A ESPERANÇA CRISTÃ[1]
Um exame do milenismo à luz das Escrituras
SANTOS JUNIOR, Evandro Carvalho dos (ECS)[2]
RESUMO
Analisa
a escatologia à luz da Bíblia. A pesquisa prossegue verificando a esperança do
povo de Deus no Antigo Testamento, suas nuanças e o modo pelo qual a vinda do
reino era esperada no período veterotestamentário. Como o Novo Testamento trata
do assunto será o próximo tema a ser analisado; a forma como era identificada a
chegada do reino e a sua compatibilidade com o que fora predito pelos profetas.
O ensaio perpassa pela argumentação da perspectiva pré-milenista clássica e
dispensacionalista acerca da chegada do reino, suas crenças e fundamentos
baseados no texto de Ap. 20 e cognatos serão observados e depois objetados à
luz do texto em questão. Conclui com uma aplicação prática sobre a importância
de se pensar corretamente sobre o assunto e as ponderações necessárias que todo
cristão deve assumir para si.
PALAVRAS-CHAVE
Reino; milênio; parousia; pré-milenismo;
dispensacionalismo; Apocalipse 20; amilenismo; esperança.
INTRODUÇÃO
Não é sem razão que os
cristãos da nossa época refletem pouco sobre a segunda vinda de Cristo, pois os
cuidados e a sedução desse mundo têm causado certo tipo de embriaguez espiritual
em muitos da igreja hodierna e a esperança foi desviada do transcedental e
eterno para o que é perecível e passageiro. Porém outros grupos se mantêm bem
confiantes em relação aos eventos relacionados ao fim do mundo, esses alimentam
certa curiosidade e uma satisfação meramente mental, assim são assediados
muitos que tem se afadigado no assunto, então para esses a doutrina da vinda de
Cristo se tornou um objeto claro de alguma desejada controvérsia.
Diante desse pano de
fundo eclesiástico estamos certos de que as coisas devem ser esclarecidas, pois
é bem provável que tanto o desprezo em relação ao assunto quanto a obsessiva
observação teológica podem estar sob uma falsa compreensão do reino de Deus e
suas nuanças. Propomos esse ensaio para esclarecer o que Bíblia fala no tocante
a este Dia e qual tipo de esperança que devemos nutrir em relação a estas
coisas.
1. A ESPERANÇA NO ANTIGO TESTAMENTO
No Antigo Testamento
observamos uma grande parte do povo de Deus expressando a firme expectativa
quanto ao momento em que Deus reinará no mundo. Especialmente essa esperança mostrava-se
o foco pelo qual Israel caminhava, pois, naquele Dia, a própria nação teria a
sua sorte restaurada. Um reino teocrático era uma forte esperança para os
judeus; o Messias seria enviado e os colocaria em uma posição de liderança em
relação às outras nações da terra, Ele mesmo, visivelmente, estaria no meio do
Seu povo e os reestabeleceria. Por conseguinte, a esperança no tempo do Antigo
Testamento revelava-se especialmente na expectativa do reinado messiânico com
primazia judaica. Logo, a definição de suas características é algo necessário
assim como outros pontos da esperança na antiga aliança ligados aos últimos
eventos da humanidade.
1.1 O
reino teocrático
No
aspecto futuro, o reino de Deus fora predito pelos profetas e isso se tornou um
tema recorrente em suas pregações. Porém
qual a relevância de um reino futuro para os judeus que estavam sendo
destruídos pelos babilônios, por exemplo? Qual a importância em acreditar que o
rei voltaria, futuramente, e estabeleceria o seu reino se o sofrimento era
agora?
Podemos
dizer que a resposta mais provável para essa questão é que no reino
estabelecido pelo Messias, os judeus que tanto sofreram nas mãos dos gentios
experimentarão descanso e posição de liderança com Ele sobre todas as demais
nações. Conforme diz o profeta Isaías, o que acontecerá no futuro será algo de grande
conforto, pois “nos últimos dias, acontecerá que o monte da
Casa do SENHOR será estabelecido no cimo dos montes e se elevará sobre os
outeiros, e para ele afluirão todos os povos” (2.4), assim o
que aguarda esse povo é algo muito maior do que aqueles sofrimentos causados
pelo exílio. Ou seja, não haverá espaço para a derrota do povo de Deus
novamente, a humilhação que estes sofrerão em sua história será algo que não
mais existirá, porque “a arrogância do homem será abatida, e a sua
altivez será humilhada; só o SENHOR será exaltado naquele dia” (2.17).
É algo
muito desagradável quando lemos que o povo de Israel sempre quebrava as leis que
Ele lhes dava, o Senhor os repreendia quando isso acontecia, depois usava de
paciência com este povo ao conceder-lhes o perdão. Todavia, o povo desobedecia
novamente e permanecia assim até provarem da disciplina do Senhor por seus próprios
pecados: exílio, pobreza, dispersão etc. Assim, depois de repetidos atos de
obstinação, o Senhor promete que fará um novo concerto com o seu povo. Isso
fora profetizado por Jeremias, o qual falava ao povo da grande longanimidade do
Senhor para os seus amados, pois “vêm dias, diz o SENHOR, em que firmarei nova
aliança com a casa de Israel e com a casa de Judá” (31.31).
Essa
aliança era algo prometido para o futuro, pois ela seria firmada “depois
daqueles dias” (31.33).Logo, se o povo de Deus receberá uma nova oportunidade,
há grande motivo para esperança.
Esse
caráter novo do relacionamento de Deus com o Seu povo mostrava-se muito otimista
em Seu reinado sobre eles, pois essa Nova Aliança foi feita com a nação e esta
terá proeminência nesse domínio. Assim, o Senhor mesmo se encarrega de dizer
que naquele dia “levantarei a Davi um Renovo justo; e, rei que é, reinará, e
agirá sabiamente, e executará o juízo e a justiça na terra” (23.5), a linguagem
estritamente judaica explica a razão que essas promessas causaram tantas
expectativas para o típico judeu do Antigo Testamento.
A
promessa relatada em boa parte do material profético é que o reino que Deus
prometera ao seu povo é um reino teocrático (Zc 14.1-21), o povo do Senhor será
o guia de todas as nações que buscarem a Ele (Mq. 4.2), o Messias (Cristo)
esperado reinará com graça e poder do Espírito Santo (Is 11.2-5). Não podemos
esquecer que lhes fora falado que esse reino será terreno e essa expectativa
foi alimentada pelos profetas que lhes transmitiam a palavra do Senhor, por
isso deve ser indesejável ao intérprete da Bíblia a mudança do significado e da
essência desse reino, embora as características acidentais deste possam variar
um pouco em seu cumprimento.
1.2 Os
efeitos desse reino
Como
o Antigo Testamento prova holisticamente a vida do reino de Deus a terra, torna-se
certo que esse reino terá alguns traços específicos. É fato que desde quando o
povo solicitou um rei (1Sm 8. 19), a nação experimentou momentos de declínio,
porém mesmo em momentos de elevo político a nação passava por guerras frequentemente
(2 Sm 18. 17), e a paz era algo distante
de se alcançar.
Em
sua formação como uma nação (e pouco tempo depois) o povo de Deus já passava
por momentos difíceis, diante disso era prudente perguntar sobre o que mais
poderia esperar esse povo de bom para o futuro. Contra todas as expectativas
pessimistas, o povo recebe palavras de paz baseadas no que Deus irá fazer no
Seu reinado (Is. 11.1-16), assim é verdade que eles foram escravos entre os
egípcios, sofreram muito entre os babilônios, e a guerra a muito era uma
companheira indesejável, porém, o reino do Senhor trará em sua esteira a serenidade
de uma criação em restauração. Até mesmo “o lobo habitará com o cordeiro, e o
leopardo se deitará junto ao cabrito; o bezerro, o leão novo e o animal cevado
andarão juntos, e um pequenino os guiará” (11.6), o que expressa nessa profecia
de Isaías um poder transformador até mesmo na ordem da natureza. Porque a
natureza será transformada, o iniciador disso tudo é o Rei transformador que
fará cessar a violência, e nessa terra o Senhor reafirma que “o meu povo
habitará em moradas de paz, em moradas bem seguras e em lugares quietos e
tranquilos” (32.18), a condições desse mundo serão afetadas e nessa terra os
filhos da aliança “habitarão nela seguros, edificarão casas e plantarão vinhas;
sim, habitarão seguros” (Ez 28.26).
Grande
esperança era mantida pelo povo judeu porque lhes fora profetizado que nesse
reino, além da paz, haverá um estado de santidade na terra, pois o Senhor mesmo
promete que “então, vos lembrareis dos vossos maus caminhos e dos vossos feitos
que não foram bons; tereis nojo de vós mesmos por causa das vossas iniqüidades e
das vossas abominações” (Ez 36.31). Isso, realmente, era o que o povo
necessitava, pois apesar de tantos pecados e repetidas disciplinas, somente o
reino grandioso do Senhor poderia mudar aquela situação. Porém não apenas a
santidade será um grande marco naquele Dia, pois o conhecimento de Deus será o
prazer de todos os povos e perante Ele “irão muitas nações e dirão: Vinde, e
subamos ao monte do SENHOR e à casa do Deus de Jacó, para que nos ensine os
seus caminhos, e andemos pelas suas veredas; porque de Sião procederá a lei, e
a palavra do SENHOR” (Mq 4.2).
Além dessas,
outras características são evidenciadas na literatura do Antigo Testamento
sobre este reino esperado: grande regozijo entre o povo do pacto (Is 9.3,4;Zc
10.6,7); os justos se fartarão na retribuição do Senhor(Jr 23.5; 31.23,25);
haverá expansão do conhecimento do Senhor(Is 54.13; Hb 2.14), os povos serão
pleno do Espirito Santo (Jl 2.28,29; Ez 11.19,20; 36.26,27), através do
trabalho honesto a prosperidade econômica será uma realidade na terra
(Is30,23,24; Jr 31.12;Ez 34. 26) e muitos outros aspectos próprios desse
reinado.
1.3 A
ética do reino
Se
o rei dessa monarquia mundial será o Senhor, então certamente ele regerá a
terra segundo as suas leis. Por isso, a teologia do antigo testamento mostra
claramente que no reinado esperado será baseado na lei de deus que regerá todas
as nações. Durante esse período o julgamento acontecerá de maneira que não
haverá injustiça, porque a lei do Senhor se estabelecerá fortemente e “não julgará
pela aparência, nem decidirá com base no que ouviu; mas com retidão julgará os
necessitados, com justiça tomará decisões em favor dos pobres” (Is 11.3).
A norma das
decisões será o mandamento do Senhor, as sua lei determinará a conduta de toda
a terra naquele dia. Porém o povo da aliança será o meio no qual essas nações aprenderão
sobre os caminhos de Deus, pois quando chegar o Dia de domínio do Rei “virão
muitos povos e dirão: "Venham, subamos ao monte do Senhor, ao templo do
Deus de Jacó, para que ele nos ensine os seus caminhos, e assim andemos em suas
veredas". Pois, a lei sairá de Sião, de Jerusalém virá a palavra do
Senhor”(2.3). Assim a paz dominará, porque “ele julgará entre as nações e
resolverá contendas de muitos povos”, a paz será uma realidade e, ao mesmo
tempo, uma consequência desse mundo que será regido pelas leis de Deus ao ponto
que os homens “farão de suas espadas arados, e de suas lanças foices. Uma nação
não mais pegará em armas para atacar outra nação, elas jamais tornarão a
preparar-se para a guerra” (2.4).Tão logo apresenta-se a paz futura como uma
esperança completa é natural perguntar-se, como haverá plena paz em todo o
mundo? A resposta vem da esperança de um Rei que dominará através de suas leis.
Por conseguinte a paz tão almejada por Israel, e que fora tão frustrada não
poucas vezes, será algo tangível e notório.
1.4 A
ressurreição e o juízo final
É algo muito importante
observarmos que já na literatura veterotestamentáriaa escatologia é deveras clara
em alguns pontos, dois desses assuntos que merecem destaque é a doutrina da ressurreição
e do juízo final.
A esperança do povo de
Deus repousava não somente no reinado do Messias aqui na terra, mas na gloriosa
ressurreição do corpo. A expectativa dos judeus estendia-se além do temporário
e terreno, é verdade que as bênçãos experimentadas no Reino seriam
maravilhosas, mas, e diante da morte acabará tudo?
Jó mantinha uma
confiança vívida de que ele não teria a sua esperança finalizada pela a morte,
pois ao falar da soberania de Deus sobre o seu futuro pôde asseverar que “embora ele me
mate, ainda assim esperarei nele”(13.15), não há motivo para temer de que a
esperança será frustrada, existe um belo futuro que o aguarda e o sofrimento
que ele passava era um item doloroso em sua vida temporária.
De maneira semelhante Daniel
expressa claramente o entendimento comum da fé judaica em uma ressurreição
futura, porém a sua declaração enfatiza uma coletividade daquele evento. Assim,
enquanto Jó fala do que acontecerá a si próprio, o profeta Daniel informa que “muitos
dos que dormem no pó da terra ressuscitarão” apontando para os objetos da
ressurreição e prossegue afirmando a benção de “uns para a vida eterna” naquele
evento e de “e outros para vergonha e horror eterno” (12.2).
Ao examinar esse texto, Calvino
conclui que “a palavra muitos aqui
parece claramente expressar o todo, pois o anjo não usa a palavra em contraste
com todos ou poucos, mas apenas como unidade”, isso significa que a expressão
deve-se tratar da maneira mais extensiva possível, pois como essa ressurreição
tem em vista o estado eterno de sofrimento ou bem-aventurança, então “isso
mostra que o anjo está tratando da ressurreição final, a qual é comum a todos,
e não admite exceções” (2002, p. 442). Ou seja, está sendo reverberado algo
além dos objetos da ressurreição: a própria linguagem de juízo para os que
recebem a vergonha eterna. Essa temática de julgamento final esboça a teologia de
Isaías 66.24 e parecem caminhar juntas (ressurreição e juízo) no Antigo
Testamento (cf. Dn 12 3; Is 66. 22,23).
2. A ESPERANÇA NO NOVO TESTAMENTO.
A escatologia do Novo
Testamento ecoa os mesmos temas do Antigo Testamento, todavia e forma de
cumprimento e reafirmação. Dessa forma o reino de Deus ainda é um tema que
permeia as Escrituras do Novo Testamento.
Então se o reino é algo
reafirmado pelo o Novo Testamento, então quer dizer que novamente serão feitas
profecias acerca desse reino futuro? Podemos responder a isso com um sim e um
não. Sim, porque de certa forma o Novo Testamento fala de um período de
consumação plena (Mt 25.34,46; Ap. 21-22) que o povo de Deus experimentará no
futuro nessa terra que será restaurada plenamente, então nesse sentido o reino
“ainda não” chegou. No entanto um sonoro “não” deve ser afirmado quando
observamos que uma grande porção desse reino invadiu a história da humanidade
com grande poder através do evento-Cristo.
Assim, a tônica do Novo
Testamento é que o reino “já” chegou através do primeiro advento de Cristo.
Logo, se o reino estava na iminência de chegar seria necessáriauma preparação
profética para a vinda do Rei conforme predita pelos profetas (Is. 40.3; Ml 3.1-2;
4.5), o que se cumpre em João Batista (Mt 3.2).
Essa pregação da vinda
do reino ocupava lugar de proeminência nas declarações deCristo, conforme Mateus
4.17. Como evidência da chegada desse reino (10.7), o Senhor mesmo afirmou de
maneira muito clara aos judeus céticos que este reino profetizadojá se torna
uma realidade através dEle em seu ministério. Logo, ao curar o endemoninhado
cego e mudo, o Senhor pode evidenciar que “Se, porém, eu expulso demônios pelo
Espírito de Deus, certamente é chegado o reino de Deus sobre vós” (12.28). Pelo
fato que Jesus mesmo veio trazer o reino prometido(Is 42. 1-4 cf. Mt. 12.17-21),
seria necessário primeiro acorrentar a Satanás, limitando o seu poder “ou como
pode alguém entrar na casa do valente e roubar-lhe os bens sem primeiro
amarrá-lo?” (12.29).
Contudo isso poderia ser algo
frustrante para os fariseus que aguardavam de maneira literalista o Reino em
seu tempo, pois o cumprimento dessas profecias em Cristo não foram estritamente
literais. Sendo assim, a glória externa desse reino deveria ser considerada com
um fator secundário, pois “não vem o reino de Deus com visível aparência” (Lc
17.20), aqui Cristo esclarece que a maneira cataclísmica da chegado do reino
conforme esperada pelos judeus não era uma realidade “porque o reino de Deus
está dentro de vós” (Lc. 17.21), ou seja, o reino que atua nos homem é que transformará
e dará molde as características externas e secundárias. Portanto, seria correto
afirmar que de certo modo a expectativa daqueles primeiros ouvintes de Cristo
não estava correta, pois “o reino já está presente em meio aos homens; e Jesus
foi categórico ao responder aos fariseus, desanimando-os de procurar por um
reino futuro que viesse com aparato externo de Glória"(LADD, 2008, p. 18),
isso não significa que um tempo de glória última e plena está descartado, mas
que esse é um fator subsequente na operação e influência do reino que já
chegou.
2.1. Os receptores do reino
Ao tratarmos sobre o
Reino no Novo testamento devemos ser cautelosos na interpretação das profecias
veterotestamentárias, pois há uma grande confusão quando se entende que todas elas
sejam cumpridas literalmente, pois existe certa elasticidade pelos autores do
Novo Testamento na interpretação do cumprimento das profecias bíblicas de
Israel para a Igreja, como por exemplo: Jl 2.28-32; Am 9.11-12; cf. At 2. 17-21
At 15.15-19.Por isso,é difícil “evitar a conclusão que o Novo Testamento aplica
profecias do Antigo Testamento à igreja neotestamentária, e assim fazendo
identifica a igreja com o Israel espiritual” (LADD apudCLOUSE, 1985, p. 22).
As profecias
relacionadas às bem-aventuranças daquele povo iniciam o seu cumprimento na
igreja, um exemplo claro disso é a profecia de Jeremias 31.31-34 sobre o grande
estado de felicidade que Deus traria sobre o seu povo, porém o inicio do
cumprimento desta profecia acontece na igreja (Hb8. 8-12).Esse esclarecimento
do autor sagrado de que Cristo é o mediador de uma superior aliança é usada
como uma advertência àquela comunidade para que não retornassem ao judaísmo que
era uma expressão da aliança “antiquada” (8.13).
Ainda que essa promessa
fizesse referência a “casa de Israel e com a casa de Judá” (Jr 31.31), sabemos
também a promessa se refere àqueles que de fato são os verdadeiros israelitas,
pois “nem todos os de Israel são, de fato israelitas” (Rm 9.6), mas “os da fé é
que são filhos de Abraão” (Gl 3.7) e os que “são da fé são abençoados com o
crente Abraão” (3.9).
2.2A expansão do reino
Se a igreja herda as
promessas do reino que foram preditas a principio aos judeus, então significa
que os primeiros perderam a sua promessa? A resposta deve ser negativa, no que
se refere a Deus ainda ter uma promessa para eles na história da redenção.
Certamente “Deus
não rejeitou o seu povo, a quem de antemão conheceu” (Rm 11.18), ainda que os
judeus perdessem proeminência nesse reino (por causa do seu endurecimento e
rejeição a Cristo) e agora fazem parte deste, como integrantes da igreja de
Cristo.No entanto, é fato que lhes aguarda grande benção para o futuro, porque “veio
endurecimento em parte a Israel, até que haja entrado a plenitude dos gentios”
(11. 25).
Assim, o contexto de Romanos 11 é escatológico e trata do que Deus
fará aos judeus e gentios, essa relação da plenitude de Israel com o juízo
divino está estritamente ligada a teologia de Lucas em 21.23-24.Tendo a
afirmação supracitada como pano de fundo, então podemos dizer que a plenitude (pleroma) dos gentios e a conversão dos
judeus são grandes evidências do crescimento do reino e da aproximação da
consumação escatológica.
Um segundo fator que
mostra o favor de Deus para o crescimento do reino em nossa era cristã são as
parábolas do Reino (Mt 13.31-33). Essas parábolas, mostarda e fermento, são
descrições do que Deus fará em seu reino implantado através de Cristo, ou seja,
haverá grande crescimento. Esse texto parece esclarecer o que Jesus dissera
anteriormente (vv.10-17), agora Ele estimula os seus discípulos com a realidade
do sucesso e crescimento extraordinário do reino.
Por conseguinte, não
devemos desconsiderar que o Reino, permanece para sempre como “um grão de
mostarda, que um homem tomou e plantou no seu campo” (13.31), isso poderia
tentar aos ouvintes originais de Cristo a considerar que o reino prometido
pelos os profetas não estava sendo concretizado, pelo o contrário mostrava-se
pequeno, não intimidador, pouco influente e sem expressão de expansão. Porém, o
Senhor esclarece que não devemos desconsiderar o pequeno inicio, pois o Seu
reino assemelha-se a este grão “o qual é, na verdade, a menor de todas as
sementes, e, crescida, é maior do que as hortaliças, e se faz árvore, de modo
que as aves do céu vêm aninhar-se nos seus ramos” (13.32). O fato desse Reino
se manter humilde no principio, mas imponente no seu desenvolvimento é algo
claro. Porém o que significa a expressão “as aves do céu vêm aninhar-se nos
seus ramos”?
A figura de uma arvore com aves se
aninhando em seus galhos leva-nos ao pano de fundo do Antigo Testamento,
especialmente em Ezequiel 17.23 quando afirma uma promessa que Deus cumprirá ao
Seu povo de que eles seriam plantados pelo Senhor e Ele mesmo nutriria e faria
crescer, pois “o plantarei, e produzirá ramos, dará frutos e se fará cedro
excelente. Debaixo dele, habitarão animais de toda sorte, e à sombra dos seus
ramos se aninharão aves de toda espécie”. Essa mesma figura é repetida em Daniel
4.12-22 na interpretação do sonho de Nabucodonosor, ele se tornara uma grande árvore
e as aves, as “extremidades da terra”, dependiam do seu reinado e domínio.
Assim, R.T. France assevera com agudez que, em sua análise, “esta parábola
convida a uma comparação entre o grande, porém de curta duração terrena do
império babilônio, e o muito maior e mais permanente reino dos céus” (2007, p.
527).
Da mesma forma a parábola do
fermento expressa a influência do reino permeando o mundo, contudo não está
expresso aqui se essa influência acontece de forma lenta ou cataclísmica,
progressivamente ou com percalços, devemos ter em vista que apesar de muitas
adversidades o reino dos céus, um dia, influenciará todo o mundo (Ap.21.22). Embora
as duas parábolas estejam estritamente relacionadas quanto ao sucesso do reino,
esta parábola do “fermento ensina que o reino um dia prevalecerá, a ponto de
não existir nenhum reino soberano que possa ser seu rival. Toda a massa de
farinha ficará fermentada” (LADD, 2003, p. 133-134).
2.1 A consumação do Reino
A consumação desse reino acontecerá
na segunda vinda de Cristo (1Co 15.22-55), com isso queremos dizer que a
afirmativa paulina é que Cristo vem a segunda vez para trazer o fim, não para
inaugura um período intermediário.Pois quando o Senhor retornar haverá a
ressurreição dos “que são de Cristo, na sua vinda [...] e, então, virá o fim,
quando ele entregar o reino ao Deus e Pai” (vv. 23,24).
Ou seja, através da Sua obra, todos
os inimigos estão sendo subjugados por Cristoconforme profetizado no salmo
messiânico (Sl 110) e confirmado no Novo Testamento (At 2.34,35). Assim, a
epístola aos Hebreus (2.8) mostra que é um fato estabelecido no período da Nova
Aliança que “todas as coisas sujeitaste debaixo dos seus pés” e ainda “desde
que lhe sujeitou todas as coisas, nada deixou fora do seu domínio”, embora seja
considerável que, pelo menos “agora, porém, ainda não vemos todas as coisas a ele
sujeitas”.
O amadurecimento (completude) do
reino não deve ser identificado como alguma era dourada ou cumprimento literal
de promessas feitas no Antigo Testamento, antes devemos esperar que esse
amadurecimento ocorrerá completamente na consumação escatológica, ou seja,no ingresso
para o reino eterno. Assim, o Novo Testamento desconhece um período
intermediário no qual aquelas promessas veterotestamentárias se cumprirão, em uma
era intermediária, ou em um mundo entre duas eras: a presente e a porvir (cf. Mc 10.30; Lc20.34-36; Ef 1.21).
Logo, o reino foi inaugurado por
Cristo em sua primeira vinda e o mesmo se prolongará no Novo Céu e Nova Terra
(Is 65.17-19 cf.Ap 21.1-4), sustentar um período que não é nem a Nova Criação,
no sentido pleno da revelação bíblica, e nem este presente mundo (ainda que o
seja de maneira melhorada) é ultrapassar os limites da revelação e impregnar um
entendimento estranho ao Novo Testamento por causa de um sistema escatológico.
3. PRÉ-MILENISMO
O pré-milenismo se
tornou uma visão da igreja majoritária do nosso tempo. O grande motivo foi expansão
missionária do movimento fundamentalista, no qual como uma reação conservadora
ao liberalismo teológico do século XX acabou adotando uma visão mais
literalista de muitas profecias do Antigo Testamento.
Para esta perspectiva,
mais conhecida como dispensacionalismo, além de ser mantida uma forte convicção
em um período de paz inaugurado com a segunda vinda de Cristo, mas ainda não a
Restauração de todas as coisas, acredita que muitas das profecias bíblicas do
Antigo Testamento encontrarão cumprimento nesse período milenar (Apocalipse 20).
Assim, segundo o pré-milenismo dispensacionalista, quando Cristo retornar a
segunda vez para estabelecer o milênio, então isso acontecerá de tal modo que o
templo, sacrifícios e o sacerdócio serão restaurados, quando os judeus reinarem
sobre a terra em um período de mil anos (Ez 36-48;Ap 20. 1-6).
Devido a preferência
dispensacionalista por um cumprimento rígido e literal das profecias
veterotestamentárias um “historicismo estranho levou muitos dispensacionalistas
a identificar a fundação do Estado de Israel, em 1948, como de profecia, que
por sua vez resultou num apoio em geral acrítico a Israel, para que ninguém seja
flagrado trabalhando contra os propósitos de Deus” (SAWYER, 2009, p. 425).Ou
seja,doses de expectativa excessiva no futuro fizeram com que esse sistema desse
uma interpretação aos eventos da história ao ponto de considerá-los seriamente
a partir de então.Assim, hoje dificilmente algum dispensacionalista não
concordaria que esse evento (a fundação do Estado de Israel em 1948) não está
conectado em algum tipo de tratamento especial de Deus com os judeus como um
cumprimento de alguma profecia bíblica.
Uma segunda forma de pré-milenismo,
essa é a expressão mais antiga, o chamado pré-milenismo histórico. Segundo o
pré-milenismo histórico, também conhecido como pós-tribulacionista, não há
motivo para se acreditar em um caráter mais judaico no período do milênio
(embora seja um período de paz e prosperidade mundial pós-parousia), todavia baseia-se
tacitamente sua concepção de um milênio futuro e terreno reconhecendo que no
“único lugar da Bíblia que fala de um milênio real é a passagem de Apocalipse
20.1-6. Qualquer doutrina do milênio deve basear-se na exegese mais natural
desta passagem (LADD apud CLOUSE,
1985, p. 31).
3.1 O pré-milenismo e Apocalipse 20.
1-6.
Para o pré-milenista é crucial a certeza
de um reino milenar futuro por causa de sua completa dependência do texto de
Apocalipse 20.Esta é a condição sinequa
non para a sustentação da doutrina. Dessa forma os dispensacionalistas
adaptam as profecias veterotestamentárias nesse texto e o pré-milenismo
histórico também retém a sua teologia baseada nessa mesma porção para assegurar
as suas afirmativas milenaristas.
Segundo o pré-milenista
Wayne Grudem, o fato de esta doutrina ser evidenciada, pelo menos de maneira
explicita, apenas em Apocalipse 20 não invalida a crença em um milênio futuro e
terreno de paz, porque “basta que a Bíblia diga uma coisa uma vez para que ela
seja verdadeira e algo em que devemos crer [...]” tendo em vista a revelação
progressiva os autores do Novo Testamento, especialmente João como o ultimo
escritor inspirado, e “uma vez que Apocalipse é o livro do Novo Testamento que
ensina de modo mais explicito sobre as coisas ainda no futuro, é apropriado que
essa revelação mais explicita do futuro milênio fosse colocada neste ponto da
Bíblia” (1999, p. 953). Logo, se essa é uma base segura para o pré-milenarismo,
então deve ser também uma base forte a crença na construção e demolição da
torre de Babel (Gn 11.1-9), na qual todos os crentes confirmam, porém é apenas
nesse texto de Gênesis que essa história é contada. E assim prossegue a
coerência textual dessa perspectiva dentro desse argumento.
Na interpretação do
Apocalipse, o Pré-milenismo histórico e o dispensacionalismo creem que este
livro deve ser lido de maneira futurista, ainda que existam divergências sobre a
intensidade desse caráter futuro e alguns pequenos detalhes em relação ao papel
de Israel naquele tempo.
Porém é fato entre os
adeptos de ambos os grupos, que o texto (Ap 20. 1-6) deve ser considerado como
um período futuro de: paz e prosperidade;em que Satanás será preso para não
mais agir nesse mundo durante o milênio (vv.1-3); a primeira ressurreição
física acontecerá após a segunda vinda de Cristo e prisão de Satanás, na qualos
tronos estarão na terra e que os crentes se assentarão para reinar (v.4); a segunda ressurreição física, dos descrentes,
acontecerá após o milênio (v.5); depois do reinado futuro de Cristo na terra
(pós-parousia) Satanás será solto e seduzirá as nações congregando um
interminável número delas para a peleja contra os santos (vv. 7-10); haverá o julgamento final (vv. 11-15). Essa é a
estrutura da primeira perícope de Apocalipse 20, sendo demonstrada assim é
levada a sério porções de literalismo, futurismo e uma interpretação inclinada
a questões anti-simbólicas (como o amilenismo, por exemplo).
Por ser um texto chave
para essa perspectiva escatológica, muitos pré-milenaristas insistem que a sua
leitura de Apocalipse 20 é a mais pura, simples e desligada de comprometimentos
de sistemas. Assim, ainda que pré-milenistas assumam os riscos de basear esta posição
com base em praticamente um texto, contudo mantêm a ignorância quanto ao que exatamente
acontecerá e aos outros detalhes daquela era futura pós-parousia:
assim,
não é de admirar se, antes do estado eterno, Deus tiver instituído um passo
final no desvendar progressivo da história da redenção. Isso serviria para
aumentar a sua glória quando os homens e anjos levantarem os olhos, surpresos
com a maravilha da sabedoria e do plano divinos (GRUDEM, 1999, p.957).
Essa afirmativa deixa
claro que ainda que algum tipo de milênio seja buscado no AT, porém ele só
aparece de maneira clara e inequívoca apenas nesse texto. Assim,permanece a
questão para ser decidida sobre: o caráter desse milênio, o que significa a
prisão de Satanás e o reinado dos santos durante esse período; na qual trataremos
a seguir como uma resposta ao pré-milenismo.
4. PROBLEMAS DO PRÉ-MILENISMO.
O principal argumento
utilizado pelos teólogos pré-milenistas é o de que ao fazerem a sua teologia em
Ap 20, são os únicos capazes de oferecer uma leitura simples e natural do
referido texto. Por conseguinte, se outras opções de milênio não se adequarem a
pré-milenarista, então apresentam uma grande rejeição a qualquer opção
alternativa, como o comentário de Wayne Grudem que “uma objeção importante ao
amilenismo deve continuar sendo o fato de não conseguir propor nenhuma explicação
realmente satisfatória para o Apocalipse” (p. 957). Mas será realmente que a
leitura desse texto conforme apresentado pelo pré-milenismo é realmente uma
leitura simples, natural e que flui do texto ao ponto desta ser a única
interpretação viável?
4. 1 Apocalipse 20.1-6 não ensina a
doutrina pré-milenista
É importante observar
que o principal argumento em favor de um milênio futuro e pós-parousia de paz e
prosperidade baseado nessa pequena porção das Escrituras é norteado por algum
tipo de purismo, como se um texto como esses com tantas interpretações controversas
pudesse favorecer um fundamento para todo um sistema. Assim, entendemos que a
leitura pré-milenista desse não é de forma alguma natural ou desprovida de
pré-concepções, pelo contrário:
mesmo a interpretação literal dos prémilenistas
não é coerentemente literal, pois entende a corrente do versículo 1 e também,
conseqüentemente[sic], a prisão do
versículo 2 figuradamente, muitas vezes concebe os mil anos como um longo mas
indefinido período, e transforma as almas do versículo 4 em santos ressurretos.
Estritamente falando, a passagem não diz que as classes referidas (os santos
mártires e os que não adoraram a besta) ressuscitaram dos mortos, mas
simplesmente que viveram e reinaram com Cristo. E se declara que este viver e
reinar com Cristo constitui a primeira ressurreição. Não há absolutamente
nenhuma indicação nestes versículos de que Cristo e os Seus santos estão
exercendo governo na terra. À luz de passagens como Ap 4.4 e 6.9, é muito mais
provável que a cena se passa no céu. Também merece nota que a passagem não faz
menção nenhuma da Palestina, de Jerusalém, do templo e dos judeus, os cidadãos
naturais do reino milenar. Não há nenhuma insinuação de que esses elementos
estejam de algum modo relacionados com este reinado de mil anos(BERKHOF, 2007,
p. 659).
Sobre a prisão de
Satanás nada nos é dito no texto bíblico (vv.1-3) que pinte as cores imaginadas
pelos pré-milenistas sobre esse suposto tempo futuro, apenas diz que “Satanás
foi preso para não mais enganar os gentios” (ta ethne). Apenas uma limitação é descrita aqui e “temos de lembrar
que prender Satanás é uma maneira simbólica de dizer que seu poder e sua
atividade foram reduzidos drasticamente; não significa imobilidade total”
(LADD, 1980, p. 195). Porém mesmo reconhecendo que Cristo prendeu o valente
através de sua primeira vinda (deo
cf. Mt 12.28-29) e o expulsou através da Sua obra (ekballõé a mesma palavra usada pelo o autor de Apocalipse em Jo
12.31-32) para que o evangelho fosse pregado além do povo de Israel, ou seja
agora para todas as nações (pasin tois
ethnesin cf. Mt 24.14; 28.19), o sistema pré-milenista ainda permanece aguardando
uma prisão no futuro que nem é essa prisão conforme o exame supracitado e nem é
a derrota definitiva de Satanás (Ap. 20.10), ou seja, algo estranho a todo o
Novo Testamento.
Mas se a prisão de
Satanás (vv. 1-3) não é algo futuro, porém que já aconteceu através da primeira
vinda de Cristo, então o que dizer do reinado dos santos (vv. 4-6)? É
importante lembrar que o texto apenas diz que João viu “tronos, e nestes
sentaram-se aqueles a quem foi dada autoridade de julgar” (v.4), o texto não
diz que esses tronos estão na terra; o anjo desce do céu para prender a Satanás
no primeiro versículo, mas em relação aos tronos (v.4) não há esse indicativo
que confirme que esses tronos estão na terra também.
Por tanto, uma vez que
temos uma afirmação de que as almas dos decapitados são aqueles que “vivem e
reinam” (v.5), não é improvável que sejam os mesmos agentes que ocupam lugares
de posição ao se assentarem nos tronos. Há um detalhe importante, o texto diz
que quem vive e reina são almas; e mais adiante, diz “dos decapitados”, ou seja,
é como se estivesse quase fazendo um contraste de almas com os corpos daqueles mártires,
no qual também já tinha sido expressa em passagem paralela (6.9-11) a situação dessas
mesmas almas-mártires no céu com o Senhor. Por conseguinte merece observação
também o fato de que “na passagem inteira não uma única palavra sobre a
ressurreição dos corpos” (HENDRIKSEN, 2001, p. 254).
Outra forte evidência que esse período de reinado
dos santos (vv.4,5) ocorre durante o estado intermediário é que, conforme
analisou a grande autoridade no livro de Apocalipse, G. K. Beale:
o
paralelo com 6:9 sugere fortemente que a cena aqui também é ilustrada como o reinado dos santos no céu e não sobre
a terra (como também7: 14-17). Eles permaneceram fiéis até a morte, quer seja
pelo o martírio ou não. A localização celestial dos tronos em 20:4 é evidente a
partir da observação de que das quarenta e seis vezes que a palavra trono (thronos) aparece em quarenta e quatro
ocorrências nesse livro claramente esses tronos estão no céu. A permanência de
três usos desta refere-se ao trono de Satanás e da besta, que também não se
trata de algo terreno, mas localizado em uma dimensão espiritual.(1999, p. 998,
999)
O que é interessante é
que mesmo como uma probabilidade mínima de uso dessa palavra para servir de
apoio ao pré-milenismo, mesmo com tanta dificuldade em harmonizar os usos desta
palavra nesse livro, ainda assim prefere-se assumir e montar a combinação de um
sistema baseado em um uso único.
Uma questão que tem se enfatizado
com bastante frequência é que a palavra viver(ezesan)nunca é utilizada com algum outro sentido senão o de
ressurreição corporal (Mt 9.18; Rm 14.9; 2 Co 3.14;Ap 2.8), porém encontramos
em Lucas 20.36-38 o registro de Cristo confrontando os fariseus que não asseguravam
não somente descrença em relação a ressurreição, mas também do estado
intermediário da alma (diferente dos fariseus), aos quais é dito que os mortos Abraão,
Isaque e Jacó estão vivos diante de Deus (v.38), “ora, Deus não é Deus de
mortos, e sim de vivos; porque para Ele todos vivem” (pantes gar auto zõsin). Em relação a esse texto Lucas (20.36-38), o
Dr. Joel Green assegura de que esta afirmativa de Cristo aos saduceus “conclui
que Abraão, Isaque e Jacó devem, portanto, ainda estar vivos [...]” e que a Sua
idéia nesse texto “lembra a teologia de 4 Mac 7.19; 16.25, onde é afirmado que
os mártires vivem diante de Deus da mesma forma como esses patriarcas” (1997, p.
722).
Esse “viver” era uma realidade
presente também na teologia do Antigo Testamento, pois o argumento de Cristo
foi tirado do texto de Ex 3.1-6 afirmando que “Deus não é Deus de mortos, e sim
de vivos” como uma menção feita por Cristo de “que, na ocasião em que o livro
de Êxodo foi escrito todos esses patriarcas já estavam mortos muito tempo” e “se
Deus, entretanto, afirma que ainda tem um relacionamento com eles, de alguma
forma eles ainda estão vivos” (ISAAK apud
ADEYEMO, 2010, p. 1274). Ou seja, não somente a teologia do estado
intermediário é algo que permeia o Antigo Testamento e que passeia pelo período
inter-bíblico, caminha pelo Novo Testamento até Apocalipse como uma expressão segura
de conforto esperança e relacionamento espiritual diante de Deus no céu (Ap
6.9-11; 20. 4).
Se é fato que essas
almas “vivem e reinam com Cristo”, qual, então, é o período desse estado de bem aventurança?
A
resposta deriva do próprio texto, no qual nos mostra os três primeiros
versículos à visão que João teve de uma prisão de mil anos imposta sobre
Satanás (vv. 1-3), porém a partir dos próximos versículos (vv.4-6) observamos
que essas almas também vivem e reinam por um período igual de mil anos.
Por período de mil anos não desejamos dizer
que o Apóstolo que isto seja um número literal, pois devido o gênero literário
desse livro, é provável “por causa dos óbvios números simbólicos de Apocalipse”
e “mil equivale a dez elevado à terceira potência – um número ideal” (LADD, 1980,
p.194). O que significa que a vida e reinado desses santos é algo favorável,
ideal e completo; ou seja, “é viver com Cristo: “e viveram e reinaram com ele
durante mil anos” (ver Ap 7.9ss.).No céu essas almas respondem de modo perfeito
a um perfeito ambiente. E o que é vida senão isso?”(HENDRIKSEN,
2001, p. 254). Isso foi um grande conforto para os primeiros cristãos e
ouvintes de João que tiveram parentes mortos cruelmente pela perseguição
imposta através do império romano no séc. I (13. 1-18), mas que agora sabem que
seus amados permanecem em um estado de bem-aventurança (14.13 cf. 20.5).
4.2 Um olhar mais próximo em Apocalipse
19-20
Outro problema para a
teologia pré-milenista é a crença de que os capítulos de Apocalipse obedecem uma
sequencia cronológica, ainda que haja divergências entre pré-milenistas quanto
a intensidade e frequencia dessa sequencia. Todavia, para se sustentar um milênio
pós-parousia, há unanimidade entre esses teólogos da perspectiva de sequencia entre os capítulos 19-20.
Isso é problemático,
pois o esse gênero literário não demanda tal rigidez de sequencia, mas o texto
de Apocalipse apresenta uma série de relatos paralelos culminado no Juízo Final
e/ou a Segunda Vinda de Cristo em sete seções que apresentam certo tipo de
progressão lógica dos eventos descritos; caso contrário veremos a destruição
completa e final do mesmo mundo e dos homens várias vezes, se for observado do ponto
de vista de sequencia cronológica.
O que temos em questão
é o fato de que é improvável haver sequencia
nessa parte crucial do texto (19-20), porque logo no capítulo dezenove é
descrita a Segunda Vinda de Cristo e a Sua vingança contra os inimigos (besta,
falso profeta e os descrentes). O texto nos diz que Ele vem para que “comais
carnes de reis, carnes de comandantes, carnes de poderosos, carnes de cavalos e
seus cavaleiros, carnes de TODOS, quer livres, que escravos, tanto pequenos
como grandes” (v.18);ou seja, é um verdadeiro massacre e não resta ninguém(v.21).
O problema é que no
final do texto de Ap. 20.10 (quando Satanás é solto após os mil anos), ele sai
para “seduzir as nações” e as congrega para a batalha de Gogue e Magogue contra
o povo de Deus.Porém resta-nos perguntar: Se já foram todos destruídos no capítulo
dezenove, que é que sobra para ser seduzidos no final do milênio?
Outra questão que não
existe resposta satisfatória à leitura feita pelo pré-milenismo do texto em questão (Ap 19-20) é que após os
mil anos quando Satanás for solto algo estranho também acontecerá.Ele, o diabo,
além de seduzir as nações e ajuntá-las para a peleja contra o povo de Deus,
parece que encontrará multidões ávidas pela sua soltura e nos é dito que em
relação a essas nações “o número dessas é como a areia do mar (20.8), enquanto
o povo de Deus é comparado a um acampamento e a uma cidade apenas (20.9) e “só
fogo vindo do céu salva o frágil agrupamento” (GRIER, 1987, p.118).Mas se o
período de mil anos aqui na terra era de plena paz, prosperidade, conversões,
com os crentes ressuscitados de todas as gerações em todas as nações e os
ímpios mortos somente ressuscitarão na segunda ressurreição, por que no final
desse reinado de santos existem mais incrédulos do que crentes?Não deveria ser
o contrário?
Alguns teólogos têm
feito ligações de1 Corintios com Apocalipse 20 como se o texto paulino
ensinasse o esse período de reino intermediário pós-parousia. Assim, Ladd, por
exemplo, se mantêm otimistas em asseverar um provável milênio no ensino de
Paulo, quando afirma que “há somente mais uma passagem no Novo Testamento que
poderia estar considerando um governo temporal de Cristo entre a sua parousia e
o telos: 1 Co 15.23-24” (1980, p.
199).
A tese de um provável
reinado milenial em 1 Co 15. 23-25 é também defendida pelo teólogo Grudem:
Quando
Paulo fala da ressurreição, diz que cada um receberá um corpo ressuscitado,
segundo a própria ordem dele: Cristo
as primícias, depois (epeita) os que são de Cristo, na sua
vinda. E, então
(eita) virá o fim, quando ele
entregar o reino ao Deus e Pai, e quando houver destruído todo principado, bem
como toda potestade e poder. Porque convém que
reine até que haja posto a todos os inimigos debaixo de seus pés (1.Co15.23-25).
As duas palavras grifadas nesse passagem (epeita
e eita) significam “após”, não “ao mesmo tempo”. Por tanto a passagem dá
alguma base para a ideia de que, assim como há um intervalo entre a
ressurreição de Cristo e a sua segunda vinda, quando receberemos um corpo
ressurreto (v.23), também há um intervalo entre a segunda vinda e o fim (v.24),
quando Cristo entregar o reino a Deus depois de reinar por um tempo e colocar
todos os inimigos sob os seus pés. (1999,
p. 965)
Com isso é dito que
essa passagem ensina algo sobre um reino intermediário futuro, porém o Dr.
Robert Mounce, um pré-milenista assumido, adverte que “a tentativa de atribuir uma
crença no milênio sobre a base de 1 Co 15:20-28 não é algo convincente” (1997,
p. 367).
Essa separação e
intervalo rígido ocasionado pelas palavras “então” e “depois” não podem
carregar todo o peso de suporte dessa doutrina tão crucial. Assim, Vosassume a
análise do texto afirmando que:
[eita] pode ser usado como um tóte(então) para expressarmomentos de sequencias de eventos[...]
de acordo com os versículos 50-58, quando os mortossão ressuscitados
incorruptíveis, e os vivos são transformados (i.e. conforme o versículo23 na
parousia), a morte é tragadana vitória. O Apóstolo aqui fala em termos de
absoluta consumação. (1930, p. 243, 245)
Ou seja, simplesmente a
passagem aponta para o que acontecerá no momento do retorno do Senhor, como por
exemplo: a ressurreição e o estado final de tudo. Porém nos convém perguntar: que
fim é esse (v.24) no texto?
Vejamos que mais a
frente (v.52) o Apóstolo diz que quando houver a ressurreição da qual falara
antes (v.23) trazida na vinda de Cristo, acontecerá também a transformação do
nosso corpo mortal ao soar da última trombeta (v.52 cf. Ap. 11.15-19),e então a
morte será destruída/aniquilada(cf. vv. 53-55).Assim todos os inimigos serão
destruídos, o último é a morte; quando a morte for derrotada esse reino chegará
ao final.
Porém os pré-milenistas
acreditam que quando Cristo voltar, apesar de haver a ressurreição dos crentes,
ainda assim, a morte ainda permanecerá no milênio. Dessa maneira, o fim não é
chegado até que termine os mil anos, e ainda surge a pergunta ao perscrutador
dessa doutrina: “se o glorioso salvador reinou durante mil anos e colocou todas
as cousas, até o ultimo inimigo sob os seus pés, de onde virão as hostes
malignas: (“dos quatro cantos da terra”) ao fim desses mil anos? Para essa
pergunta não tem o pré-milenista resposta satisfatória”(GRIER, 1987, p.83).
4.3 O Antigo Testamento nada fala sobre
o milênio
Por último, e não menos
importante, o Antigo Testamento nada diz em relação a esse período,conforme foi
atestado no inicio desse ensaio. Mas não é difícil vermos anexados a doutrina
de um milênio futuro, vários textos do Antigo Testamento. Porém o que existe
simplesmente na interpretação desses temas proféticos é um descarregamento de
textos da literatura veterotestamentária para dentro de seis frágeis versículos
(Ap. 20.1-6) desse difícil gênero literário (Apocalipse).
Assim, por exemplo, o
texto de Amós 9.11-12 poderia se referir a um período áureo de reinado
messiânico, se não fosse o desenvolvimento da revelação progressiva através da
aplicabilidade desse texto à igreja do Novo Testamento, conforme usado por
Tiago (At 15. 15-18). E não apenas foi uma parte do cumprimento que foi usado
nesse texto lucano, senão isso diminuiria a força do argumento do próprio
Tiago.
O Antigo Testamento mostra
a beatitude do povo de Deus no período presente (como a restauração sob Zorobabel)
e, mais propriamente, sobre a doutrina do Novo Céu e Nova Terra. Assim, quando
a Bíblia fala de um estado de grande paz e prosperidade, ela fala em linguagem
fenomenológica (acomodação), logo um exemplo é importante: o texto de Isaías
65.17-25 mostra um período dourado de paz e felicidade, porém ao chegarmos no
Novo Testamento observamos que isso é cumprido no Novo céu e Nova Terra (Is 65.
17 cf. Ap 21.1), esse é o lugar onde a Jerusalém de Deus vai permanecer (Is
65.18 cf. 21.2) e o lugar onde “nunca mais se ouvirá nela nem voz de choro nem
de clamor” (Is 65. 19 cf. Ap. 21.4).
Outras afirmações desse
texto profético que diz que “aquele que morrer aos cem anos é morrer ainda
jovem” (v.20) é algo comum na literatura profética e apocalíptica para descrever
um período que as pessoas viverão sobremaneira, o próprio livro de Apocalipse
usa isto ao dizer que no Novo Céu e Nova Terra haverá folhas para cura da
nações (Ap. 22.2), mas isso não significa que haverá doença ali, apenas uma
linguagem para o ouvinte contemporâneo do autor entendê-lo. É importante
atentarmos ao benefício da revelação progressiva, embora os Judeus que a
desprezam, nós cristãos não podemos repetir o mesmo erro ao tratarmos o texto
do Antigo Testamento, porém é fato que:
o dispensacionalismo, juntamente com outras
formas de pré-milenismo, é um sistema de teologia biblica defeituosa porque não
extrai as suas pressuposições interpretativas da Biblia. Por exemplo, ele
enfatiza que toda a profecia se cumpre num sentido literal. Isso não está de
acordo com a evidência do Novo Testamento, que interpreta a profecia à luz de
Cristo(GOLDSWORTHY, 2012, p.134).
Isso é um erroque foi
advertido por Hoekema ao examinar as profecias de bem-aventurança que estão no
Antigo Testamento concluindo que “as profecias desta natureza deveriam ser
entendidas como descrições – certamente em linguagem figurada- da nova terra
que Deus trará à existência após a volta de Cristo(2001, p. 325).Por isso
concluímos que em lugar nenhum o Novo Testamento nos ensina uma esperança
pré-milenar, pelo contrário a esperança da igreja repousava sobre a vinda de
Cristo que inaugurará a restauração de todas as coisas.
Da mesma forma, em2
Pedro 3.10-13 nos ensina que a nossa
postura em relação ao futuro é de estarmos “esperando e apressando a vinda do
Dia de Deus [...]”, pois esse Dia não trará, um reino transitório chamado de
milênio, mas “os céus serão desfeitos, e os elementos abrasados se derreterão”
(v.12) como própria a renovação de toda a “criação que geme e suporta angustias
até agora”(Rm 8. 20-22); todavia para o cristão “segundo a sua promessa,
esperamos novos céus e nova terra, nos quais habita justiça” (v.13).
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Após
a verificação da doutrina relacionada ao estado final das coisas, mais
especificamente o reino de Deus e o milênio estamos certos de que a análise
deve ter um interesse maior do que a simples curiosidade acadêmica, porque a
forma como vemos os eventos relacionados ao fim determinará a nossa esperança e
como ansiamos pelo seu objeto. É fato que a igreja contemporânea tem se
mostrado indiferente relacionado ao que Deus fará no futuro ou com excessiva
curiosidade de perscrutar o que não lhe foi revelado; cremos que são dois extremos
que devem ser evitados.
Acima
de todas as preferências que nutramos em direção a alguma preferência
escatológica devemos, no entanto, estarmos certos de que ainda que determinada
perspectiva seja adota como a melhor, essa não ficará isenta de problemas
hermenêuticos e não poderá conceder todas as respostas necessárias. Cremos que
a perspectiva amilenista é a que melhor referenda o texto de Apocalipse com o
todo das Escrituras e que o pré-milenismo falha em deixar-se permitir que o fator
determinante de sua esperança se encontre em um texto obscuro e que lhe dá
pouca margem para analisar Escritura com Escritura. Porém reconhecemos que
ambos os posicionamentos precisam ser respeitados, visto que há uma gama de
eruditos e homens piedosos que abraçam ambos os sistemas.
Assim,
devemos nos abster de qualquer opinião que não esteja fundamentada nas
Escrituras, ainda que esteja seja muito atraente como opções escatológicas da
teologia moderna. É fato que o Senhor voltará de maneira visível e estará para
sempre com o seu povo, porém os detalhes em relação a esse evento é algo que
não deve nos dividir ao ponto de gerar desamor por causa de certa preferência
milenial. Certamente haverá grande transformação no coração, pensamento e
prática da igreja hodierna quando houver mais dedicação aos textos bíblicos que
tratam do assunto; humildade ao falar sobre isso e testemunho em relação aos
eventos que nos aguardam. Haverá também piedade na vida diária da igreja quando
nos detivermos mais sobre esse assunto com um espírito de oração. Que Cristo
tenha misericórdia do Seu povo enquanto aguardamos o Seu retorno.
REFERÊNCIAS:
1. FRANCE,
R. T. The gospel of Matthew: The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B.
Eerdmans Publishing Co. 2007.
2. MOUNCE, Robert H. The book of Revelation: the new international commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B.
Eerdmans Publishing Co. 1997.
3. BERKHOF, Louis. Teologia
Sistemática. 3ª edição. São
Paulo: Cultura Cristã, 2007.
4.
GRUDEM, Wayne. Teologia
Sistemática. São Paulo: Vida Nova, 1999.
5. ADEYEMO, Tokunboh. O comentário bíblico africano. São Paulo: Mundo Cristão, 2010.
6. HOEKEMA, Anthony. A Bíblia e o futuro. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
7. HENDRIKSEN, William. Mais que vencedores: uma
interpretação do livro do Apocalipse. São Paulo: Cultura Cristã, 2001.
8. GRIER, W. J. O maior de todos os acontecimentos. São
Paulo: Luz Para o Caminho, 1987.
9. CLOUSE, Robert G. (editor). Milênio:
significa e interpretações. Campinas: Luz Para o
Caminho, 1990.
10. Beale,
G. K. The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text. Grand
Rapids, Mich: W.B. Eerdmans, 1999
11. GOLDSWORTHY, Graeme. Pregando toda a Bíblia
como escritura cristã. São
José dos Campos, Editora Fiel, 2012.
12. LADD, George E. Apocalipse: introdução e comentário. São Paulo: Vida Nova, 1980.
13. SAWYER, James M. Uma introdução à teologia: das questões
preliminares, da vocação e do labor teológico. São Paulo: Vida, 2009.
14. VOS,
Geerhardus. The pauline eschatology.
P & R Publishing Company, 1992.
15. GREEN, Joel B. The gospel of Luke: The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 2007.
15. GREEN, Joel B. The gospel of Luke: The New International Commentary on the New Testament. Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans Publishing Co. 2007.
Nenhum comentário:
Postar um comentário