Quando a Igreja
Luterana Alemã apoiou os nazistas em 1933, um seleto grupo de líderes dentro da
igreja formou um movimento de resistência eclesiástica, o qual veio a se chamar
A Igreja Confessante. Eles logo fundaram cinco novos seminários para treinar a
próxima geração de ministros. Aproveitaram um jovem professor de teologia da
Universidade de Berlim para dirigir o seminário recém criado em Zingst, e
posteriormente em Finkenwalde.
O modelo predominante
para a educação teológica na Alemanha era amplamente acadêmico, e as
universidades dominaram a educação ministerial. Desde o Iluminismo (Aufklarung em alemão) os pastores
alemães tinham digladiado pela respeitabilidade ao lado de médicos e advogados
– profissionais das disciplinas mais “respeitáveis”. Eruditos no estudo bíblico e teólogos tinham
de fazer o mesmo em contraposição aos seus colegas na academia. Após um punhado
de palestras para futuros ministros e teólogos em Friedrich
Wilhelm University em Berlin, Dietrich Bonhoeffer sentiu que este tipo de ethos educacional estava errado – e era,
por fim, danoso – para a igreja em geral.
Então,
o novo seminário em Finkenwalde deu a Bonhoeffer uma oportunidade para traçar um curso diferente
para a educação ministerial. Ele focaria sua escola na Escritura, oração e
confissão teológica, e como Herr Direktor, Bonhoeffer poderia sustentar estes três pilares como
achasse por bem. Mas nem todos concordaram. O altaneiro Karl Barth, por
exemplo, protestou, dentre outros líderes na Igreja Confessante. Muitos
estudantes seguiram o exemplo, contrariando as inovações de Bonhoeffer. Formidável demais para ser demitido, ele se
manteve firme, e acabou ganhando tanto seus alunos como seus críticos.
Infelizmente, a
história de Finkenwalde não acaba com sucesso – pelo menos não como a
palavra “sucesso” é frequentemente definida, com os requisitos métricos de
números e proezas. A maioria dos alunos de Bonhoeffer nunca chegou ao
ministério pastoral. Vinte e sete foram presos. O seminário, como um todo, teve
uma vida curta, fechado pela Gestapo após dois anos apenas.
Dito
isto, o que foi realizado ali durante aqueles dois anos merece nota. Então,
vamos considerar os três pilares de Bonhoeffer para a educação no seminário:
Escritura, oração e confissão teológica.
Construa sobre a Palavra
Depois
de alguns meses em operação, Bonhoeffer escreveu uma carta para as igrejas
mantenedoras explicando a missão do seminário:
O
caráter especial de um seminário da Igreja Confessante deriva da difícil
situação na qual temos sido colocados devido ao conflito na igreja. A Bíblia
constitui o ponto focal de nosso trabalho. Ela tem se tornado para nós uma vez
mais o ponto de partida e o centro de nosso labor teológico e de toda a nossa
ação cristã. (1)
Que esse foco bíblico
era “especial” mostra porque a Igreja Luterana Alemã murchou sob o governo
Nazista. A igreja como um todo há muito havia se afastado de suas amarras
bíblicas. Sem um sólido fundamento bíblico, a igreja simplesmente não possuía
os recursos necessários para se envolver nas questões éticas da década de 1930,
a qual, em seguida, levou tragicamente às atrocidades na década de 1940 e da
Segunda Guerra Mundial.
As palavras de Bonhoeffer também revelam sua convicção de que a Bíblia deve
permanecer como o ponto central na educação ministerial e na igreja. A
Escritura como o ponto focal no Finkenwalde implicava
que os estudantes seriam treinados no Hebraico e no Grego. Eles receberiam
instrução no conteúdo bíblico. “A congregação”, Bonhoeffer disse uma
vez, “é construída unicamente sobre a Palavra de Deus.” (2) Bonhoeffer exigia
que os alunos praticassem a lectio divina,
lendo um Salmo e capítulos do Antigo e do Novo Testamento a cada dia. Os alunos
também tinham de meditar numa passagem seleta a cada semana. Ele tinha a
intenção de ajudá-los a formar os hábitos corretos.
Os
alunos de Finkenwalde e o futuro biógrafo de Bonhoeffer, Eberhard Bethge,
entenderam a mensagem. Anos depois, Bethge testificou, “Porque eu sou um
pregador da Palavra, não posso expor as Escrituras a menos que as deixe falar
para mim todos os dias. Usarei indevidamente a Palavra no meu serviço se não me
mantiver meditando sobre ela em oração.” (3)
A Oração Faz um Pastor
Os
cursos de Bonhoeffer sobre oração usavam a Oração do Senhor e o Catecismo de
Lutero para instrução. Ele também exigia que os estudantes orassem, como um
tipo de dever de casa. Os críticos o acusaram de que estava sendo legalista;
alguém até mesmo chegou a dizer a ele que o tempo era muito urgente para oração
e meditação. Bonhoeffer respondeu a estas críticas vigorosamente: “Isso ou
mostra uma total falta de compreensão por parte dos jovens teólogos de hoje, ou
uma ignorância blasfema de como a pregação e o ensino vêm a existência.” (4)
Como Bonhoeffer disse uma vez a sua Congregação em Londres, “Uma congregação
que não ora pelo ministério do seu pastor, não é mais uma congregação. Um
pastor que não ora diariamente por sua congregação, não é mais um pastor.” (5)
Confissão como
Currículo
Por fim, há o terceiro pilar: a
confissão teológica. Como um luterano alemão, o padrão confessional de
Bonhoeffer era A Confissão de Augsburg (1530), contida no Livro de Concórdia (1580). Da mesma maneira que a
Escritura e a oração eram eclipsadas na Igreja Luterana, assim também acontecia
com a confissão. Como tantas outras denominações no século 20, a Igreja
Luterana Alemã professava sua confissão teológica da boca pra fora, e não mais
do que isso.
Não era assim no seminário de
Bonhoeffer. Bethge comenta sobre como a cópia do Livro de Concórdia de Bonhoeffer estava sublinhada,
marcada com notas nas laterais, pontos de exclamação e interrogações. É
evidente que Bonhoeffer lutou com sua confissão e a levou a sério. (6) De fato,
para Bonhoeffer a confissão era o currículo da teologia.
Mas ele não estava apenas interessado em
que seus alunos conhecessem e lutassem com a teologia. Ele também queria que
eles vivessem-na. A confissão moldaria suas vidas, sua ética, sua pregação e
suas igrejas. “Teologia é a submissão ao conhecimento coerente e bem ordenado
da palavra de Deus”, ele escreveu. “Ela serve à pura proclamação da palavra na
congregação e à edificação da congregação de acordo com a palavra de Deus.” (7)
Seminários São para a Igreja
Então, os seminários existem pra quê?
Assim como a teologia que ensinam, eles existem para a igreja. E acerca do que
eles deveriam tratar? Assim como a igreja para quem eles existem, eles deveriam
tratar sobre a Escritura, a oração e a confissão teológica. Além do mais, estas
são as marcas de todos os cristãos em todos os tempos, pois são os hábitos da
vida cristã.
Nota
do Editor: confira o novo livro de Nichols, Bonhoeffer on the Christian Life: From the Cross, for the World (Crossway).
1 Dietrich Bonhoeffer, "A Greeting from the
Finkenwalde Seminary," Oct. 1935, The Way to Freedom (New
York: Harper & Row, 1966), 35.
2 Dietrich Bonhoeffer, "Theology and the
Congregation," Dietrich Bonhoeffer Works, Vol 16:
1940-1945 (Minneapolis: Fortress Press, 2006), 494.
3 Ibid., 57.
4 Cited in Eberhard Bethge, Dietrich Bonhoeffer: A Biography (Minneapolis:
Fortress Press, 2000), 465.
5 Dietrich Bonhoeffer, Oct. 22, 1933, in Dietrich Bonhoeffer Works, Vol 13:
London, 1933-1935 (Minneapolis: Fortress Press, 2007), 325.
Stephen
J. Nichols é professor e pesquisador do cristianismo e da cultura em Lancaster
Bible College, além de ser o autor de mais de uma dezena de livros, incluindo
seu mais recente, Welcome to the Story: Reading,
Living, and Loving God’s Word (Crossway).
Texto original disponível em: http://thegospelcoalition.org/blogs/tgc/2013/08/08/seminary-in-nazi-germany/
Tradução:
Nelson Ávila.
Nenhum comentário:
Postar um comentário