sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

A ESCOLHA SOBERANA




“Porque Deus nos escolheu Nele antes da criação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis em Sua presença. Em amor nos predestinou para sermos adotados como filhos, por meio de Jesus Cristo, conforme o bom propósito da sua vontade, para o louvor da sua gloriosa graça, a qual nos deu gratuitamente no Amado”. (Ef 1.4-6)

Todos aqueles que se denominam cristãos consideram-se escolhidos de Deus e, mais que isso, devido ao grande acervo de passagens bíblicas que insistem em bater nessa tecla, vêem-se forçados a, no mínimo, abraçar algum tipo de “doutrina da eleição” e é este o ponto exato onde começam as divergências.
São três as visões mais aceitas: “Universalismo”, “Eleição Presciente” e “Eleição Incondicional”.
O “Universalismo” (acolhido por uma gama de liberais e neo-ortodoxos) defende a idéia de que Cristo morreu por todos, de maneira que o sangue de Cristo foi suficiente para garantir salvação a todos os homens.
Eles apoiam-se, principalmente, no texto de Romanos 5 onde é feito um paralelo entre o primeiro e segundo Adão, exclamando que se por meio de um só homem (primeiro Adão) entrou o pecado e a morte no mundo, por meio de Cristo (segundo Adão), cuja obra é maior que a do pecado, a salvação se apresentou, e esta, a todos os homens.
O grande problema do “Universalismo” é que, forçando o texto a este extremo, ele acaba negando doutrinas básicas da fé cristã, pregadas tanto pelos apóstolos quanto pelo próprio Cristo, como a doutrina do Inferno, por exemplo. Se todos os homens foram salvos, não existe inferno, nem lago de fogo, nem condenação ou tormento eterno, tudo não passou de uma grande, e sem graça, piada de mau gosto.
A obra de Cristo na cruz do calvário é verdadeiramente eficaz para a salvação, mas somente daqueles por quem Cristo morreu, a saber, os eleitos; isso se torna explícito quando analisamos a quem era endereçada a epístola de Efésios:

“Paulo, apóstolo de Cristo Jesus pela vontade de Deus, aos santos e fiéis em Cristo Jesus que estão em Éfeso”. (Ef 1.1)


A luz de Efésios 1.1 fica fácil entender que em Efésios 1.4 (“Porque Deus nos escolheu Nele antes da criação do mundo...”.), Paulo está se referindo (“nos escolheu”) não ao mundo inteiro, mas aos “santos e fiéis... que estão em Éfeso” (Ef 1.1), isso se repete nas demais cartas paulinas, revelando que as bênçãos de Deus são derramadas sobre a comunidade dos “santos e fiéis”. Não quero discutir sobre a doutrina da “Expiação Limitada” (Limited Atoinement) agora, tentarei tratar dela mais profundamente no próximo comentário que fizer a este blog, mas, para uma melhor compreensão do erro de se crer no “Universalismo”, é necessário enfatizar aqui que Cristo não morreu por todos, pois se assim o tivesse feito, seu sacrifício não teria sido completo (perfeito); Ele teria falhado em sua missão, pois todo aquele que ler a Bíblia sabe que muitos irão para o inferno.


“Mas os covardes, os incrédulos, os depravados, os assassinos, os que cometem imoralidade sexual, os que praticam feitiçaria, os idólatras e todos os mentirosos – o lugar deles será no lago de fogo que arde com enxofre. Esta é a segunda morte”. (Ap 21.8)


Talvez fique mais simples se analisarmos o famoso versículo da Sagrada Escritura:


“Porque Deus tanto amou o mundo que deu o Seu Filho Unigênito, para que todo o que Nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna”. (Jo 3.16)


Aqui, (e peço perdão por laborar mais uma vez sobre o que já vinha sendo apresentado) João deixa claro que existem dois destinos finais: a vida eterna e a morte eterna. Existe uma condição para que não pereçamos e tenhamos a vida eterna. Essa condição é “Nele (Jesus Cristo) crer”. O texto também revela por quem Cristo morreu: “todo o que Nele crer”, o “todo” aqui está delimitado a uma classe específica, ou seja, a dos “que Nele crer”, e isso é reconfortante, pois, embora ninguém tenha me escolhido para porteiro do céu, é sempre bom saber que não encontrarei Hitler ou Nero no Paraíso.
Antes de passar a tratar sobre a “Eleição Presciente”, gostaria de acrescentar algo mais ao meu argumento: se Deus nos escolheu (e o “nos” aqui, de acordo com os “Universalistas”, se refere a todas as pessoas do planeta) desde antes da fundação do mundo, como diz Efésios 1.4, por que o acréscimo: para sermos santos e irrepreensíveis diante Dele? Se Ele colocou todo o mundo no pacote, mesmo aquelas pessoas que morrem em seus próprios desejos carnais, realizando todo tipo de prática pecaminosa (como já mencionei em Ap. 21.8), por que isso de ser santo e irrepreensível? A expressão seria supérflua. Se Cristo já garantiu a salvação de todos, podemos fazer o que der na telha, pois, já não estaremos lá todos de qualquer jeito? Se Ele não escolheu uma classe particular de pessoas e sim toda a humanidade, deveria eu acreditar que Seus planos foram frustrados, pois nem todos (na verdade apenas uma minoria, a que foi regenerada, justificada e confirmará sua eleição através das boas obras) poderiam ser chamados “santos” ou “irrepreensíveis” (na pessoa de Cristo) diante Dele.
Passemos agora ao caso da “Eleição Presciente” (Defendida principalmente por arminianos). Como o próprio nome diz, essa visão constrói seu alicerce sobre a característica da presciência divina; em outras palavras, Deus escolhe o homem porque, desde antes da fundação do mundo, Ele já havia visto que aquele homem o escolheria.
Essa visão é muito reconfortante e por muito tempo acreditei nela, pois, Deus é absolvido de qualquer interferência no destino final do homem. Se o homem vai para o céu, é porque ele fez essa escolha e batalhou pelo seu objetivo. Se o homem vai para o inferno, é porque ele desprezou os ensinos da Palavra de Deus, de sorte que o homem é o próprio senhor de seu destino.
O grande problema aqui é que Deus assume um caráter passivo. Ele é um mero espectador da história humana e não o Ser Soberano que a Bíblia tanto exalta. Deus assiste o desenrolar dos fatos e torce para que todos (ou o maior número de pessoas possível) decidam sabiamente e O escolham como Senhor da eternidade.
Na verdade, tudo não passa de uma grande barganha. Naquele grande dia não haverá humilde no paraíso, pois todos encararão a Deus e dirão: “No que eu deveria Te agradecer? Se eu mesmo não tivesse tomado a decisão de Ti servir e me esforçado para tal, estaria neste momento queimando no inferno, Tu não terias mexido um só dedo. Não foi Tu que me livraste, fizemos negócios: eu Te servia na terra para que em troca Tu me desse esta vida aqui no céu. Comprei com meu suor minha salvação e exijo o maior galardão do qual disponha”.
Os que defendem esta visão ignoram que a graça que recebemos, Ele “nos deu gratuitamente no Amado” (Ef 1.6) e “vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus; não por obras, para que ninguém se glorie”. (Ef 2.8,9) A própria fé que temos, pré-requisito para nossa salvação, não parte de nós mesmos, “é dom de Deus”, pois Ele é o "... Autor e Consumador da fé" (Hb 12.2). "... porque Deus é o que opera em vós tanto o querer como o efetuar, segundo a sua boa vontade" (Fl 2:13).
Se Deus simplesmente viu na eternidade que seriamos bonzinhos e O escolheríamos de bom grado, nos esforçando e perseverando até o fim, nossa salvação é, em última análise, pelas obras e não pela graça mediante a fé. Nós salvamos a nós mesmos e Paulo estava totalmente equivocado quando escreveu Romanos 9, o qual abordarei agora para desenvolver a visão da “Eleição Incondicional” (Inconditional Election).
Em Romanos 9. 1-5, Paulo lamenta pelo povo de Israel que havia recebido “a glória divina, as alianças, a concessão da Lei, a adoração no templo e as promessas” (Rom 9.4), porém caminhava tão distante de Deus que assassinou Seus profetas e Seu Filho Unigênito, o próprio Messias tanto esperado ("Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, apedrejas os que a ti são enviados!" [Mt 23.37]). Isso deixaria a nós cristãos (principalmente nós calvinistas) atordoados, pois se Israel era o povo escolhido de Deus, como poderia isto ter acontecido? Deus falhara? Paulo mesmo responde nos versículos 6 e 7: “Não pensemos que a palavra de Deus falhou. Pois nem todos os descendentes de Israel são Israel. Nem por serem descendentes de Abraão passaram todos a ser filhos de Abraão” (ver também João 8.39,40). Em outras palavras, Paulo deixa claro que os eleitos de Deus, o verdadeiro Israel, continuará com seus nomes no “livro da vida” (Fl 4.3) e perseverarão até o fim, independentemente dos falsos crentes (descendentes de Israel apenas na carne), do mundo ou do Diabo. O plano de Deus continuará inalterável.
Nos versículos de 10 a 13, Paulo vai usar o exemplo de Esaú e Jacó para ilustrar a escolha soberana de Deus. Ele nos diz que eles não haviam praticado ainda o bem ou o mal, mas Deus já havia determinado que o mais velho serviria ao mais moço. Mais uma vez aqui, como em Efésios 2.9, Paulo insiste que não pelas obras, mas que o propósito de Deus conforme a eleição permaneceria exclusivamente por Aquele que chama, ou seja, pela vontade de Deus. Isto é tão verdadeiro que o apóstolo termina o versículo 13 declarando que o Senhor já havia determinado tudo isso em Sua Escritura, “Como está escrito: ‘Amei Jacó, mas rejeitei Esaú’”.
Vincent Cheung (Introdução à Teologia Sistemática, Arte Editorial, 2008, pg. 258) escreve acerca da “Doutrina da Eleição”: “Deus elegeu esses indivíduos sem qualquer consideração por suas decisões, ações e outras condições existentes neles; a base de sua escolha foi apenas sua vontade. Ele os escolheu para a salvação porque quis escolhê-los, e não por ter previsto alguma coisa que teriam decidido ou feito”. Os opositores da “Eleição Incondicional” logo argumentariam (e de fato têm-no feito, vez após vez): “Se isso é verdade, Deus é injusto!” O próprio Apóstolo Paulo responde: “Deus tem misericórdia de quem Ele quer, e endurece a quem Ele quer. Mas alguns de vocês me dirá: ‘porque Deus ainda nos culpa? Pois, quem resiste à Sua vontade?’ Mas quem é você, ó homem, para questionar a Deus? ‘Acaso aquilo que é formado pode dizer ao que o formou: ¨Por que me fizeste assim?¨’ O oleiro não tem direito de fazer do mesmo barro um vaso para fins nobres e outro para uso desonroso? E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os vasos de sua ira, preparados para a destruição? Que dizer, se Ele fez isto para tornar conhecidas as riquezas de sua glória aos vasos de sua misericórdia, que preparou de antemão para a glória, ou seja, a nós, a quem também chamou, não apenas dentre os judeus, mas também dentre os gentios?” (Rom 9. 18-24).
Não há dúvidas de que a eleição “não depende do desejo ou do esforço humano, mas da misericórdia de Deus”. (Rom 9.16). Cheung acrescenta: “A eleição não depende das decisões ou ações humanas, mas da misericórdia divina dispensada exclusivamente por sua vontade soberana” (pg. 260). O próprio Jesus disse: “Todo aquele que o Pai me der virá a mim, e quem vier a mim eu jamais rejeitarei” (Jo 6.37) e ainda “Ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair” (Jo 6.44). A palavra aqui traduzida (na NVI) por “atrair” é a mesma traduzida em outras passagens por “arrastar”, “puxar” ou “compelir”, como, por exemplo, em Atos 16.19 (ver também At 21.30, Tg 2.6), isso mostra que se Deus não nos atrair, arrastar, puxar ou compelir a Ele, nós não o faremos. Cheung explica que: “Pelo fato de outras passagens bíblicas indicarem que nem todos serão salvos, segue-se necessariamente que o Pai não dá toda pessoa a Jesus para ser salva” (pg. 261) “e pelo fato de ser o pai apenas e não os próprios indivíduos quem escolhe quem virá a Cristo, segue-se que o Pai que escolhe quem receberá a salvação, e não os próprios seres humanos” (pg. 261).
Millard J. Erickson (Introdução à Teologia Sistemática, Vida Nova, 1997, pg. 388) aconselha: “Antes de investigarmos o ensino bíblico de que Deus escolheu especialmente a alguns para que tenham vida eterna, é importante considerar o retrato pungente que a Bíblia faz do homem: perdido, cego e incapaz, em seu estado natural, de responder com fé a oportunidade de salvação”. O homem em seu estado natural não tem fé para responder a Deus. Lembremo-nos: “Pois vocês são salvos pela graça, por meio da fé, e isto não vem de vocês, é dom de Deus” (Ef 2.8). Deus é o "autor" (Hb 12.2) da nossa fé, de maneira que se Ele não operar essa fé em nós, nós jamais creremos Nele a ponto de nos entregarmos e respondermos positivamente ao Seu chamado.
Citando Vincent Cheung (Introdução à Teologia Sistemática, Arte Editorial, 2008) mais uma vez: “A fé não é a causa da eleição, mas a eleição é a causa da fé. Cremos em Cristo porque Deus primeiro nos elegeu para sermos salvos e, então, nos levou a crer em Jesus” (pg. 263).
Concluo declarando que Deus nos escolheu soberanamente e esta escolha partiu Dele, não de algo que tenhamos para oferecer. A “Doutrina da Eleição Incondicional” nos leva a glorificar ainda mais o nome de Deus, pois, se tivéssemos sido entregues a nós mesmos, caminharíamos dia após dia rumo ao abismo eterno. Graças a Deus que podemos descansar em Sua escolha soberana, a qual jamais falhará. Wayne Grudem diz: “Entendida desse modo, a doutrina da eleição amplia o louvor a Deus por nossa salvação e diminui seriamente qualquer orgulho que possamos sentir baseados no pensamento de que nossa salvação deu-se a alguma coisa pela qual devemos receber crédito” (Teologia Sistemática, Vida Nova, 1999, pg. 563). Que venhamos a diminuir constantemente, para que somente o nome de Jesus cresça e seja glorificado.


Sola Gratia, Sola Fide, Soli Deo Gloria.





Nelson Ávila, 28 de janeiro de 2010.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

A QUEDA


A revista “Fé para Hoje”, lançada pela editora “Fiel”, publicou em Junho de 2009 um artigo intitulado: “Dez efeitos de crer nas doutrinas da graça”. No 5º dos “Dez efeitos” (pg. 3), John Piper declara:

“Estas verdades fazem-me gemer diante da indescritível enfermidade de nossa cultura secular que milita contra Deus”.

E acrescenta:

“Não posso ler o jornal, assistir a uma propaganda na TV ou ver um outdoor sem intenso pesar de que Deus está ausente”.

Isso me faz recordar a famosa frase do, não menos famoso, filósofo alemão Friedrich Wilhelm Nietzsche (1844-1900): “Deus está morto!”. E faz-me constatar que ele não estava totalmente errado.
No mundo pós-moderno parece não haver mais espaço para Deus; é como se Ele realmente tivesse sido sepultado e a lápide, sem epitáfio ou qualquer menção ao ilustre residente, houvesse sido erigida em algum terreno baldio do subconsciente, no limiar entre o que não recordamos (pela irrelevância) e o que não queremos recordar (por se opor aos nossos próprios desígnios perversos).
Louis Berkhof, em sua “Teologia Sistemática” (pg. 21), fala acerca de pessoas que vivem como se Deus não existisse e as classifica “ateus práticos”. Pergunto-me se esta não seria a expressão exata para definir o mundo em que vivemos.
Estaria Nietzsche com absoluta razão afinal? Deus está morto, então?
Penso que Nietzsche, que tanto se gabara de ter lido a Bíblia de capa a capa, se tivesse prestado um pouquinho mais de atenção ao que ali estava escrito, nos teria deixado uma afirmativa bem melhor e mais proveitosa, quanto à realidade universal.
Nietzsche encontrou a essência da questão, a saber, que de fato alguém está morto! Porém, o Ap. Paulo já havia desvendado esse mistério quase dois mil anos antes dele e a resposta se encontra em Efésios 2.1:

“Vocês estavam mortos em suas transgressões e pecados”. (NVI)

Esta é a chave para compreender a lastimável situação mundial. Quando paro para refletir sobre as doutrinas da graça e vejo a T.U.L.I.P. (Total depravity, Unconditional election, Limited atonement, Irresistible grace e Perseverance of saints) diante de mim, não canso de me impressionar com sua simetria e disposição.
Após incontáveis fracassos, na tentativa de difundir essas verdades tão necessárias, descobri que a pedagogia da T.U.L.I.P. exigia um “T” inicial e que seriam novos incontáveis fracassos negligenciar ou ignorar essa seqüência lógica. Total Depravity (Depravação Total) tem que ser o ponto de partida, se de fato ansiamos por compreender as maravilhosas doutrinas da graça.
Gostaria agora de destacar o primeiro ponto deste artigo:

O mundo tornou-se corrupto pela corrupção humana.

Há uma série de intelectuais, composto em sua maioria por ateus e neo-ortodoxos (não digo aqui que a neo-ortodoxia ou os neo-ortodoxos em unanimidade são defensores do que tratarei a frente, digo apenas que entre os que defendem encontram-se muitos neo-ortodoxos.), que abraçam a idéia de que o homem é corrompido pelo meio em que vive. Sustentar tal opinião é tanto uma tolice, quanto uma agressão a Sagrada Escritura.
A Palavra de Deus afirma:

“... Por um só homem entrou o pecado no mundo, e pelo pecado, a morte”.
(Rm 5.12)

“... Pela ofensa de um só, morreram muitos”. (Rm 5.15)

“... Por uma só ofensa, veio o juízo sobre todos os homens para condenação”.
(Rm 5.18)

“... Pela desobediência de um só homem, muitos se tornaram pecadores”.
(Rm 5.19)

Todos estes versículos (e existem ainda muitos outros) nos mostram como o homem corrompeu a sociedade e não o contrário, mas existe uma passagem que retrata isso com ainda mais clareza:

“Pois a criação está sujeita à vaidade, não voluntariamente, mas por causa daquele que a sujeitou, na esperança de que a própria criação será redimida do cativeiro da corrupção, para a liberdade da glória dos filhos de Deus. Porque sabemos que toda a criação geme e suporta angústias até agora”. (Rm 8.20-22)

Isso já deveria ser o bastante para os neo-ortodoxos (refiro-me aqui novamente de maneira não generalizada) abandonarem a visão de que a queda não passa de mito. Mas sabendo que eles, como todos os demais neo-ortodoxos (e aqui generalizo sem medo de ser injusto), não confiam na Bíblia a ponto de julgá-la inerrante, creio ser necessário tratá-los em conjunto com os ateus, ou seja, a luz da lógica.
A grande dificuldade para os que sustentam essa posição é que ela não explica o problema da universalidade do pecado. Se de fato Gênesis é uma fábula e não houve queda factual, teríamos que concordar que o homem nasce sem a semente do pecado, e com isso totalmente livre. Um homem que nascesse em tais condições, sem qualquer interferência que o impulsionasse em suas decisões, teria apenas duas opções: pecar ou não pecar, e a porcentagem seria de 50% para qualquer das duas.
O normal seria encontrarmos sociedades divididas entre santos piedosos e incorruptíveis e sodomitas devassos e inescrupulosos. Tal hipótese seria ilógica quando confrontada com a realidade. Se analisarmos a questão de forma experimental, constataremos que o fato é que todos pecamos.
R. C. Sproul (Em seu livro “Eleitos de Deus”, pg. 61) afirma: “A resposta padrão dos defensores da visão do mito é que as pessoas não são universalmente nascidas num ambiente idílico como o Éden. A sociedade é corrupta. Nascemos num ambiente corrupto”. Em outras palavras, eles voltariam ao que já foi dito acima (que o homem é corrompido pelo meio em que vive), mas o próprio Sproul faz uma indagação que tanto responde, como encerra a questão: “Em primeiro lugar, como a sociedade ou a civilização se tornaram corruptas?” (pg. 61). Se o problema desde o início não está no homem, onde mais o encontraremos?

O segundo ponto é este:

O pecado de Adão recaiu sobre toda a humanidade.

Quanto aos que defendem a visão “realista da queda”, ou seja, que o homem não pode ser culpado por algo que não cometeu, o erro está baseado numa má interpretação bíblica, apoiada em teorias inconsistentes e textos fora de contexto. A pergunta é essa: Se não é possível ter a culpa de alguém transferida para nós, não será possível transferir nossa própria culpa para outra pessoa, nem ter a justiça de outrem nos imputada. Sendo assim, não seria possível que Cristo nos justificasse. Sem Cristo ficamos sem salvador e lutando para salvar e justificar a nós mesmos.

O terceiro e último ponto é:

Em Adão, a humanidade foi plenamente representada.

Todos nos perguntamos se Adão seria a melhor pessoa para nos representar. Nos colocamos em seu lugar e declaramos que seu erro não seria o nosso se a posição fosse inversa. Declaro: em Adão, fomos plenamente representados!
Não me baseio nos atributos de Adão para sustentar minha declaração. Não são suas qualidades excepcionais ou imaculada concepção (criação) na história que me dão essa garantia, mas a perfeita e soberana escolha de Deus.
Deus é um ser perfeito, de forma que tudo o que faz é justo e bom. Deus pode (e de fato faz) escolhas infinitamente melhores do que qualquer um de nós poderia sequer imaginar. Se aprouve a Deus escolher Adão, isso deve satisfazer a qualquer um que creia nEle.

Entendendo a queda, não se torna difícil compreender a condição atual do homem. Talvez, se Nietzsche houvesse meditado um pouco mais no capítulo 3 do livro de Gênesis, tivesse entendido que quem morreu no jardim foi o próprio homem (talvez ele estivesse morto demais para notar).
Adão caiu e sua queda foi enorme. Ele arrastou consigo toda a humanidade e, não só isso, mas toda a “... criação geme...” (Rom 8.22 b) em conseqüência de sua queda.
Em virtude da queda, tudo no homem tornou-se contaminado (corpo, pensamentos, atitudes...) e seu livre arbítrio já não é tão livre agora, pois a semente do pecado fez morada em seu coração e de lá procedem todos os maus desígnios.
Agostinho dissera que embora ainda haja no homem livre arbítrio, falta-lhe liberdade. O homem, em sua condição de escravo do pecado e inimigo de Deus, continua tomando suas próprias decisões, no entanto, suas decisões não são livres de qualquer preconceito, pelo contrário, estão baseadas sempre em seus desejos vigentes mais fortes, e estes são, inevitavelmente, os de satisfazer a carne.
Foi a este homem, insensível ao ponto de não perceber a própria cegueira; imerso na lama e comendo com porcos; rumando segundo curso deste mundo, com os pés a resvalar no abismo, que Deus amou e “elegeu desde antes da fundação do mundo” (Ef 1.4). Foi por este homem que o Verbo, que “... é Deus” (Jo 1.1), “... se fez carne e habitou entre nós” (Jo 1.14), para ser “... transpassado por nossas transgressões” e “esmagado por nossas iniqüidades” (Is 53.5).
Graças dou a Deus o Pai por ter enviado “... seu filho unigênito” (Jô 3.16) para morrer em meu lugar. Graças dou a Deus o Filho, por ter levado sobre Si minhas “... dores e enfermidades” (Is. 53.4) e o castigo que me “... traz a paz” (Is 53.5) ter suportado em meu lugar. Por suas feridas fui sarado! Graças dou a Deus Espírito Santo, por ter me convencido de meus pecados e, mesmo neste exato momento, interceder por mim (até com gemidos inexprimíveis). Graças dou por ter me selado e ser a garantia de minha “... herança até a redenção daqueles que pertencem a Deus, para o louvor da Sua glória” (Ef 1.14).


Soli Deo Gloria.


Nelson Ávila, 18 de janeiro de 2010.

sexta-feira, 15 de janeiro de 2010

EM DEFESA DO EU

EM DEFESA DO EU
Estas são as primeiras linhas de um anônimo e, como tais, as responsáveis por arrancar-lhe de seu confortável e solitário refúgio, atirando-lhe em terreno acidentado e escorregadio; expondo-lhe a face entre aglomerado de mãos ávidas, das quais não se pode retrair o pescoço.
É bem verdade que precedente as linhas vieram as idéias, de modo que, ao mesmo tempo, o próprio autor torna-se culpado (voluntário) e nega a si mesmo o direito futuro de apontar um outro pelas adversidades que sua própria mente o possa levar.
Todavia, recorro ao arrependimento (característica muito peculiar ao gênero humano, principalmente quando se trata do arrepender-se daquela verdade dita ou daquele bem praticado que não convergiu em vantagens) e nego veementemente o que acabei de afirmar acima: não sou o único culpado!
Houvera Alguém que me constrangera. Alguém que incendiara coração e alma. Que gravara Sua verdade tão profundamente em meu ser que, encontrando-me agora de olhos tão absurdamente abertos, espantei-me ao enxergar o velho mundo (o mesmo mundo), que sempre estivera ali, mas nunca daquele jeito. Extasiado como estava (e, de fato, me encontro desde então), seria impossível retroceder ao lastimável estado de cegueira inicial em que andei, por tanto tempo, outrora. É sobre Este que deposito a culpa da criação de tudo isto; Este que me resgatou de dentre os mortos para me dar vida com Ele.
O miserável autor não poderia sequer iniciar aquilo a que se propõe sem que esta Segunda Pessoa (Triuna Pessoa) o houvesse levado a presumir.

“Persuadiste-me Senhor e persuadido fiquei”.

Seria insensatez julgar que aos meus pueris devaneios fossem atribuídos algum crédito ou mérito por qualquer que seja o bom proveito que daqui se possa extrair. Oro e peço a Deus para que, escondido à sombra de Sua cruz, eu possa ser um mero conduto da Sua multiforme Graça.
Se algum dia escrever algo de mim mesmo ou que esteja em desacordo com as Sagradas Escrituras, que Deus o faça passar desapercebido pelos olhos dos que lerem. Que Ele me conceda a capacidade de defender as “antigas doutrinas da graça” e denunciar os males do pecado e as artimanhas do diabo.
Somente o nome do Senhor Jesus Cristo seja engrandecido e a Ele seja dada toda honra, glória e louvor pelos séculos dos séculos, amem.

Sola Gratia, Sola Fide, Sola Christus, Sola Scriptura e Soli Deo Gloria.
Nelson Ávila, 14 de janeiro de 2010.

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