terça-feira, 28 de janeiro de 2014

Seminário na Alemanha Nazista

Quando a Igreja Luterana Alemã apoiou os nazistas em 1933, um seleto grupo de líderes dentro da igreja formou um movimento de resistência eclesiástica, o qual veio a se chamar A Igreja Confessante. Eles logo fundaram cinco novos seminários para treinar a próxima geração de ministros. Aproveitaram um jovem professor de teologia da Universidade de Berlim para dirigir o seminário recém criado em Zingst, e posteriormente em Finkenwalde.
O modelo predominante para a educação teológica na Alemanha era amplamente acadêmico, e as universidades dominaram a educação ministerial. Desde o Iluminismo (Aufklarung em alemão) os pastores alemães tinham digladiado pela respeitabilidade ao lado de médicos e advogados – profissionais das disciplinas mais “respeitáveis”.  Eruditos no estudo bíblico e teólogos tinham de fazer o mesmo em contraposição aos seus colegas na academia. Após um punhado de palestras para futuros ministros e teólogos em Friedrich Wilhelm University em Berlin, Dietrich Bonhoeffer sentiu que este tipo de ethos educacional estava errado – e era, por fim, danoso – para a igreja em geral.
Então, o novo seminário em Finkenwalde deu a Bonhoeffer uma oportunidade para traçar um curso diferente para a educação ministerial. Ele focaria sua escola na Escritura, oração e confissão teológica, e como Herr Direktor, Bonhoeffer poderia sustentar estes três pilares como achasse por bem. Mas nem todos concordaram. O altaneiro Karl Barth, por exemplo, protestou, dentre outros líderes na Igreja Confessante. Muitos estudantes seguiram o exemplo, contrariando as inovações de Bonhoeffer. Formidável demais para ser demitido, ele se manteve firme, e acabou ganhando tanto seus alunos como seus críticos.
Infelizmente, a história de Finkenwalde não acaba com sucesso – pelo menos não como a palavra “sucesso” é frequentemente definida, com os requisitos métricos de números e proezas. A maioria dos alunos de Bonhoeffer nunca chegou ao ministério pastoral. Vinte e sete foram presos. O seminário, como um todo, teve uma vida curta, fechado pela Gestapo após dois anos apenas.
Dito isto, o que foi realizado ali durante aqueles dois anos merece nota. Então, vamos considerar os três pilares de Bonhoeffer para a educação no seminário: Escritura, oração e confissão teológica.
Construa sobre a Palavra

Depois de alguns meses em operação, Bonhoeffer escreveu uma carta para as igrejas mantenedoras explicando a missão do seminário:
O caráter especial de um seminário da Igreja Confessante deriva da difícil situação na qual temos sido colocados devido ao conflito na igreja. A Bíblia constitui o ponto focal de nosso trabalho. Ela tem se tornado para nós uma vez mais o ponto de partida e o centro de nosso labor teológico e de toda a nossa ação cristã. (1)
Que esse foco bíblico era “especial” mostra porque a Igreja Luterana Alemã murchou sob o governo Nazista. A igreja como um todo há muito havia se afastado de suas amarras bíblicas. Sem um sólido fundamento bíblico, a igreja simplesmente não possuía os recursos necessários para se envolver nas questões éticas da década de 1930, a qual, em seguida, levou tragicamente às atrocidades na década de 1940 e da Segunda Guerra Mundial.
As palavras de Bonhoeffer também revelam sua convicção de que a Bíblia deve permanecer como o ponto central na educação ministerial e na igreja. A Escritura como o ponto focal no Finkenwalde implicava que os estudantes seriam treinados no Hebraico e no Grego. Eles receberiam instrução no conteúdo bíblico. “A congregação”, Bonhoeffer disse uma vez, “é construída unicamente sobre a Palavra de Deus.” (2) Bonhoeffer exigia que os alunos praticassem a lectio divina, lendo um Salmo e capítulos do Antigo e do Novo Testamento a cada dia. Os alunos também tinham de meditar numa passagem seleta a cada semana. Ele tinha a intenção de ajudá-los a formar os hábitos corretos.
Os alunos de Finkenwalde e o futuro biógrafo de Bonhoeffer, Eberhard Bethge, entenderam a mensagem. Anos depois, Bethge testificou, “Porque eu sou um pregador da Palavra, não posso expor as Escrituras a menos que as deixe falar para mim todos os dias. Usarei indevidamente a Palavra no meu serviço se não me mantiver meditando sobre ela em oração.” (3)

A Oração Faz um Pastor

Os cursos de Bonhoeffer sobre oração usavam a Oração do Senhor e o Catecismo de Lutero para instrução. Ele também exigia que os estudantes orassem, como um tipo de dever de casa. Os críticos o acusaram de que estava sendo legalista; alguém até mesmo chegou a dizer a ele que o tempo era muito urgente para oração e meditação. Bonhoeffer respondeu a estas críticas vigorosamente: “Isso ou mostra uma total falta de compreensão por parte dos jovens teólogos de hoje, ou uma ignorância blasfema de como a pregação e o ensino vêm a existência.” (4) Como Bonhoeffer disse uma vez a sua Congregação em Londres, “Uma congregação que não ora pelo ministério do seu pastor, não é mais uma congregação. Um pastor que não ora diariamente por sua congregação, não é mais um pastor.” (5)

Confissão como Currículo

Por fim, há o terceiro pilar: a confissão teológica. Como um luterano alemão, o padrão confessional de Bonhoeffer era A Confissão de Augsburg (1530), contida no Livro de Concórdia (1580). Da mesma maneira que a Escritura e a oração eram eclipsadas na Igreja Luterana, assim também acontecia com a confissão. Como tantas outras denominações no século 20, a Igreja Luterana Alemã professava sua confissão teológica da boca pra fora, e não mais do que isso.
Não era assim no seminário de Bonhoeffer. Bethge comenta sobre como a cópia do Livro de Concórdia de Bonhoeffer estava sublinhada, marcada com notas nas laterais, pontos de exclamação e interrogações. É evidente que Bonhoeffer lutou com sua confissão e a levou a sério. (6) De fato, para Bonhoeffer a confissão era o currículo da teologia.
Mas ele não estava apenas interessado em que seus alunos conhecessem e lutassem com a teologia. Ele também queria que eles vivessem-na. A confissão moldaria suas vidas, sua ética, sua pregação e suas igrejas. “Teologia é a submissão ao conhecimento coerente e bem ordenado da palavra de Deus”, ele escreveu. “Ela serve à pura proclamação da palavra na congregação e à edificação da congregação de acordo com a palavra de Deus.” (7)

Seminários São para a Igreja

Então, os seminários existem pra quê? Assim como a teologia que ensinam, eles existem para a igreja. E acerca do que eles deveriam tratar? Assim como a igreja para quem eles existem, eles deveriam tratar sobre a Escritura, a oração e a confissão teológica. Além do mais, estas são as marcas de todos os cristãos em todos os tempos, pois são os hábitos da vida cristã.

Nota do Editor: confira o novo livro de Nichols,  Bonhoeffer on the Christian Life: From the Cross, for the World (Crossway).

1 Dietrich Bonhoeffer, "A Greeting from the Finkenwalde Seminary," Oct. 1935, The Way to Freedom (New York: Harper & Row, 1966), 35.
2 Dietrich Bonhoeffer, "Theology and the Congregation," Dietrich Bonhoeffer Works, Vol 16: 1940-1945 (Minneapolis: Fortress Press, 2006), 494.
3 Ibid., 57.
4 Cited in Eberhard Bethge, Dietrich Bonhoeffer: A Biography (Minneapolis: Fortress Press, 2000), 465.
5 Dietrich Bonhoeffer, Oct. 22, 1933, in Dietrich Bonhoeffer Works, Vol 13: London, 1933-1935 (Minneapolis: Fortress Press, 2007), 325.
6 Bethge, Dietrich Bonhoeffer, 449.
7 Bonhoffer, DBW, Vol. 16, 494.

Stephen J. Nichols é professor e pesquisador do cristianismo e da cultura em Lancaster Bible College, além de ser o autor de mais de uma dezena de livros, incluindo seu mais recente, Welcome to the Story: Reading, Living, and Loving God’s Word (Crossway).




Tradução: Nelson Ávila.

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