos que merecem destaque é a doutrina da ressurreição e do juízo final.
A esperança do povo de Deus repousava não somente no reinado do Messias aqui na terra, mas na gloriosa ressurreição do corpo. A expectativa dos judeus estendia-se além do temporário e terreno, é verdade que as bênçãos experimentadas no Reino seriam maravilhosas, mas, e diante da morte acabará tudo?
Jó mantinha uma confiança vívida de que ele não teria a sua esperança finalizada pela a morte, pois ao falar da soberania de Deus sobre o seu futuro pôde asseverar que “embora ele me mate, ainda assim esperarei nele”(13.15), não há motivo para temer de que a esperança será frustrada, existe um belo futuro que o aguarda e o sofrimento que ele passava era um item doloroso em sua vida temporária.
De maneira semelhante Daniel expressa claramente o entendimento comum da fé judaica em uma ressurreição futura, porém a sua declaração enfatiza uma coletividade daquele evento. Assim, enquanto Jó fala do que acontecerá a si próprio, o profeta Daniel informa que “muitos dos que dormem no pó da terra ressuscitarão” apontando para os objetos da ressurreição e prossegue afirmando a benção de “uns para a vida eterna” naquele evento e de “e outros para vergonha e horror eterno” (12.2).
Ao examinar esse texto, Calvino conclui que “a palavra muitos aqui parece claramente expressar o todo, pois o anjo não usa a palavra em contraste com todos ou poucos, mas apenas como unidade”, isso significa que a expressão deve-se tratar da maneira mais extensiva possível, pois como essa ressurreição tem em vista o estado eterno de sofrimento ou bem-aventurança, então “isso mostra que o anjo está tratando da ressurreição final, a qual é comum a todos, e não admite exceções” (2002, p. 442). Ou seja, está sendo reverberado algo além dos objetos da ressurreição: a própria linguagem de juízo para os que recebem a vergonha eterna. Essa temática de julgamento final esboça a teologia de Isaías 66.24 e parecem caminhar juntas (ressurreição e juízo) no Antigo Testamento (cf. Dn 12 3; Is 66. 22,23).

2. A ESPERANÇA NO NOVO TESTAMENTO.
A escatologia do Novo Testamento ecoa os mesmos temas do Antigo Testamento, todavia e forma de cumprimento e reafirmação. Dessa forma o reino de Deus ainda é um tema que permeia as Escrituras do Novo Testamento.
Então se o reino é algo reafirmado pelo o Novo Testamento, então quer dizer que novamente serão feitas profecias acerca desse reino futuro? Podemos responder a isso com um sim e um não. Sim, porque de certa forma o Novo Testamento fala de um período de consumação plena (Mt 25.34,46; Ap. 21-22) que o povo de Deus experimentará no futuro nessa terra que será restaurada plenamente, então nesse sentido o reino “ainda não” chegou. No entanto um sonoro “não” deve ser afirmado quando observamos que uma grande porção desse reino invadiu a história da humanidade com grande poder através do evento-Cristo.
Assim, a tônica do Novo Testamento é que o reino “já” chegou através do primeiro advento de Cristo. Logo, se o reino estava na iminência de chegar seria necessáriauma preparação profética para a vinda do Rei conforme predita pelos profetas (Is. 40.3; Ml 3.1-2; 4.5), o que se cumpre em João Batista (Mt 3.2).
Essa pregação da vinda do reino ocupava lugar de proeminência nas declarações deCristo, conforme Mateus 4.17. Como evidência da chegada desse reino (10.7), o Senhor mesmo afirmou de maneira muito clara aos judeus céticos que este reino profetizadojá se torna uma realidade através dEle em seu ministério. Logo, ao curar o endemoninhado cego e mudo, o Senhor pode evidenciar que “Se, porém, eu expulso demônios pelo Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós” (12.28). Pelo fato que Jesus mesmo veio trazer o reino prometido(Is 42. 1-4 cf. Mt. 12.17-21), seria necessário primeiro acorrentar a Satanás, limitando o seu poder “ou como pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro amarrá-lo?” (12.29).
Contudo isso poderia ser algo frustrante para os fariseus que aguardavam de maneira literalista o Reino em seu tempo, pois o cumprimento dessas profecias em Cristo não foram estritamente literais. Sendo assim, a glória externa desse reino deveria ser considerada com um fator secundário, pois “não vem o reino de Deus com visível aparência” (Lc 17.20), aqui Cristo esclarece que a maneira cataclísmica da chegado do reino conforme esperada pelos judeus não era uma realidade “porque o reino de Deus está dentro de vós” (Lc. 17.21), ou seja, o reino que atua nos homem é que transformará e dará molde as características externas e secundárias. Portanto, seria correto afirmar que de certo modo a expectativa daqueles primeiros ouvintes de Cristo não estava correta, pois “o reino já está presente em meio aos homens; e Jesus foi categórico ao responder aos fariseus, desanimando-os de procurar por um reino futuro que viesse com aparato externo de Glória"(LADD, 2008, p. 18), isso não significa que um tempo de glória última e plena está descartado, mas que esse é um fator subsequente na operação e influência do reino que já chegou.

2.1. Os receptores do reino
Ao tratarmos sobre o Reino no Novo testamento devemos ser cautelosos na interpretação das profecias veterotestamentárias, pois há uma grande confusão quando se entende que todas elas sejam cumpridas literalmente, pois existe certa elasticidade pelos autores do Novo Testamento na interpretação do cumprimento das profecias bíblicas de Israel para a Igreja, como por exemplo: Jl 2.28-32; Am 9.11-12; cf. At 2. 17-21 At 15.15-19.Por isso,é difícil “evitar a conclusão que o Novo Testamento aplica profecias do Antigo Testamento à igreja neotestamentária, e assim fazendo identifica a igreja com o Israel espiritual” (LADD apudCLOUSE, 1985, p. 22).
As profecias relacionadas às bem-aventuranças daquele povo iniciam o seu cumprimento na igreja, um exemplo claro disso é a profecia de Jeremias 31.31-34 sobre o grande estado de felicidade que Deus traria sobre o seu povo, porém o inicio do cumprimento desta profecia acontece na igreja (Hb8. 8-12).Esse esclarecimento do autor sagrado de que Cristo é o mediador de uma superior aliança é usada como uma advertência àquela comunidade para que não retornassem ao judaísmo que era uma expressão da aliança “antiquada” (8.13).
Ainda que essa promessa fizesse referência a “casa de Israel e com a casa de Judá” (Jr 31.31), sabemos também a promessa se refere àqueles que de fato são os verdadeiros israelitas, pois “nem todos os de Israel são, de fato israelitas” (Rm 9.6), mas “os da fé é que são filhos de Abraão” (Gl 3.7) e os que “são da fé são abençoados com o crente Abraão” (3.9).

2.2A expansão do reino
Se a igreja herda as promessas do reino que foram preditas a principio aos judeus, então significa que os primeiros perderam a sua promessa? A resposta deve ser negativa, no que se refere a Deus ainda ter uma promessa para eles na história da redenção. Certamente “Deus não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu” (Rm 11.18), ainda que os judeus perdessem proeminência nesse reino (por causa do seu endurecimento e rejeição a Cristo) e agora fazem parte deste, como integrantes da igreja de Cristo.No entanto, é fato que lhes aguarda grande benção para o futuro, porque “veio endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios” (11. 25).
Assim, o contexto de Romanos 11 é escatológico e trata do que Deus fará aos judeus e gentios, essa relação da plenitude de Israel com o juízo divino está estritamente ligada a teologia de Lucas em 21.23-24.Tendo a afirmação supracitada como pano de fundo, então podemos dizer que a plenitude (pleroma) dos gentios e a conversão dos judeus são grandes evidências do crescimento do reino e da aproximação da consumação escatológica.
Um segundo fator que mostra o favor de Deus para o crescimento do reino em nossa era cristã são as parábolas do Reino (Mt 13.31-33). Essas parábolas, mostarda e fermento, são descrições do que Deus fará em seu reino implantado através de Cristo, ou seja, haverá grande crescimento. Esse texto parece esclarecer o que Jesus dissera anteriormente (vv.10-17), agora Ele estimula os seus discípulos com a realidade do sucesso e crescimento extraordinário do reino.
Por conseguinte, não devemos desconsiderar que o Reino, permanece para sempre como “um grão de mostarda, que um homem tomou e plantou no seu campo” (13.31), isso poderia tentar aos ouvintes originais de Cristo a considerar que o reino prometido pelos os profetas não estava sendo concretizado, pelo o contrário mostrava-se pequeno, não intimidador, pouco influente e sem expressão de expansão. Porém, o Senhor esclarece que não devemos desconsiderar o pequeno inicio, pois o Seu reino assemelha-se a este grão “o qual é, na verdade, a menor de todas as sementes, e, crescida, é maior do que as hortaliças, e se faz árvore, de modo que as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos” (13.32). O fato desse Reino se manter humilde no principio, mas imponente no seu desenvolvimento é algo claro. Porém o que significa a expressão “as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos”?
A figura de uma arvore com aves se aninhando em seus galhos leva-nos ao pano de fundo do Antigo Testamento, especialmente em Ezequiel 17.23 quando afirma uma promessa que Deus cumprirá ao Seu povo de que eles seriam plantados pelo Senhor e Ele mesmo nutriria e faria crescer, pois “o plantarei, e produzirá ramos, dará frutos e se fará cedro excelente. Debaixo dele, habitarão animais de toda sorte, e à sombra dos seus ramos se aninharão aves de toda espécie”. Essa mesma figura é repetida em Daniel 4.12-22 na interpretação do sonho de Nabucodonosor, ele se tornara uma grande árvore e as aves, as “extremidades da terra”, dependiam do seu reinado e domínio. Assim, R.T. France assevera com agudez que, em sua análise, “esta parábola convida a uma comparação entre o grande, porém de curta duração terrena do império babilônio, e o muito maior e mais permanente reino dos céus” (2007, p. 527).
Da mesma forma a parábola do fermento expressa a influência do reino permeando o mundo, contudo não está expresso aqui se essa influência acontece de forma lenta ou cataclísmica, progressivamente ou com percalços, devemos ter em vista que apesar de muitas adversidades o reino dos céus, um dia, influenciará todo o mundo (Ap.21.22). Embora as duas parábolas estejam estritamente relacionadas quanto ao sucesso do reino, esta parábola do “fermento ensina que o reino um dia prevalecerá, a ponto de não existir nenhum reino soberano que possa ser seu rival. Toda a massa de farinha ficará fermentada” (LADD, 2003, p. 133-134).

2.1 A consumação do Reino
A consumação desse reino acontecerá na segunda vinda de Cristo (1Co 15.22-55), com isso queremos dizer que a afirmativa paulina é que Cristo vem a segunda vez para trazer o fim, não para inaugura um período intermediário.Pois quando o Senhor retornar haverá a ressurreição dos “que são de Cristo, na sua vinda [...] e, então, virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai” (vv. 23,24).
Ou seja, através da Sua obra, todos os inimigos estão sendo subjugados por Cristoconforme profetizado no salmo messiânico (Sl 110) e confirmado no Novo Testamento (At 2.34,35). Assim, a epístola aos Hebreus (2.8) mostra que é um fato estabelecido no período da Nova Aliança que “todas as coisas sujeitaste debaixo dos seus pés” e ainda “desde que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixou fora do seu domínio”, embora seja considerável que, pelo menos “agora, porém, ainda não vemos todas as coisas a ele sujeitas”.
O amadurecimento (completude) do reino não deve ser identificado como alguma era dourada ou cumprimento literal de promessas feitas no Antigo Testamento, antes devemos esperar que esse amadurecimento ocorrerá completamente na consumação escatológica, ou seja,no ingresso para o reino eterno. Assim, o Novo Testamento desconhece um período intermediário no qual aquelas promessas veterotestamentárias se cumprirão, em uma era intermediária, ou em um mundo entre duas eras: a presente  e a porvir (cf. Mc 10.30; Lc20.34-36; Ef 1.21).
Logo, o reino foi inaugurado por Cristo em sua primeira vinda e o mesmo se prolongará no Novo Céu e Nova Terra (Is 65.17-19 cf.Ap 21.1-4), sustentar um período que não é nem a Nova Criação, no sentido pleno da revelação bíblica, e nem este presente mundo (ainda que o seja de maneira melhorada) é ultrapassar os limites da revelação e impregnar um entendimento estranho ao Novo Testamento por causa de um sistema escatológico.

3. PRÉ-MILENISMO
O pré-milenismo se tornou uma visão da igreja majoritária do nosso tempo. O grande motivo foi expansão missionária do movimento fundamentalista, no qual como uma reação conservadora ao liberalismo teológico do século XX acabou adotando uma visão mais literalista de muitas profecias do Antigo Testamento.
Para esta perspectiva, mais conhecida como dispensacionalismo, além de ser mantida uma forte convicção em um período de paz inaugurado com a segunda vinda de Cristo, mas ainda não a Restauração de todas as coisas, acredita que muitas das profecias bíblicas do Antigo Testamento encontrarão cumprimento nesse período milenar (Apocalipse 20). Assim, segundo o pré-milenismo dispensacionalista, quando Cristo retornar a segunda vez para estabelecer o milênio, então isso acontecerá de tal modo que o templo, sacrifícios e o sacerdócio serão restaurados, quando os judeus reinarem sobre a terra em um período de mil anos (Ez 36-48;Ap 20. 1-6).
Devido a preferência dispensacionalista por um cumprimento rígido e literal das profecias veterotestamentárias um “historicismo estranho levou muitos dispensacionalistas a identificar a fundação do Estado de Israel, em 1948, como de profecia, que por sua vez resultou num apoio em geral acrítico a Israel, para que ninguém seja flagrado trabalhando contra os propósitos de Deus” (SAWYER, 2009, p. 425).Ou seja,doses de expectativa excessiva no futuro fizeram com que esse sistema desse uma interpretação aos eventos da história ao ponto de considerá-los seriamente a partir de então.Assim, hoje dificilmente algum dispensacionalista não concordaria que esse evento (a fundação do Estado de Israel em 1948) não está conectado em algum tipo de tratamento especial de Deus com os judeus como um cumprimento de alguma profecia bíblica.
Uma segunda forma de pré-milenismo, essa é a expressão mais antiga, o chamado pré-milenismo histórico. Segundo o pré-milenismo histórico, também conhecido como pós-tribulacionista, não há motivo para se acreditar em um caráter mais judaico no período do milênio (embora seja um período de paz e prosperidade mundial pós-parousia), todavia baseia-se tacitamente sua concepção de um milênio futuro e terreno reconhecendo que no “único lugar da Bíblia que fala de um milênio real é a passagem de Apocalipse 20.1-6. Qualquer doutrina do milênio deve basear-se na exegese mais natural desta passagem (LADD apud CLOUSE, 1985, p. 31).

3.1 O pré-milenismo e Apocalipse 20. 1-6.
Para o pré-milenista é crucial a certeza de um reino milenar futuro por causa de sua completa dependência do texto de Apocalipse 20.Esta é a condição sinequa non para a sustentação da doutrina. Dessa forma os dispensacionalistas adaptam as profecias veterotestamentárias nesse texto e o pré-milenismo histórico também retém a sua teologia baseada nessa mesma porção para assegurar as suas afirmativas milenaristas.
Segundo o pré-milenista Wayne Grudem, o fato de esta doutrina ser evidenciada, pelo menos de maneira explicita, apenas em Apocalipse 20 não invalida a crença em um milênio futuro e terreno de paz, porque “basta que a Bíblia diga uma coisa uma vez para que ela seja verdadeira e algo em que devemos crer [...]” tendo em vista a revelação progressiva os autores do Novo Testamento, especialmente João como o ultimo escritor inspirado, e “uma vez que Apocalipse é o livro do Novo Testamento que ensina de modo mais explicito sobre as coisas ainda no futuro, é apropriado que essa revelação mais explicita do futuro milênio fosse colocada neste ponto da Bíblia” (1999, p. 953). Logo, se essa é uma base segura para o pré-milenarismo, então deve ser também uma base forte a crença na construção e demolição da torre de Babel (Gn 11.1-9), na qual todos os crentes confirmam, porém é apenas nesse texto de Gênesis que essa história é contada. E assim prossegue a coerência textual dessa perspectiva dentro desse argumento.
Na interpretação do Apocalipse, o Pré-milenismo histórico e o dispensacionalismo creem que este livro deve ser lido de maneira futurista, ainda que existam divergências sobre a intensidade desse caráter futuro e alguns pequenos detalhes em relação ao papel de Israel naquele tempo.
Porém é fato entre os adeptos de ambos os grupos, que o texto (Ap 20. 1-6) deve ser considerado como um período futuro de: paz e prosperidade;em que Satanás será preso para não mais agir nesse mundo durante o milênio (vv.1-3); a primeira ressurreição física acontecerá após a segunda vinda de Cristo e prisão de Satanás, na qualos tronos estarão na terra e que os crentes se assentarão para reinar (v.4);  a segunda ressurreição física, dos descrentes, acontecerá após o milênio (v.5); depois do reinado futuro de Cristo na terra (pós-parousia) Satanás será solto e seduzirá as nações congregando um interminável número delas para a peleja contra os santos (vv. 7-10); haverá  o julgamento final (vv. 11-15). Essa é a estrutura da primeira perícope de Apocalipse 20, sendo demonstrada assim é levada a sério porções de literalismo, futurismo e uma interpretação inclinada a questões anti-simbólicas (como o amilenismo, por exemplo).
Por ser um texto chave para essa perspectiva escatológica, muitos pré-milenaristas insistem que a sua leitura de Apocalipse 20 é a mais pura, simples e desligada de comprometimentos de sistemas. Assim, ainda que pré-milenistas assumam os riscos de basear esta posição com base em praticamente um texto, contudo mantêm a ignorância quanto ao que exatamente acontecerá e aos outros detalhes daquela era futura pós-parousia:
assim, não é de admirar se, antes do estado eterno, Deus tiver instituído um passo final no desvendar progressivo da história da redenção. Isso serviria para aumentar a sua glória quando os homens e anjos levantarem os olhos, surpresos com a maravilha da sabedoria e do plano divinos (GRUDEM, 1999, p.957).

Essa afirmativa deixa claro que ainda que algum tipo de milênio seja buscado no AT, porém ele só aparece de maneira clara e inequívoca apenas nesse texto. Assim,permanece a questão para ser decidida sobre: o caráter desse milênio, o que significa a prisão de Satanás e o reinado dos santos durante esse período; na qual trataremos a seguir como uma resposta ao pré-milenismo.

4. PROBLEMAS DO PRÉ-MILENISMO.
O principal argumento utilizado pelos teólogos pré-milenistas é o de que ao fazerem a sua teologia em Ap 20, são os únicos capazes de oferecer uma leitura simples e natural do referido texto. Por conseguinte, se outras opções de milênio não se adequarem a pré-milenarista, então apresentam uma grande rejeição a qualquer opção alternativa, como o comentário de Wayne Grudem que “uma objeção importante ao amilenismo deve continuar sendo o fato de não conseguir propor nenhuma explicação realmente satisfatória para o Apocalipse” (p. 957). Mas será realmente que a leitura desse texto conforme apresentado pelo pré-milenismo é realmente uma leitura simples, natural e que flui do texto ao ponto desta ser a única interpretação viável?

4. 1 Apocalipse 20.1-6 não ensina a doutrina pré-milenista
É importante observar que o principal argumento em favor de um milênio futuro e pós-parousia de paz e prosperidade baseado nessa pequena porção das Escrituras é norteado por algum tipo de purismo, como se um texto como esses com tantas interpretações controversas pudesse favorecer um fundamento para todo um sistema. Assim, entendemos que a leitura pré-milenista desse não é de forma alguma natural ou desprovida de pré-concepções, pelo contrário:

mesmo a interpretação literal dos prémilenistas não é coerentemente literal, pois entende a corrente do versículo 1 e também, conseqüentemente[sic], a prisão do versículo 2 figuradamente, muitas vezes concebe os mil anos como um longo mas indefinido período, e transforma as almas do versículo 4 em santos ressurretos. Estritamente falando, a passagem não diz que as classes referidas (os santos mártires e os que não adoraram a besta) ressuscitaram dos mortos, mas simplesmente que viveram e reinaram com Cristo. E se declara que este viver e reinar com Cristo constitui a primeira ressurreição. Não há absolutamente nenhuma indicação nestes versículos de que Cristo e os Seus santos estão exercendo governo na terra. À luz de passagens como Ap 4.4 e 6.9, é muito mais provável que a cena se passa no céu. Também merece nota que a passagem não faz menção nenhuma da Palestina, de Jerusalém, do templo e dos judeus, os cidadãos naturais do reino milenar. Não há nenhuma insinuação de que esses elementos estejam de algum modo relacionados com este reinado de mil anos(BERKHOF, 2007, p. 659).


Sobre a prisão de Satanás nada nos é dito no texto bíblico (vv.1-3) que pinte as cores imaginadas pelos pré-milenistas sobre esse suposto tempo futuro, apenas diz que “Satanás foi preso para não mais enganar os gentios” (ta ethne). Apenas uma limitação é descrita aqui e “temos de lembrar que prender Satanás é uma maneira simbólica de dizer que seu poder e sua atividade foram reduzidos drasticamente; não significa imobilidade total” (LADD, 1980, p. 195). Porém mesmo reconhecendo que Cristo prendeu o valente através de sua primeira vinda (deo cf. Mt 12.28-29) e o expulsou através da Sua obra (ekballõé a mesma palavra usada pelo o autor de Apocalipse em Jo 12.31-32) para que o evangelho fosse pregado além do povo de Israel, ou seja agora para todas as nações (pasin tois ethnesin cf. Mt 24.14; 28.19), o sistema pré-milenista ainda permanece aguardando uma prisão no futuro que nem é essa prisão conforme o exame supracitado e nem é a derrota definitiva de Satanás (Ap. 20.10), ou seja, algo estranho a todo o Novo Testamento.
Mas se a prisão de Satanás (vv. 1-3) não é algo futuro, porém que já aconteceu através da primeira vinda de Cristo, então o que dizer do reinado dos santos (vv. 4-6)? É importante lembrar que o texto apenas diz que João viu “tronos, e nestes sentaram-se aqueles a quem foi dada autoridade de julgar” (v.4), o texto não diz que esses tronos estão na terra; o anjo desce do céu para prender a Satanás no primeiro versículo, mas em relação aos tronos (v.4) não há esse indicativo que confirme que esses tronos estão na terra também.
Por tanto, uma vez que temos uma afirmação de que as almas dos decapitados são aqueles que “vivem e reinam” (v.5), não é improvável que sejam os mesmos agentes que ocupam lugares de posição ao se assentarem nos tronos. Há um detalhe importante, o texto diz que quem vive e reina são almas; e mais adiante, diz “dos decapitados”, ou seja, é como se estivesse quase fazendo um contraste de almas com os corpos daqueles mártires, no qual também já tinha sido expressa em passagem paralela (6.9-11) a situação dessas mesmas almas-mártires no céu com o Senhor. Por conseguinte merece observação também o fato de que “na passagem inteira não uma única palavra sobre a ressurreição dos corpos” (HENDRIKSEN, 2001, p. 254).
Outra forte evidência que esse período de reinado dos santos (vv.4,5) ocorre durante o estado intermediário é que, conforme analisou a grande autoridade no livro de Apocalipse, G. K. Beale:

o paralelo com 6:9 sugere fortemente que a cena aqui também é ilustrada  como o reinado dos santos no céu e não sobre a terra (como também7: 14-17). Eles permaneceram fiéis até a morte, quer seja pelo o martírio ou não. A localização celestial dos tronos em 20:4 é evidente a partir da observação de que das quarenta e seis vezes que a palavra trono (thronos) aparece em quarenta e quatro ocorrências nesse livro claramente esses tronos estão no céu. A permanência de três usos desta refere-se ao trono de Satanás e da besta, que também não se trata de algo terreno, mas localizado em uma dimensão espiritual.(1999, p. 998, 999)

O que é interessante é que mesmo como uma probabilidade mínima de uso dessa palavra para servir de apoio ao pré-milenismo, mesmo com tanta dificuldade em harmonizar os usos desta palavra nesse livro, ainda assim prefere-se assumir e montar a combinação de um sistema baseado em um uso único.
Uma questão que tem se enfatizado com bastante frequência é que a palavra viver(ezesan)nunca é utilizada com algum outro sentido senão o de ressurreição corporal (Mt 9.18; Rm 14.9; 2 Co 3.14;Ap 2.8), porém encontramos em Lucas 20.36-38 o registro de Cristo confrontando os fariseus que não asseguravam não somente descrença em relação a ressurreição, mas também do estado intermediário da alma (diferente dos fariseus), aos quais é dito que os mortos Abraão, Isaque e Jacó estão vivos diante de Deus (v.38), “ora, Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos; porque para Ele todos vivem” (pantes gar auto zõsin). Em relação a esse texto Lucas (20.36-38), o Dr. Joel Green assegura de que esta afirmativa de Cristo aos saduceus “conclui que Abraão, Isaque e Jacó devem, portanto, ainda estar vivos [...]” e que a Sua idéia nesse texto “lembra a teologia de 4 Mac 7.19; 16.25, onde é afirmado que os mártires vivem diante de Deus da mesma forma como esses patriarcas” (1997, p. 722).
Esse “viver” era uma realidade presente também na teologia do Antigo Testamento, pois o argumento de Cristo foi tirado do texto de Ex 3.1-6 afirmando que “Deus não é Deus de mortos, e sim de vivos” como uma menção feita por Cristo de “que, na ocasião em que o livro de Êxodo foi escrito todos esses patriarcas já estavam mortos muito tempo” e “se Deus, entretanto, afirma que ainda tem um relacionamento com eles, de alguma forma eles ainda estão vivos” (ISAAK apud ADEYEMO, 2010, p. 1274). Ou seja, não somente a teologia do estado intermediário é algo que permeia o Antigo Testamento e que passeia pelo período inter-bíblico, caminha pelo Novo Testamento até Apocalipse como uma expressão segura de conforto esperança e relacionamento espiritual diante de Deus no céu (Ap 6.9-11; 20. 4).
Se é fato que essas almas “vivem e reinam com Cristo”, qual, então,  é o período desse estado de bem aventurança? A resposta deriva do próprio texto, no qual nos mostra os três primeiros versículos à visão que João teve de uma prisão de mil anos imposta sobre Satanás (vv. 1-3), porém a partir dos próximos versículos (vv.4-6) observamos que essas almas também vivem e reinam por um período igual de mil anos.
 Por período de mil anos não desejamos dizer que o Apóstolo que isto seja um número literal, pois devido o gênero literário desse livro, é provável “por causa dos óbvios números simbólicos de Apocalipse” e “mil equivale a dez elevado à terceira potência – um número ideal” (LADD, 1980, p.194). O que significa que a vida e reinado desses santos é algo favorável, ideal e completo; ou seja, “é viver com Cristo: “e viveram e reinaram com ele durante mil anos” (ver Ap 7.9ss.).No céu essas almas respondem de modo perfeito a um perfeito ambiente. E o que é vida senão isso?”(HENDRIKSEN, 2001, p. 254). Isso foi um grande conforto para os primeiros cristãos e ouvintes de João que tiveram parentes mortos cruelmente pela perseguição imposta através do império romano no séc. I (13. 1-18), mas que agora sabem que seus amados permanecem em um estado de bem-aventurança (14.13 cf. 20.5).

4.2 Um olhar mais próximo em Apocalipse 19-20
Outro problema para a teologia pré-milenista é a crença de que os capítulos de Apocalipse obedecem uma sequencia cronológica, ainda que haja divergências entre pré-milenistas quanto a intensidade e frequencia dessa sequencia.  Todavia, para se sustentar um milênio pós-parousia, há unanimidade entre esses teólogos da perspectiva de sequencia  entre os capítulos 19-20.
Isso é problemático, pois o esse gênero literário não demanda tal rigidez de sequencia, mas o texto de Apocalipse apresenta uma série de relatos paralelos culminado no Juízo Final e/ou a Segunda Vinda de Cristo em sete seções que apresentam certo tipo de progressão lógica dos eventos descritos; caso contrário veremos a destruição completa e final do mesmo mundo e dos homens várias vezes, se for observado do ponto de vista de sequencia cronológica.
O que temos em questão é o fato de que é improvável haver sequencia  nessa parte crucial do texto (19-20), porque logo no capítulo dezenove é descrita a Segunda Vinda de Cristo e a Sua vingança contra os inimigos (besta, falso profeta e os descrentes). O texto nos diz que Ele vem para que “comais carnes de reis, carnes de comandantes, carnes de poderosos, carnes de cavalos e seus cavaleiros, carnes de TODOS, quer livres, que escravos, tanto pequenos como grandes” (v.18);ou seja, é um verdadeiro massacre e não resta ninguém(v.21).
O problema é que no final do texto de Ap. 20.10 (quando Satanás é solto após os mil anos), ele sai para “seduzir as nações” e as congrega para a batalha de Gogue e Magogue contra o povo de Deus.Porém resta-nos perguntar: Se já foram todos destruídos no capítulo dezenove, que é que sobra para ser seduzidos no final do milênio?
Outra questão que não existe resposta satisfatória à leitura feita pelo pré-milenismo  do texto em questão (Ap 19-20) é que após os mil anos quando Satanás for solto algo estranho também acontecerá.Ele, o diabo, além de seduzir as nações e ajuntá-las para a peleja contra o povo de Deus, parece que encontrará multidões ávidas pela sua soltura e nos é dito que em relação a essas nações “o número dessas é como a areia do mar (20.8), enquanto o povo de Deus é comparado a um acampamento e a uma cidade apenas (20.9) e “só fogo vindo do céu salva o frágil agrupamento” (GRIER, 1987, p.118).Mas se o período de mil anos aqui na terra era de plena paz, prosperidade, conversões, com os crentes ressuscitados de todas as gerações em todas as nações e os ímpios mortos somente ressuscitarão na segunda ressurreição, por que no final desse reinado de santos existem mais incrédulos do que crentes?Não deveria ser o contrário?
Alguns teólogos têm feito ligações de1 Corintios com Apocalipse 20 como se o texto paulino ensinasse o esse período de reino intermediário pós-parousia. Assim, Ladd, por exemplo, se mantêm otimistas em asseverar um provável milênio no ensino de Paulo, quando afirma que “há somente mais uma passagem no Novo Testamento que poderia estar considerando um governo temporal de Cristo entre a sua parousia e o telos: 1 Co 15.23-24” (1980, p. 199).
A tese de um provável reinado milenial em 1 Co 15. 23-25 é também defendida pelo teólogo Grudem:

Quando Paulo fala da ressurreição, diz que cada um receberá um corpo ressuscitado, segundo a própria ordem dele: Cristo as primícias, depois (epeita) os que são de Cristo, na sua vinda. E, então (eita) virá o fim, quando ele entregar o reino ao Deus e Pai, e quando houver destruído todo principado, bem como toda potestade e poder. Porque convém que reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés (1.Co15.23-25). As duas palavras grifadas nesse passagem (epeita e eita) significam “após”, não “ao mesmo tempo”. Por tanto a passagem dá alguma base para a ideia de que, assim como há um intervalo entre a ressurreição de Cristo e a sua segunda vinda, quando receberemos um corpo ressurreto (v.23), também há um intervalo entre a segunda vinda e o fim (v.24), quando Cristo entregar o reino a Deus depois de reinar por um tempo e colocar todos os inimigos sob os seus pés.  (1999, p. 965)


Com isso é dito que essa passagem ensina algo sobre um reino intermediário futuro, porém o Dr. Robert Mounce, um pré-milenista assumido, adverte que “a tentativa de atribuir uma crença no milênio sobre a base de 1 Co 15:20-28 não é algo convincente” (1997, p. 367).
Essa separação e intervalo rígido ocasionado pelas palavras “então” e “depois” não podem carregar todo o peso de suporte dessa doutrina tão crucial. Assim, Vosassume a análise do texto afirmando que:

[eita] pode ser usado como um tóte(então) para expressarmomentos de sequencias de eventos[...] de acordo com os versículos 50-58, quando os mortossão ressuscitados incorruptíveis, e os vivos são transformados (i.e. conforme o versículo23 na parousia), a morte é tragadana vitória. O Apóstolo aqui fala em termos de absoluta consumação. (1930, p. 243, 245)

Ou seja, simplesmente a passagem aponta para o que acontecerá no momento do retorno do Senhor, como por exemplo: a ressurreição e o estado final de tudo. Porém nos convém perguntar: que fim é esse (v.24) no texto?
Vejamos que mais a frente (v.52) o Apóstolo diz que quando houver a ressurreição da qual falara antes (v.23) trazida na vinda de Cristo, acontecerá também a transformação do nosso corpo mortal ao soar da última trombeta (v.52 cf. Ap. 11.15-19),e então a morte será destruída/aniquilada(cf. vv. 53-55).Assim todos os inimigos serão destruídos, o último é a morte; quando a morte for derrotada esse reino chegará ao final.
Porém os pré-milenistas acreditam que quando Cristo voltar, apesar de haver a ressurreição dos crentes, ainda assim, a morte ainda permanecerá no milênio. Dessa maneira, o fim não é chegado até que termine os mil anos, e ainda surge a pergunta ao perscrutador dessa doutrina: “se o glorioso salvador reinou durante mil anos e colocou todas as cousas, até o ultimo inimigo sob os seus pés, de onde virão as hostes malignas: (“dos quatro cantos da terra”) ao fim desses mil anos? Para essa pergunta não tem o pré-milenista resposta satisfatória”(GRIER, 1987, p.83).

4.3 O Antigo Testamento nada fala sobre o milênio
Por último, e não menos importante, o Antigo Testamento nada diz em relação a esse período,conforme foi atestado no inicio desse ensaio.  Mas não é difícil vermos anexados a doutrina de um milênio futuro, vários textos do Antigo Testamento. Porém o que existe simplesmente na interpretação desses temas proféticos é um descarregamento de textos da literatura veterotestamentária para dentro de seis frágeis versículos (Ap. 20.1-6) desse difícil gênero literário (Apocalipse).
Assim, por exemplo, o texto de Amós 9.11-12 poderia se referir a um período áureo de reinado messiânico, se não fosse o desenvolvimento da revelação progressiva através da aplicabilidade desse texto à igreja do Novo Testamento, conforme usado por Tiago (At 15. 15-18). E não apenas foi uma parte do cumprimento que foi usado nesse texto lucano, senão isso diminuiria a força do argumento do próprio Tiago.
O Antigo Testamento mostra a beatitude do povo de Deus no período presente (como a restauração sob Zorobabel) e, mais propriamente, sobre a doutrina do Novo Céu e Nova Terra. Assim, quando a Bíblia fala de um estado de grande paz e prosperidade, ela fala em linguagem fenomenológica (acomodação), logo um exemplo é importante: o texto de Isaías 65.17-25 mostra um período dourado de paz e felicidade, porém ao chegarmos no Novo Testamento observamos que isso é cumprido no Novo céu e Nova Terra (Is 65. 17 cf. Ap 21.1), esse é o lugar onde a Jerusalém de Deus vai permanecer (Is 65.18 cf. 21.2) e o lugar onde “nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem de clamor” (Is 65. 19 cf. Ap. 21.4).
Outras afirmações desse texto profético que diz que “aquele que morrer aos cem anos é morrer ainda jovem” (v.20) é algo comum na literatura profética e apocalíptica para descrever um período que as pessoas viverão sobremaneira, o próprio livro de Apocalipse usa isto ao dizer que no Novo Céu e Nova Terra haverá folhas para cura da nações (Ap. 22.2), mas isso não significa que haverá doença ali, apenas uma linguagem para o ouvinte contemporâneo do autor entendê-lo. É importante atentarmos ao benefício da revelação progressiva, embora os Judeus que a desprezam, nós cristãos não podemos repetir o mesmo erro ao tratarmos o texto do Antigo Testamento, porém é fato que:
o dispensacionalismo, juntamente com outras formas de pré-milenismo, é um sistema de teologia biblica defeituosa porque não extrai as suas pressuposições interpretativas da Biblia. Por exemplo, ele enfatiza que toda a profecia se cumpre num sentido literal. Isso não está de acordo com a evidência do Novo Testamento, que interpreta a profecia à luz de Cristo(GOLDSWORTHY, 2012, p.134).

Isso é um erroque foi advertido por Hoekema ao examinar as profecias de bem-aventurança que estão no Antigo Testamento concluindo que “as profecias desta natureza deveriam ser entendidas como descrições – certamente em linguagem figurada- da nova terra que Deus trará à existência após a volta de Cristo(2001, p. 325).Por isso concluímos que em lugar nenhum o Novo Testamento nos ensina uma esperança pré-milenar, pelo contrário a esperança da igreja repousava sobre a vinda de Cristo que inaugurará a restauração de todas as coisas.
Da mesma forma, em2 Pedro 3.10-13  nos ensina que a nossa postura em relação ao futuro é de estarmos “esperando e apressando a vinda do Dia de Deus [...]”, pois esse Dia não trará, um reino transitório chamado de milênio, mas “os céus serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão” (v.12) como própria a renovação de toda a “criação que geme e suporta angustias até agora”(Rm 8. 20-22); todavia para o cristão “segundo a sua promessa, esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (v.13).

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após a verificação da doutrina relacionada ao estado final das coisas, mais especificamente o reino de Deus e o milênio estamos certos de que a análise deve ter um interesse maior do que a simples curiosidade acadêmica, porque a forma como vemos os eventos relacionados ao fim determinará a nossa esperança e como ansiamos pelo seu objeto. É fato que a igreja contemporânea tem se mostrado indiferente relacionado ao que Deus fará no futuro ou com excessiva curiosidade de perscrutar o que não lhe foi revelado; cremos que são dois extremos que devem ser evitados.
Acima de todas as preferências que nutramos em direção a alguma preferência escatológica devemos, no entanto, estarmos certos de que ainda que determinada perspectiva seja adota como a melhor, essa não ficará isenta de problemas hermenêuticos e não poderá conceder todas as respostas necessárias. Cremos que a perspectiva amilenista é a que melhor referenda o texto de Apocalipse com o todo das Escrituras e que o pré-milenismo falha em deixar-se permitir que o fator determinante de sua esperança se encontre em um texto obscuro e que lhe dá pouca margem para analisar Escritura com Escritura. Porém reconhecemos que ambos os posicionamentos precisam ser respeitados, visto que há uma gama de eruditos e homens piedosos que abraçam ambos os sistemas.
Assim, devemos nos abster de qualquer opinião que não esteja fundamentada nas Escrituras, ainda que esteja seja muito atraente como opções escatológicas da teologia moderna. É fato que o Senhor voltará de maneira visível e estará para sempre com o seu povo, porém os detalhes em relação a esse evento é algo que não deve nos dividir ao ponto de gerar desamor por causa de certa preferência milenial. Certamente haverá grande transformação no coração, pensamento e prática da igreja hodierna quando houver mais dedicação aos textos bíblicos que tratam do assunto; humildade ao falar sobre isso e testemunho em relação aos eventos que nos aguardam. Haverá também piedade na vida diária da igreja quando nos detivermos mais sobre esse assunto com um espírito de oração. Que Cristo tenha misericórdia do Seu povo enquanto aguardamos o Seu retorno.

REFERÊNCIAS:

1.     FRANCE, R. T. The gospel of Matthew: The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 2007.

2. MOUNCE, Robert H. The book of Revelation: the new international commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 1997.

3.   BERKHOF, Louis. Teologia Sistemática. 3ª edição. São Paulo: Cultura Cristã, 2007.

4.     GRUDEM, Wayne. Teologia Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.

5.    ADEYEMO, Tokunboh. O comentário bíblico africano. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.

6. HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o futuro. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

7. HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores: uma interpretação do livro do Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.

8. GRIER, W. J. O maior de todos os acontecimentos. São Paulo: Luz Para o Caminho, 1987.

9. CLOUSE, Robert G. (editor). Milênio: significa e interpretações. Campinas: Luz Para o Caminho, 1990.

10. Beale, G. K. The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text. Grand Rapids, Mich: W.B. Eerdmans, 1999

11. GOLDSWORTHY, Graeme. Pregando toda a Bíblia como escritura cristã. São José dos Campos, Editora Fiel, 2012.

12. LADD, George E. Apocalipse: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1980.

13. SAWYER, James M. Uma introdução à teologia: das questões preliminares, da vocação e do labor teológico. São Paulo: Vida, 2009.

14. VOS, Geerhardus. The pauline eschatology. P & R Publishing Company, 1992. 

15. GREEN, Joel B. The gospel of Luke: The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 2007.




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