quinta-feira, 31 de março de 2011

O Calvinismo e a Política na Perspectiva de Abraham Kuyper

O Calvinismo, longe de ser um movimento meramente eclesiástico e dogmático, apresenta uma forma peculiar de compreender e estabelecer sua relação com todas as esferas da vida. O que apresentar-se-á doravante é a relação entre Calvinismo e Estado, concebida a partir de uma visão abrangente da soberania de Deus.

Kuyper (2003) declara que este princípio dominante é:

[...] no sentido cosmologicamente mais amplo, a Soberania do Deus Trino sobre todo o cosmos, em todas as esferas e reinos, visíveis e invisíveis [...] uma soberania primordial que se irradia na humanidade numa tríplice supremacia, a saber: 1. A Soberania no Estado; 2. A Soberania na Sociedade; e 3. A Soberania na Igreja (p. 86).

Com relação a “Soberania no Estado”, ao contemplar o homem pós-Queda, em todo o seu estado pecaminoso e imperfeito, o calvinista enxerga na soberania e providência de Deus a necessidade do magistrado e cede em obediência a autoridade deste, pois encarando-o como um “dom” de Deus para a preservação da ordem, entende que honrando-o, o faz ao próprio Deus que o concedeu, visto que toda autoridade só pode governar pela graça de Deus. Conseqüentemente, tal perspectiva “Ergue-nos de uma obediência nascida do medo do exército forte, para uma obediência por causa da consciência” (KUYPER, 2003, p. 97).

O calvinista, ao olhar para além da lei existente e contemplar a Fonte do Direito eterno que repousa em Deus – o doador de toda autoridade –, sente-se encorajado a “[...] protestar incessantemente contra a injustiça da lei em nome deste Direito superior” (Ibidem). Tal confiança do calvinista encontra-se no fato de que acima de qualquer Estado – e toda atrocidade que possa advir deste –, encontra-se o Deus Todo-Poderoso que reina! A Este, sua alma pode sempre recorrer em tempos de opressão e suas orações operam poderosamente para abençoar a nação e, sendo assim, abençoar a si mesmo e seu lar.

Com relação a Soberania de Deus na sociedade, faz-se necessário distinguir entre Sociedade e Estado como esferas independentes, que, em todo o caso, permanecem sob a soberania de Deus.

Kuyper (2003) nos apresenta a Sociedade como sendo de natureza orgânica, pois, ao “[...] originar-se diretamente da criação, possui todos os elementos para seu desenvolvimento na natureza humana como tal” (p. 98). Exemplos disso são as ligações de consangüinidade e outros laços que surgem naturalmente da família; o casamento que se desenvolve da dualidade de homem e mulher; a monogamia que vem da existência original de um homem e uma mulher; as crianças que existem por causa do poder inato de reprodução etc. O Governo, por sua vez, apresenta um caráter mecânico, onde a figura do Estado tem sua razão de existir unicamente devido a corrupção humana que advêm do pecado. Em ambas as esferas, “[...] a autoridade inerente é soberana, isto é, nada tem acima de si exceto Deus” (KUYPER, 2003, p. 101), devendo cada uma exercer esta autoridade em sua própria esfera.

A autoridade orgânica na esfera social pode ser apresentada claramente na distribuição que Deus faz de Sua graça comum. Por exemplo: na esfera social da ciência há homens que influenciaram gerações devido a genialidade que lhes fora concedida por Deus, e isto lhes serviu de autoridade sobre outro. Na esfera da arte, Kuyper nos diz que:

Todo maestro é um rei no Palácio da Arte, não pela lei da herança ou por nomeação, mas somente pela graça de Deus. E esses maestros também impõem autoridade e não estão sujeitos a ninguém, mas governam sobre todos e, no fim, recebem de todos a homenagem em razão de sua superioridade artística (2003, p. 102).

O mesmo pode ser visto na própria esfera da diferenciação das pessoas, onde uma impõe autoridade sobre outra simplesmente devido ao poder soberano da personalidade. Kuyper se refere ainda a uma soberania que é exercida pela própria esfera em si, como no caso da universidade que exerce domínio científico; a academia das belas artes que possui o poder da arte; o grêmio que exerce um domínio técnico etc.; “[...] cada uma destas esferas ou corporações estaria dentro de sua própria esfera de operação” (Ibidem), de forma que:

[...] em muitas direções diferentes vemos que a soberania declara-se em sua própria esfera – 1. Na esfera social, pela superioridade pessoal. 2. Na esfera corporativa das universidades, grêmios, associações etc. 3. Na esfera doméstica da família e da vida de casado. 4. Na autonomia pública (Ibid.).

Para Kuyper (2003), isto não quer dizer que o governo não tenha direito de interferência nessas esferas autônomas. Há para ele aquilo que chama:

[...] tríplice direito e dever: 1. Quando esferas diferentes entram em conflito para forçar respeito mútuo entre as linhas divisórias de cada uma; 2. Defender pessoas individuais e fracas, naquelas esferas, contra o abuso de poder das demais; e 3. Constranger todos a exercer as obrigações pessoais e financeiras para a manutenção da unidade natural do Estado (p. 103, 104).

Isto deve ser feito de maneira que a lei conserve os direitos de cada um, para que o poder exercido pelo governo não se torne em abuso. Cada cidadão deve manter em mente que é tanto um direito quanto um dever lutar pela soberania dentro de sua própria esfera.

Na relação entre Igreja e Estado, o Calvinismo defende a soberania da Igreja em questões religiosas. Apesar de à princípio haver permanecido ainda, por um pouco, preso a antiga relação mantida entre estas duas esferas, o Calvinismo, posteriormente, foi exatamente o braço que ergueu a bandeira da liberdade de consciência, destacando que o dever do Estado não era manter a unidade de uma igreja visível, como Roma sustentou por séculos – permanecendo a Igreja do Estado (sendo o Estado sujeito a esta), assim como fazem (evidentemente que com algumas diferenças) as igrejas luteranas nos países luteranos –, mas “honrar o complexo de igrejas cristãs como a multiforme manifestação da Igreja de Cristo na terra” (KUYPER, 2003, p. 113), e lutar para preservar os direitos individuais de cada igreja, respeitando a soberania da Igreja de Cristo na esfera individual dessas igrejas.


Nelson Ávila

_______________________________________

REFERÊNCIA

KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

terça-feira, 29 de março de 2011

O Calvinismo e a Religião na Perspectiva de Abraham Kuyper

Ao analisar a Religião como tal, Kuyper (2003, p.53) se propõe a responder quatro questões fundamentais mutuamente dependentes: “1. A Religião existe por causa de Deus ou por causa do homem? 2. Ela deve operar diretamente ou mediatamente? 3. Ela pode manter-se parcial em suas operações ou tem de abraçar o todo de nosso ser e existência pessoal? E, 4. Ela pode manter um caráter normal, ou deve revelar um caráter anormal, isto é, um caráter soteriológico?”

À primeira pergunta o Calvinismo responde: “1. A religião do homem não deve ser egoísta e por causa do homem, mas ideal, por causa de Deus.” (KUYPER, 2003, p. 53). Enquanto a filosofia religiosa moderna, imbuída de uma concepção mística da religião, aponta para a idéia de uma evolução religiosa do homem, que nasce do contraste esmagador entre ele mesmo e o cosmos que o cerca, passando para uma concepção posterior de um Espírito Supremo que está em contraste com tudo o que é visível, para no fim desembocar na encantadora altivez de seu próprio espírito humano, que o leva a: “[...] prostrar-se diante de algum ideal impessoal, do qual em auto-adoração supõe ser ele mesmo a venerável encarnação” (KUYPER, 2003, p. 54), permanecendo assim uma religião egoísta, sempre presa a seu caráter subjetivo e sempre uma religião por causa do homem; Segundo Kuyper (2003) expressa: “A posição Calvinista é diametralmente oposta a tudo isto” (p. 55). Embora afirmando que a religião também produz uma benção para o homem, o Calvinismo deixa claro que ela não existe por causa do homem, assim, como o próprio Kuyper (2003, p. 55) escreveu: “Não é Deus quem existe por causa de sua criação; a criação existe por causa de Deus. Pois, como diz a Escritura, ele criou todas as coisas para si mesmo”.

Como resposta a segunda pergunta, Kuyper (2003) declara: “2. Ela não deve operar mediatamente, pela intervenção humana, mas diretamente do coração.” Para Calvino a religião deve ser “[...] ‘nullis mediis interpositis’, isto é, sem a mediação de qualquer criatura, realizar a comunhão direta entre Deus e o coração humano” (KUYPER, 2003, p. 57). Esta é mais uma diferença que se apresenta ao comparar-se a religião por causa do homem e a religião por causa de Deus, pois se:

[...] o principal propósito da religião continua sendo ajudar o homem, e visto ser entendido que o homem é digno da graça por sua devoção, é perfeitamente natural que o homem de piedade inferior deva invocar a mediação do homem mais santo. Outro deve procurar por ele o que ele não pode procurar por si mesmo (KUYPER, p. 58).

Todavia, a religião por causa de Deus exige que cada coração humano deva dar glória a Deus, de sorte que nenhum homem pode comparecer no lugar de outro, tendo cada homem que comparecer pessoalmente por si mesmo. Sendo assim, “[...] a religião atinge seu alvo somente no sacerdócio universal dos crentes” (KUYPER, 2003, p. 58).

Respondendo a terceira pergunta ele diz: “3. Ela não pode permanecer parcial, como correndo ao lado da vida, mas deve exercer controle sobre toda nossa existência” (KUYPER, 2003, p. 53). Para o místico modernista, a religião deve se restringir a um órgão especial, a uma esfera especial e a um grupo especial de pessoas em sua operosidade. Assim, o órgão religioso não deve manifestar-se no todo do ser humano – abrangendo o coração, a força e o entendimento -, mas limitar-se ao campo dos sentimentos ou da vontade. Do mesmo modo, “[...] a esfera da vida religiosa deve assumir o mesmo caráter parcial” (KUYPER, 2003, p. 60), de forma que “A religião fica excluída da ciência, e sua autoridade do campo da vida pública; doravante a câmara interior, a cela de oração e o segredo do coração deveriam ser seus lugares de habitação exclusiva” (KUYPER, 2003, p. 60). Nesta perspectiva, a religião é relegada ao campo subjetivo dos sentimentos. Tendo esta parcialidade em seu orgão e esfera, logicamente a prática da religião confinar-se-á a um círculo de pessoas piedosas, imbuídas de sentimentos místicos e vontade energética.

A partir de uma perspectiva diferente, todavia favorável aos mesmos conceitos parciais, Roma acabou por enclausurar a religião nas masmorras de seus próprios santuários, e tudo que esteja a parte do estritamente consagrado (ou aspergido por sua água benta), torna-se participante do lado profano da vida. Em oposição a tudo isso, Kuyper (2003) alegou:

Todo este conceito sobre o assunto é duramente antagonizado pelo Calvinismo, que vindica para a religião seu caráter universal pleno, e sua completa aplicação universal. Se tudo que é existe por causa de Deus, então segue-se que a criação toda deve dar glória a Deus. O sol, a lua e as estrelas no firmamento, os pássaros do céu, toda a Natureza ao nosso redor, mas, acima de tudo, o próprio homem, que, como sacerdote, deve fazer convergir para Deus toda a criação e toda vida que se desenvolve nela. E embora o pecado tenha insensibilizado grande parte da criação para a glória de Deus, a exigência, - o ideal, permanece imutável, que cada criatura deve ser submergida no rio da religião, e terminar por colocar-se como uma oferta religiosa sobre o altar do Todo-Poderoso ( p. 62).

Em tudo quanto possa aplicar sua mão ou sua mente, o homem deve estar “[...] constantemente posicionado diante da face de seu Deus, está empregado no serviço de seu Deus, deve obedecer estritamente seu Deus, e acima de tudo, deve objetivar a glória de seu Deus.” (KUYPER, 2003, p. 63). Deus é glorificado pela graça especial que derramou sobre os eleitos, mas da graça comum que fez cair sobre cada objeto de sua criação, esta mesma glória lhe resplandece e lhe é atribuída.

Por fim, como resposta ao último questionamento, Kuyper (2003, p. 53) afirma: “4. Seu caráter deveria ser soteriológico, isto é, deveria nascer, não de nossa natureza caída, mas do novo homem, restaurado pela palingênesis ao seu padrão original.” O homem foi criado com uma religião pura, mas devido a Queda assumiu um estado anormal e imperfeito de religiosidade e, por isso, o Calvinista encara a religião a partir de um caráter soteriológico, entendendo a necessidade de “Regeneração, para uma verdadeira existência; e secundariamente, a necessidade de Revelação, para clara consciência.” (KUYPER, 2003, p. 65). Somente por meio deste caráter soteriológico, a religião retoma seu padrão original, que está muito além do padrão estabelecido pelas demais cosmovisões. Como expressou o dr. Kuyper (2003):

Em cada um dos quatro grandes problemas da religião, o Calvinismo tem expresso sua convicção em um dogma apropriado e cada vez tem feito aquela escolha que mesmo agora [...] satisfaz a procura mais ideal e deixa o caminho aberto para um desenvolvimento sempre mais rico” (p. 68).

______________________________________

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

segunda-feira, 28 de março de 2011

O Calvinismo como Sistema de Vida na Perspectiva de Abraham Kuyper


Para Kuyper (2003) o Calvinismo “não é um fenômeno parcial, nem foi um fenômeno simplesmente temporário, mas é um sistema de princípios abrangente que, enraizado no passado, é capaz de fortalecer-nos no presente e de encher-nos com confiança para o futuro” (p. 28).

Há condições essenciais requeridas para sistemas gerais de vida, tais como o Paganismo, o Islamismo, o Romanismo e o Modernismo. Analisando as três relações fundamentais de toda vida humana – “[...] a saber, (1) nossa relação com Deus, (2) nossa relação com o homem, e (3) nossa relação com o mundo” (Ibidem). – percebemos que o Calvinismo preenche todas as condições com superioridade.

Na relação do homem com Deus, constatamos que o Paganismo vê Deus na criatura, enquanto que o Islamismo separa Deus da criatura; o Catolicismo coloca a igreja entre Deus e a criatura, e o Modernismo ou nega uma relação (existência) com Deus, ou reveste-se de algum sistema como o panteísmo ou agnosticismo, visando aniquilar o poder da igreja e manter sua relação de independência. Somente no Calvinismo, Deus se comunica com a criatura de forma imediata em “Deus o Espírito Santo” (KUYPER, 2003, p. 30).

No relacionamento do homem com o homem, tendo em vista a multiformidade da raça humana, tanto o Paganismo quanto o Islamismo e o Catolicismo, acentuam as diferenças, criando todo tipo de hierarquia e opressão, enquanto que o Modernismo procura eliminar todas as diferenças, destruindo “[...] a vida por colocá-la sob a maldição da uniformidade.” (KUYPER, 2003, p. 35). Apenas o Calvinismo, de acordo com Kuyper (2003), por derivar sua relação do homem com o homem de sua própria relação com Deus:

[...] coloca toda nossa vida humana imediatamente diante de Deus, então segue-se que todos, homem ou mulher, rico ou pobre, fraco ou forte, obtuso ou talentoso, como criatura de Deus e como pecador perdido, não tem de reivindicar qualquer domínio sobre o outro, e que permanecemos iguais diante de Deus, e conseqüentemente iguais como seres humanos (p. 35, 36).

Desta feita, a única distinção entre os homens a ser reconhecida, é aquela que o próprio Deus estabeleça quando confere “[...] a um autoridade sobre o outro, ou enriquece um com mais talentos do que o outro, para que o homem de mais talentos sirva o homem de menos, e nele sirva o seu Deus” (KUYPER, 2003, p. 36). Assim, o Calvinismo condena as desigualdades impostas e dignifica a pessoa, operando transformações sociais.

Na terceira condição, a qual analisa nosso relacionamento com o mundo, o Paganismo coloca uma relação muito alta do mundo, enquanto que o Islamismo mantém uma muito baixa. O Catolicismo coloca a igreja e o mundo em total oposição, sendo o primeiro santificado e o outro estando ainda sob a maldição; o Calvinismo, porém, ao enxergar o mundo como criação de Deus e entender a relação entre graça especial e graça comum, percebe com clareza seu papel nesta criação, servindo a Deus no mundo e louvando-O por Suas obras, enquanto que fazendo separação apenas daquilo que é pecaminoso no mundo.

O desenvolvimento destas relações na vida prática traz conseqüências suficientes para estabelecer o Calvinismo acima de todos os outros sistemas de vida.


Nelson Ávila

_____________________________________

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA

KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

sexta-feira, 25 de março de 2011

Tim Conway e James - Fuja da Imoralidade Sexual


FUJA DA IMORALIDADE!

Um assunto muito negligenciando que tem afetado de modo sorrateiro a santidade dos nossos jovens, homens e mulheres.
A frieza e formalidade começa a preencher esse coração impuro, ó Deus o que será de nossa geração!
Acorde jovem e vença esse pecado que resseca sua espiritualidade e entristece teu semblante!
Lenvante-se Pastor e exorte, trate abertamente desse assunto!



Evandro Junior...

Abraham Kuyper - Breve apresentação biográfica

“A partir da segunda metade do século XVIII, Tendo o seu grande expoente em Emanuel Kant, a pregação caiu sobre a influência do racionalismo” (CANUTO, 2000, p. 7), o que fez com que “os ensinos básicos da fé cristã como o pecado original, a expiação substitutiva de Cristo, a justificação pela fé, a trindade, as duas naturezas de Cristo” (Ibidem), simplesmente sumissem dos púlpitos. Sob influência desta postura filosófica e teológica, bem como dos avanços na esfera científica, paulatinamente começou a estruturar-se no campo acadêmico um movimento que ficou conhecido na história da igreja como modernismo ou liberalismo cristão.

Em seu livreto O Modernismo e a Inerrância Bíblica, o pastor Brian Schwertley (2000, p. 13) traz a seguinte definição:

O liberalismo cristão é parte de um movimento religioso, político e cultural mais amplo na Europa (em primeiro lugar) e então na América, que tem sua base na visão humanista secular. A razão pela qual os historiadores e teólogos referem-se ao liberalismo cristão como modernismo é o fato de que os liberais cristãos têm comprado e adotado a visão de mundo secular moderna. Eles têm adaptado seus ensinamentos para refletirem o espírito desta era.

Foi exatamente neste contexto social, histórico e cultural, edificado sobre os alicerces da razão e confiante numa eminente evolução humana que culminaria no surgimento de um novo mundo (o “paraíso na terra”! – onde o homem, abandonando seu estado primitivo, saltaria do metafísico para o científico [ou positivo], expurgando de si todo misticismo e superstição, de forma que Deus [compreendido como uma criação das necessidades humanas] se tornaria “apenas uma suposição irrelevante” que logo deixaria de existir), que em 29 de Outubro de 1837, em Maasluis, na Holanda, nasceu Abraham Kuyper (1837 – 1920).

Filho do Rev. Jan Hendrik e Henriette Huber Kuyper, o jovem Kuyper freqüentou a escola em “Maasluis, e em Middelburg, onde seu pai foi chamado em 1849.” (PORTELA NETO, 2003, p. 9).

Seus professores, nos é dito, tomaram-no a princípio como um menino lento no entendimento. Eles devem ter mudado sua opinião quando, com a precoce idade de doze anos, estava habilitado a entrar no Ginásio em Middelburg. No tempo oportuno foi matriculado na Universidade de Leyden, na qual foi graduado com a mais alta honra. Foi também aqui que obteve seu Doutorado em Teologia Sagrada em 1863, quando estava com cerca de vinte e seis anos de idade (PORTELA NETO, p. 9).

Durante seu período de estudos na Universidade, época em que a vida religiosa em seu país, como já mencionada a princípio, encontrava-se em profunda decadência – “A vida eclesiástica estava fria e formal. A religião estava quase morta. Não havia Bíblia nas escolas. Não havia vida na nação.” (PORTELA NETO, p. 11) – Abraham Kuyper acabou por acompanhar a corrente moderna. “Ele disse que não tinha simpatia por uma igreja que espezinhou sua própria honra; nem por uma religião que era apresentada por uma igreja como essa.” (PORTELA NETO, p. 12) Chegou mesmo a tomar parte “em aplaudir o professor Rauwenhoff, que abertamente negou a ressurreição corporal de Jesus.” (PORTELA NETO, p. 12) Contudo, algumas experiências o impressionaram profundamente, levando-o a repensar sua posição.

Por meio de uma pesquisa acadêmica (onde encontrara-se, de maneira surpreendente, com a obra do reformador polonês João de Lasco); da leitura de uma famosa novela inglesa (“O Herdeiro de Redcliff”); e, principalmente, da convivência e trato com o povo simples e humilde da primeira paróquia onde atuou como pastor, Abraham Kuyper chegou a conversão, e no resgate de sua tradição reformada encontrou uma resposta satisfatória para as inquietações de sua alma.

Abraham Kuyper (1837 – 1920) foi sem dúvida uma das personalidades mais proeminentes de sua época. Um teólogo (com Doutorado pela Universidade de Leyden em 1863) e filósofo calvinista; líder do partido Anti-Revolucionário e membro do parlamento por mais de trinta anos; Editor Chefe do De Estandaard (O Estandarte – jornal diário e órgão oficial do partido Anti-revolucionário) e editor do De Heraut (O Arauto) por mais de quarenta e cinco anos; fundador da Universidade Livre de Amsterdã em 1880, onde exerceu ainda os papéis de administrador e professor; Primeiro Ministro da Holanda de 1901 a 1905 e autor de diversas obras, dentre as quais destacam-se: Enciclopédia de Teologia Sagrada, a Obra do Espírito Santo e o clássico de cunho devocional Estar Perto de Deus; de sorte que torna-se praticamente impossível falar sobre a Holanda do final do séc. XIX e início do séc. XX, sem mencionar o Dr. Kuyper.

Com um legado tão significativo, não espantaria o fato de, na data de seu septuagésimo aniversário (1907), alguém escrevesse a seu respeito: “A história da Holanda nos últimos quarenta anos, em sua igreja, estado, sociedade, imprensa, escolas e nas ciências, não poderia ser escrita sem a menção do nome de Abraham Kuyper em praticamente todas as páginas” (PORTELA NETO, 2003, p. 5).




Nelson Ávila

_____________________________________________

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS


CANUTO, Manoel Sales (Ed.), Prefácio. In: SCHWERTLEY, Brian. O modernismo e a inerrância bíblica. Recife: Os Puritanos, 2000.

PORTELA NETO, Francisco Solano (Ed.), Nota biográfica. In: KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

SCHWERTLEY, Brian. O modernismo e a inerrância bíblica. Recife: Os Puritanos, 2000.



quarta-feira, 16 de março de 2011

Penso numa Betesda brasileira e tremo *

Num dos textos mais recentes de Ricardo Gondim ("Deus nos livre de um Brasil evangélico") ele declara: "Imagino uma Genebra brasileira e tremo." Neste texto, Gondim parece não ter noção das implicações do que escreve, pois a conseqüência prática de seu discurso não é outra senão a apostasia. Agindo assim ele demonstra que não deixou simplesmente de ser evangélico, mas de ser cristão! Ele consegue enxergar maior proveito em preservar a cultura popular desta era, honrosamente representada (na opinião dele) nas músicas de "Ney Matogrosso, Caetano Veloso, Maria Gadu", ou nas "poesias sensuais como ‘Carinhoso’ do Pixinguinha ou ‘Tatuagem’ do Chico", do que ver pessoas se rendendo aos pés do Salvador. Para ele é um grande pesar imaginar um Brasil Puritano, pois isso (mais uma vez repito que na opinião dele) levaria a um "um cerco aos boêmios". Pobrezinhos dos boêmios! Será que ele se considera um?

Não estou aqui querendo destratar a cultura popular brasileira, pois afinal de contas sempre se pode tirar proveito da graça comum que Deus derrama sobre as vidas de suas criaturas, e, em alguns aspectos, Ricardo está plenamente correto em seu texto ao apontar para a pobreza da sub-cultura “gospel” e todo o seu pífio “evangeliquês”. O problema é que em Genebra (e na Inglaterra sob a influência Puritana), por preservar uma cultura alicerçada na Bíblia, o pensamento de Calvino desencadeou um elevar sócio-cultural e moral (sem falar do avanço na esfera científico), conduzindo o homem para mais perto de Deus (enquanto que preservando seu pleno desenvolvimento racional) e a nação a um maior respeito para com a Lei desse Deus, enquanto que, por outro lado, a simples manutenção da cultura popular jamais foi capaz de colocar o homem em contato com o Divino ou adequá-lo aos padrões morais estabelecidos em Sua Santa Palavra. Sob influência dos "boêmios", gerações inteiras foram empurradas a uma vida de vícios e prazeres carnais; presas a uma intelectualidade completamente vazia de significado justamente por ser alienada de Deus e incrédula.

Lendo o texto de Gondim, não posso fazer outra coisa se não afirmar com toda a minha consciência: “Deus nos livre de um Brasil nos padrões de Gondim”! Ou mesmo de um “deus” concebido em seus moldes. O “deus” de Gondim tem a fôrma de seu próprio entendimento; é literalmente sua exata imagem e semelhança: um “deus” fraco, mutável, de conhecimento estreito e inteiramente vulnerável as decisões e vontades humanas. “Penso numa Betesda brasileira e tremo”. Algo nestes termos levaria a uma igreja altamente secularizada e sem qualquer relevância no mundo, contradizendo a ordem dada pelo apóstolo Paulo em Romanos 12:2: “E não vos conformeis a este mundo, mas transformai-vos pela renovação da vossa mente, para que experimenteis qual seja a boa, agradável, e perfeita vontade de Deus.”; ou a de Pedro em 1 Pe 1:14: “Como filhos obedientes, não vos conformeis às concupiscências que antes tínheis na vossa ignorância.”

Oremos para que Deus nos mande obreiros mais comprometidos com a Sua vontade e com o Seu Reino do que com vãs especulações de homens pós-modernos.


Soli Deo Glória


Nelson Ávila


_________________________________

* Quero ressaltar aqui que muitos irmãos que compõem a membresia da igreja Betesda são cristãos que amam a Deus e Sua Palavra, descontentes com os rumos teológicos de seu maior expoente (Ricardo Gondim). Ao referir-me a Betesda, trato da igreja idealizada por Ricardo, não generalizando e estendendo sua posição a todos os irmãos.


Obs: O título foi alterado por sugestão de um grande amigo (David Abreu).

segunda-feira, 14 de março de 2011

O MARCIONISMO E A SAGRADA ESCRITURA

Devo este texto às aulas ministradas pelo pr. Franklin Ferreira (entre os dias 14 e 18 de fevereiro de 2011) na Escola Charles Spurgeon, referentes à disciplina “História do Pensamento Cristão”, e sua bondade em analisá-lo antes desta publicação.

Obs: este texto foi revisado e ampliado. Você pode lê-lo aqui: http://emdefesadagraca.blogspot.com/2011/11/o-marcionismo-e-o-canon.html


O nome Marcionismo deriva de seu fundador, Marcião de Sinope (110 – 160 d. C.). Marcião era filho de um bispo, todavia passou a sustentar uma posição teológica bem diferente da ortodoxia cristã, o que o levou a ser excomungado no ano 144 da era cristã.

Marcião pregava o anti-semitismo e uma firme oposição entre Lei e Graça, onde a Lei do A. T. apresentava um Deus mau e irado, enquanto que a Graça do N. T. apresentava o Deus de amor que envia seu Filho para salvar a humanidade. Para defender sua teologia, Marcião abandonou todos os livros Sagrados do A. T. e aqueles do N. T. que discordavam de seus ensinamentos, adotando como único Evangelho autorizado uma versão do Evangelho de Lucas, expurgada de toda passagem que fizesse qualquer referência em benefício ao judaísmo e excluindo os textos que afirmavam a ressurreição corpórea de Cristo, bem como as menções a Sua infância. Semelhantemente, selecionou dez das cartas de Paulo, o apóstolo a quem ele considerava como o mais correto intérprete e transmissor da mensagem evangélica de Jesus, e destas fez um grande recorte, concluindo seu Cânon num total de onze livros.

A teologia de Marcião representou um dos primeiros ataques sérios a autoridade e inspiração das Sagradas Escrituras. É interessante notarmos que a arma utilizada pelos pais da igreja para reagir à heresia marcionista fora justamente a reafirmação da Palavra de Deus como única e final autoridade inerrante e infalível.

Nenhuma Escritura é de particular interpretação: A Bíblia TODA é TODO o conselho de Deus e podemos chegar ao entendimento de suas partes mais obscuras comparando-as com suas partes mais claras. Embora não houvesse ainda um Cânon oficial presente na comunidade, os cristãos do primeiro século faziam uso dos mesmos textos bíblicos que nós hoje (lembrando que o uso dos Apócrifos não foi abolido da igreja cristã, apenas colocado numa posição não autoritativa e não inspirada, servindo, todavia, para a edificação dos irmãos como um bom livro evangélico dos nossos dias também o faz) e tinham a firme convicção de que a Verdade é preservada por Deus numa tradição pública e verificável por todos, e esta tradição é resguardada pelos bispos legitimamente instituídos por Deus, tendo sido estes ordenados por algum apóstolo ou por outros bispos originalmente ordenados pelos apóstolos. Esta convicção foi justamente o que serviu de base para os critérios estabelecidos mais tarde na formulação oficial do Cânon Bíblico, sendo estes (1) a apostolicidade, que consistia no fato de que os textos bíblicos, para serem considerados inspirados, deveriam ter sido escritos por um apóstolo ou alguém (companheiro imediato) ligado aos apóstolos; (2) Reconhecimento de sua autoridade pela igreja primitiva, lembrando que a idéia aqui não é a de que uma igreja (concilio) infalível determina o Cânon bíblico, e sim que uma igreja falível (que milita contra o pecado no mundo) é firmada sobre a Palavra de Deus infalível que se apresenta e é reconhecida por esta. Como escreveu R. C. Sproul: “... a igreja não ‘criou’ o Cânon. A igreja identificou, reconheceu e se submeteu ao Cânon das Escrituras. O termo usado pela igreja em concílio foi recipímus, que significa: ‘nós recebemos’” 1; e (3) A harmonia com os livros dos quais não havia dúvidas. Um exemplo deste último é a epístola aos Hebreus, da qual não se sabe a autoria, mas é perfeitamente compatível com a mensagem evangélica (apostólica) do Novo Testamento.

Hoje, quando muitos se levantam dentro da própria igreja atacando a autoridade e inspiração das Sagradas Escrituras (como é o caso dos liberais e neo-ortodoxos) ou, à semelhança do marcianismo, fazem para si uma seleção de textos bíblicos que supostamente apóiam suas vãs filosofias e falsos ensinamentos (como no caso dos neopentecostais e carismáticos pregadores da prosperidade), a fé na Palavra infalível do nosso Deus deve ser mais uma vez reafirmada para que a luz do Evangelho resplandeça em meio as trevas do evangelicalismo moderno (cada vez mais pragmático, secularizado e, conseqüentemente, apóstata).

É interessante recordar que nunca houve na história da igreja um concílio que tenha se reunido com o objetivo de elaborar uma comissão para investigação da canonicidade dos textos bíblicos, ainda assim, no final do séc. V já não havia qualquer dúvida acerca da inspiração dos 27 livros que compõem o Novo Testamento. Sempre, mesmo que de maneira não oficialmente organizada, existira na igreja cristã um “PADRÃO” (Cânon – palavra derivada do grego (kanón) que pode ser traduzida por “vara de medir, régua ou padrão”) que a guiasse e mantivesse a salvo dos falsos ensinos de Satanás e seus mensageiros. Apeguemo-nos, portanto, como fizeram nossos pais espirituais no passado, a este “PADRÃO” (Cânon) e, frente as mentiras deste mundo corrompido e idólatra, declaremos com Agostinho: “O que a minha Escritura diz, eu digo”2.

“Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo de quem o tens aprendido, e que desde a infância sabes as sagradas letras, que podem fazer-te sábio para a salvação, pela fé que há em Cristo Jesus. Toda Escritura é divinamente inspirada e proveitosa para ensinar, para repreender, para corrigir, para instruir em justiça; para que o homem de Deus seja perfeito, e perfeitamente preparado para toda boa obra.” (2 Tim 3.14-17)

Sola Scriptura!

Nelson Ávila.

_________________________________

1 SPROUL, R. C., Verdades essenciais da fé cristã; doutrinas bíblicas em linguagem simples e prática, V. 1. São Paulo, Cultura Cristã, 1999. p. 19 – 31. Citado em FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática; uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo, Vida Nova, 2007, p. 129.

2 Confissões, 13:44, Citado em FERREIRA, Franklin; MYATT, Alan. Teologia Sistemática; uma análise histórica, bíblica e apologética para o contexto atual. São Paulo, Vida Nova, 2007, p. 91.

LinkWithin

Related Posts Plugin for WordPress, Blogger...