Também em sua relação com a ciência, o Calvinismo mantém uma visão própria e coerente que foi capaz de restaurar, encorajar e promover a atuação científica a partir de sua própria época.
Quando na Idade Média o Romanismo, por meio de uma concepção puramente mística, estabeleceu um dualismo entre matéria e espírito– onde a criação era vista como má e impura enquanto que só o espírito era bom e santo –, criou-se um desprezo pelas coisas terrenas em detrimento das celestiais.
O Calvinismo, porém, manteve firme sua convicção de que “os céus proclamam a glória de Deus e o firmamento anuncia as obras de Suas mãos”. Calvino costumava “[...] comparar as Escrituras a um par de óculos que nos capacita a decifrar novamente o Pensamento divino, escrito pela Mão de Deus no livro da Natureza, o qual se tornou obliterado em conseqüência da maldição” (KUYPER, 2003, p. 127).
Tal visão trouxe novamente o interesse pela investigação científica, visto que ao analisar a natureza, o calvinista era sempre convidado a contemplar a mão do Criador que a fez existir. A partir daqui, torna-se evidente para Kuyper (2003, p.128) estabelecer a relação de que por conseqüência do pensamento calvinista, “[...] o estudo do corpo recuperou seu lugar de honra ao lado do estudo da alma; e a organização social da humanidade na terra foi novamente considerada como sendo um objeto tão valioso da ciência humana quanto a congregação dos santos perfeitos no céu”.
Do mesmo modo, o dogma da predestinação contribuiu significativamente para prover a base e a sustentabilidade que a investigação científica tanto necessitava, pois da sólida confiança nos decretos de Deus, o calvinista obteve a certeza de que o cosmos obedece a uma lei e ordem. Para ele:
[...] existe ali uma vontade firme que põe em prática seus desígnios na natureza e na História [...] uma unidade toda compreensível [...] um princípio pelo qual tudo é governado [...] algo que é geral, escondido e todavia expresso naquilo que é especial. Além disso, força sobre nós a confissão de que deve haver estabilidade e regularidade governando sobre tudo (KUYPER, 2003, p. 121).
O Calvinismo contribuiu ainda para com a liberdade da ciência. Ao arrancá-la do poder do Estado e da Igreja, restaurou-a a sua própria esfera soberana de atuação, de onde deveria responder exclusivamente ao Deus que a tornara possível. Isso não quer dizer que “[...] a ciência está totalmente desimpedida para o uso de sua liberdade e que não precisa obedecer leis” (KUYPER, 2003, p. 133). A ciência, pelo contrário, de acordo com Kuyper (2003, p.133) deve restringir-se “[...] a mais íntima conexão com seu assunto e obedecer estritamente as reivindicações de seu próprio método”.
Para exemplificar esta questão, Kuyper utiliza-se da metáfora de um peixe que é colocado numa terra seca, onde torna-se perfeitamente livre; todavia, esta sua liberdade só o levaria a expirar e perecer. Sendo assim, um peixe “[...] que é realmente livre para viver e desenvolver-se deve estar totalmente cercado pela água e guiado por suas barbatanas” (Ibidem), ou seja, limitar-se as exigências de sua esfera.
De acordo com a perspectiva calvinista, um bom cristão não deve relegar o trabalho científico unicamente às mãos dos não cristãos, mas, por ter o ponto de partida correto e a verdadeira compreensão da realidade que o permeia, precisa analisar os dados científicos para que estes redundem em glórias ao seu Deus.
Nelson Ávila
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REFERÊNCIA
KUYPER, Abraham. Calvinismo. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.
Lendo este ótimo texto, é de se lastimar como ainda existe gente para a qual o calvinismo não passa de crasso obscurantismo religioso -- e entre essa gente se inclui cristãos desinformados. Nações que de alguma forma receberam a influência dessa teologia foram grandemente abençoadas com progresso e desenvolvimento social, científico, cultural e econômico.
ResponderExcluirPor outro lado, creio que Kuyper precisa ser redescoberto pelo movimento reformado brasileiro, e essa série de artigos sobre a inestimável contribuição desse homem é muito benvinda. Que Deus o abençoe por isso, Ir. Nélson!
Vanderson M. da Silva.
Obrigado pelo comentário irmão Vanderson, concordo plenamente com você quanto aos benefícios da influência da teologia calvinista no desenvolvimento das nações e sobre a necessidade de sua redescoberta. É triste ver que ainda existem alguns homens que se levantam para dizer tolices do tipo: "Imagino uma Genebra brasileira e tremo."
ResponderExcluirDeus o abençoe irmão.
Nelson Ávila.