Por Jonathan Edwards (1703-1758)
Tradução: Nelson Ávila
Os Demônios Possuem um Conhecimento de Deus
“Tu crês que há um só Deus. Bom! Até os demônios crêem, e estremecem” (Tg 2.19).
Como você sabe se pertence a Deus? Nós vemos nestas palavras que algumas pessoas dependem de uma evidência de que são aceitas junto a Deus. Algumas pessoas pensam que estão em uma boa posição diante de Deus se não forem tão ruins como algumas pessoas más. Outras pessoas apontam para a história de suas famílias ou para a membresia da igreja para mostrar que Deus as aprova. Existe um programa evangelístico em uso comum que faz as pessoas algumas perguntas. Uma das perguntas é: “Suponha que você fosse morrer hoje. Por que Deus deveria deixar você entrar no paraíso?” Uma resposta muito comum é: “Eu creio em Deus”. Aparentemente o apóstolo Tiago conhecia pessoas que diziam a mesma coisa: Eu sei que estou no favor de Deus, porque eu conheço essas doutrinas religiosas.
É claro que Tiago admite que este conhecimento é bom. Não só é bom, mas também necessário. Ninguém que não crê em Deus pode ser um cristão; e mais do que isto, ninguém que não crê no Único Deus Verdadeiro. Isto é particularmente verdade para aqueles que tiveram a grande vantagem de conhecer pessoalmente o apóstolo, alguém que poderia contar-lhes em primeira mão das experiências que tivera com Jesus, o Filho de Deus. Imagine o grande pecado de uma pessoa que, tendo então conhecido Tiago, se recusou a crer em Deus! Certamente isto faria sua condenação ainda maior. Obviamente, todo cristão sabe que esta boa crença no Único Deus é somente o início, porque “qualquer um que dele se aproxima deve crer que ele existe e recompensa os que sinceramente o buscam” (Hb 11.6).
No entanto, Tiago é claro em destacar que embora esta crença seja uma coisa boa, ela não prova definitivamente que uma pessoa é salva. O que ele quer dizer é isto: “Você diz que é um cristão e está no favor de Deus. Você pensa que Deus o deixará entrar no paraíso, e a prova disto é que você crê em Deus. Mas isto não é evidência alguma, pois os demônios também crêem, e têm a certeza de que serão punidos no inferno”. Os demônios crêem em Deus, você pode ter certeza disto! Eles não somente acreditam que Ele existe, mas acreditam que Deus é um Deus santo, um Deus que odeia o pecado, um Deus de verdade, que prometeu julgamentos e realizará sua vingança sobre eles. Esta é a razão porque os demônios “estremecem” ou tremem – eles conhecem a Deus mais claramente que a maioria dos seres humanos, e eles estão apavorados. No entanto, nada na mente do homem é tão inexperenciável aos demônios, quanto qualquer sinal de certeza da graça de Deus em nossos corações.
Este raciocínio pode ser facilmente seguido. Suponha que os demônios pudessem ter, ou encontrar dentro de si, algo da graça salvadora de Deus – evidentemente eles iriam para o paraíso. Isto provaria que Tiago estava errado. Mas que absurdo! A Bíblia deixa claro que os demônios não têm esperança de salvação, e sua crença em Deus não elimina sua futura punição. Portanto, crer em Deus não é prova de salvação para os demônios, e é seguro dizer, que não o é para os homens também.
O Conhecimento de Deus Apenas, Não é Prova de Salvação
Isto é sempre visto mais claramente quando nós pensamos acerca do que são os demônios. Eles são profanos: qualquer de suas experiências, não pode ser uma experiência santa. O diabo é perfeitamente perverso. “Vocês pertencem ao seu pai, o Diabo, e querem realizar o desejo do vosso pai. Ele foi um assassino desde o princípio, não firmado na verdade, pois não há verdade nele. Quando ele mente, fala sua linguagem natural, porque ele é um mentiroso e o pai da mentira” (Jo 8.44). “Aquele que pratica o pecado é do Diabo, pois o Diabo tem pecado desde o princípio” (1 Jo 3.8). Portanto, os demônios são chamados de espíritos malignos, espíritos imundos, potestades das trevas, e assim por diante. “Porque nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra os principados, contra as autoridades, contra os poderes deste mundo tenebroso e contra as forças espirituais do mal nos lugares celestiais” (Ef 6.12).
Por isso, é claro que qualquer coisa nas mentes dos demônios não pode ser santa, ou conduzir a verdadeira santidade por si mesma. Os demônios conhecem claramente muitas coisas sobre Deus e a religião, mas eles não possuem um conhecimento santo. As coisas que eles sabem em suas mentes podem fazer impressões em seus corações – sem dúvida nós vemos que os demônios têm fortes sentimentos a respeito de Deus; tão fortes, de fato, que eles “estremecem”. Mas não são sentimentos santos, pois eles nada têm a ver com a obra do Espírito Santo. Se isto é verdade acerca da experiência dos demônios, também é verdade sobre a experiência dos homens.
Note isto, que não importa quão genuínos, sinceros e poderosos estes pensamentos e sentimentos são. Demônios, sendo criaturas espirituais, conhecem Deus de uma maneira que os homens na terra não podem. Seu conhecimento sobre a existência de Deus é mais concreto que qualquer conhecimento humano possa ser. Porque eles estão presos na batalha com as forças do bem; o conhecimento deles é igualmente sincero. Em certa ocasião, Jesus expulsou alguns demônios. “O que queres conosco, Filho de Deus?” eles gritaram. “Viestes aqui para nos torturar antes do tempo?” (Mt 8.29). Qual experiência poderia ser mais clara do que esta? No entanto, embora seus pensamentos e sentimentos sejam genuínos e poderosos, eles não são santos.
Também podemos ver que os sagrados objetos de seus pensamentos não fazem destes pensamentos e sentimentos santos. Os demônios sabem que Deus existe! Mateus 8.29 mostra que eles sabem mais sobre Jesus do que muitas pessoas! Eles estão inteiramente certos de que Jesus os julgará algum dia, porque Ele é santo. Mas está claro que genuínos, sinceros e poderosos pensamentos e sentimentos acerca do sagrado, das coisas espirituais, não é prova da graça de Deus no coração. Os demônios possuem estas coisas, e olham prontamente para o castigo eterno no inferno. Se os homens não possuem mais do que aquilo que os demônios possuem, eles sofrerão da mesma forma.
Experiências Religiosas Não São Provas de Salvação
Nós podemos fazer diversas conclusões baseadas nestas verdades. Em primeiro lugar, não importa o quanto as pessoas possam conhecer acerca de Deus e da Bíblia, isto não é um sinal certo de salvação. O Diabo, antes de sua queda, foi uma das mais brilhantes estrelas da manhã, uma chama de fogo, uma excelência em força e sabedoria (Isaías 14.12, Ezequiel 28.12-19). Aparentemente, como um dos comandantes angelicais, Satanás conhecia muito sobre Deus. Agora que ele está caído, seu pecado não tem destruído suas memórias anteriores. O pecado destrói a natureza espiritual, não as habilidades naturais, tais como a memória. Que os anjos caídos possuem muitas habilidades naturais pode ser visto em muitos versículos bíblicos, por exemplo: Efésios 6:12 “Porque nossa luta não é contra carne e sangue, mas contra os principados, contra as autoridades, contra os poderes deste mundo tenebroso e contra as forças espirituais do mal nos lugares celestiais”. Do mesmo modo, a Bíblia diz que Satanás é “mais astuto” do que outros seres criados (Gn 3:1, 2 Cor 11:3, At 13:10). Portanto, podemos ver que o Diabo sempre teve grande habilidade mental e é capaz de saber muito acerca de Deus, do mundo visível e do invisível, e muitas outras coisas. Desde o princípio, seu trabalho foi ser um comandante angelical diante de Deus, e é natural que a compreensão destas coisas tenha sido sempre o primeiro de seus mais importantes interesses, e que todas as suas atividades têm a ver com estas áreas de pensamentos, sentimentos e conhecimentos.
Porque este era seu trabalho original, ser um dos anjos bem diante da face de Deus, e o pecado não destrói a memória, fica claro que Satanás sabe mais sobre Deus que qualquer outro ser criado. Depois da queda, nós podemos ver suas atividades como um tentador, etc. (Mt 4:3), que ele tem gasto seu tempo aumentando seu conhecimento e suas aplicações práticas. Que seu conhecimento é grande, pode ser visto no quão esperto ele é ao tentar as pessoas. A astúcia de suas mentiras mostra o quão inteligente ele é. Certamente ele não poderia manejar seus truques tão bem sem um efetivo e verdadeiro conhecimento dos fatos.
Esse conhecimento acerca de Deus e suas obras vem desde o princípio. Satanás estava lá desde a criação, como Jó 38:47 mostra: “Onde estava você quando eu lancei os fundamentos da terra? Diga-me, se você entende... enquanto as estrelas da manhã cantavam juntas e todos os anjos gritavam de alegria?” Assim, ele deve saber bastante sobre o modo como Deus criou o mundo, e como Ele governa todos os eventos no universo. Por outro lado, Satanás tem visto a maneira como Deus tem trabalhado seu plano de redenção no mundo; e não como um espectador inocente, mas como um ativo inimigo da graça de Deus. Ele viu a obra de Deus nas vidas de Adão e Eva, Noé, Abraão e Davi. Ele deve ter se interessado especialmente na vida de Jesus Cristo, o Salvador dos homens, a Palavra encarnada de Deus. Quão de perto ele observou Cristo? Quão atentamente ele observou seus milagres e ouviu suas palavras? Isso é porque Satanás se colocou em oposição a obra de Cristo, e para seu tormento e angústia é que Satanás assistiu o sucesso do desenrolar da obra de Cristo.
Satanás, então, conhece muito sobre Deus e Sua obra. Ele conhece o paraíso de primeira-mão. Ele conhece o inferno também, com conhecimento pessoal como seu primeiro morador, e tem experimentado seus tormentos por todos estes milhares de anos. Ele deve ter um grande conhecimento bíblico; ou pelo menos, podemos ver que ele conhecia o bastante para objetivar tentar nosso Salvador. Além disso, ele esteve por muitos anos estudando os corações dos homens, seu campo de batalha onde luta contra nosso Redentor. Quais trabalhos, esforços e cuidados o Diabo teve ao longo dos séculos para levar os homens ao engano. Só um ser com seu conhecimento e experiência da obra de Deus, e do coração humano, poderia imitar assim a verdadeira religião e transformar-se em um anjo de luz (2 Coríntios 11:14).
Portanto, podemos ver que não é por alguma quantidade de conhecimento acerca de Deus e da religião que podemos provar que uma pessoa foi salva dos seus pecados. Um homem pode falar sobre a Bíblia, Deus e a Trindade. Ele pode ser capaz de pregar um sermão sobre Jesus Cristo e tudo o que Ele tem feito. Imagine, alguém pode falar sobre o caminho da salvação e a obra do Espírito Santo nos corações dos pecadores, talvez até o suficiente para mostrar a outros como se tornarem Cristãos. Todas estas coisas podem edificar a igreja e iluminar o mundo, mas ainda assim não são uma prova segura da graça salvadora de Deus no coração de uma pessoa.
Também pode-se ver que o mero fato de uma pessoa concordar com a Bíblia não é um sinal seguro da salvação. Tiago 2:19 mostra que os demônios realmente, verdadeiramente, acreditam na verdade. Assim como eles crêem que há um só Deus, eles concordam com toda a verdade da Bíblia. O Diabo não é um herege: todos os artigos de sua fé estão firmemente estabelecidos na verdade.
Deve ser entendido que quando a Bíblia fala sobre crer que Jesus é o Filho de Deus, como uma prova da graça de Deus nos corações, não significa um mero assentimento da verdade, mas um outro tipo de crença. “Todo aquele que crê que Jesus é o Cristo é nascido de Deus” (1 João 5:1). Este outro tipo de crença é chamado de “a fé dos eleitos de Deus e o conhecimento da verdade que conduz a santidade” (Tito 1.1). Há uma firmeza espiritual na verdade, a qual será explicada mais tarde.
Objeção #1 – As Pessoas São Diferentes dos Demônios
Algumas Pessoas têm fortes experiências religiosas e pensam nelas como uma prova da obra de Deus em seus corações. Freqüentemente tais experiências dão as pessoas uma noção da importância do mundo espiritual, e da realidade das coisas divinas. Todavia, estas também não são provas seguras da salvação. Demônios e seres humanos condenados possuem muitas experiências espirituais as quais produzem um grande efeito sobre as atitudes de seus corações. Eles vivem no mundo espiritual e vêem em primeira-mão como ele é. Seus sofrimentos os revelam o valor da salvação e de uma alma humana na forma mais poderosa imaginável. A parábola em Lucas capítulo 16 ensina isto claramente, o modo como o homem em sofrimento pede para que Lázaro seja enviado para contar aos seus irmãos que evitem este lugar de tormento. Sem dúvida as pessoas no inferno têm agora uma idéia distinta sobre a vastidão da eternidade e a brevidade da vida. Eles estão completamente convictos de que todas as coisas desta vida são totalmente sem importância quando comparadas as experiências do mundo eterno. As pessoas agora no inferno possuem um elevado senso da preciosidade do tempo, e das maravilhosas oportunidades que têm aqueles que possuem o privilégio de ouvir o Evangelho. Eles estão completamente conscientes da tolice de seus pecados, de negligenciar as oportunidades e ignorar os avisos de Deus. Quando os pecadores descobrem por experiência própria o resultado final de seus pecados, há “choro e ranger de dentes” (Mat 13:42). Assim, mesmo as mais poderosas experiências religiosas não são um sinal seguro da graça de Deus no coração.
Os demônios e as pessoas condenadas também possuem um forte senso da majestade e do poder de Deus. O poder de Deus é mais claramente apresentado através da execução da vingança divina sobre os Seus inimigos. “E se Deus, querendo mostrar a sua ira e tornar conhecido o seu poder, suportou com grande paciência os objetos de sua ira, preparados para a destruição?” (Rm 9:22). Estremecendo, os demônios aguardam sua punição final, sob o mais forte senso da majestade de Deus. Isto, eles o sentem agora, é claro, mas no futuro isto será mostrado no mais elevado grau, quando o Senhor Jesus “for revelado do céu no fogo ardente com seus anjos poderosos” (2 Tes 2:7). Naquele dia eles desejarão fugir para se esconderem da presença de Deus. “Olhe, ele vem com as nuvens, e todo olho o verá, até mesmo aqueles que o traspassaram; e todos os povos da terra se lamentarão por causa dele” (Ap 1:7). Então todos O verão na glória de Seu Pai. Mas, obviamente, nem todos os que o virem serão salvos.
Objeção #2 – As Pessoas Podem Ter Sentimentos Religiosos Que os Demônios Não Podem
Agora, é possível que algumas pessoas possam se opor a tudo isto, dizendo que os homens ímpios deste mundo são bastante diferentes dos demônios. Eles estão sob circunstâncias diferentes e são tipos diferentes de seres. Um objetor pode dizer: “Essas coisas que são visíveis e presentes para os demônios, são invisíveis e futuras para os homens. Além disso, as pessoas têm a desvantagem de possuírem corpos, os quais restringem a alma e as impedem de ver estas coisas espirituais em primeira-mão. Portanto, mesmo que os demônios tenham um grande conhecimento e uma experiência pessoal sobre as coisas de Deus, e não possuam graça, a conclusão não se aplica a mim”. Ou, dito de outra maneira: se as pessoas têm essas coisas nesta vida, isto pode muito bem ser um sinal claro da graça de Deus em seus corações.
Em resposta, foi acordado que o homem nesta vida jamais teve estas coisas no grau que os demônios as têm. Ninguém jamais estremeceu, com a mesma quantidade de medo, como estremecem os demônios. Nenhum homem, nesta vida, pode, sequer, ter o mesmo tipo de conhecimento que o Diabo possui. É evidente que os demônios e os homens condenados entendem a vastidão da eternidade e a importância do outro mundo mais do que qualquer pessoa viva, e assim, eles desejam a salvação e tudo mais.
Mas nós podemos ver que os homens neste mundo podem ter o mesmo tipo de experiências que os demônios e os homens condenados possuem. Eles têm a mesma atitude mental, as mesmas opiniões e emoções e os mesmos tipos de impressões em seus corações e mentes. Observe que, para o apóstolo Tiago, isto é um argumento convincente. Ele afirma que se as pessoas pensam que crer que há um só Deus é prova da graça de Deus, elas estão enganadas, pois os demônios crêem do mesmo jeito. Tiago não está se referindo ao ato de crer somente, mas às ações e emoções que também acompanham suas crenças. Estremecer é um exemplo das emoções do coração. Isto mostra que se as pessoas possuem a mesma atitude mental e respondem, de coração, da mesma maneira, isto não é um sinal seguro da graça.
A Bíblia não relaciona quantas pessoas neste mundo podem ver a gloria de Deus e não ter a graça de Deus em seus corações. Não nos é dito exatamente em qual grau Deus se revela a certas pessoas, e quantas delas responderão em seus corações. É muito tentador dizer que se uma pessoa tem certa quantidade de experiências religiosas, ou uma certa quantidade de verdade, ela deve ser salva. Talvez seja mesmo possível para algumas pessoas não salvas ter experiências maiores que alguns daqueles que possuem a graça em seus corações. Portanto, é errado olhar para a experiência ou conhecimento em termos de quantidade. Homens que possuem uma genuína obra do Espírito Santo em seus corações têm experiências e conhecimento de um tipo diferente.
Verdadeiras Experiências Espirituais Possuem uma Origem Diferente
Neste ponto, alguém poderia responder a estas reflexões dizendo: “Eu concordo com você. Eu vejo que crer em Deus, observar Sua majestade e santidade, e saber que Jesus morreu por pecadores não é prova da graça de Deus em meu coração. Eu concordo que demônios podem conhecer estas coisas também. Mas eu tenho algumas coisas que eles não têm. Eu tenho alegria, paz e amor. Demônios não podem tê-las, de modo que isto mostra que eu sou salvo”.
Sim, é verdade que você tem algumas coisas além das que um demônio pode ter, mas isso não significa que você tenha algo melhor do que um demônio poderia ter. Uma experiência pessoal de amor, alegria, etc., pode acontecer, não por haver neles qualquer causa que seja diferente da de um demônio, mas apenas por circunstâncias diferentes. As causas, ou origens, de seus sentimentos são as mesmas. É por isso que essas experiências não são melhores que as de um demônio. Para explicar melhor: Todas as coisas que foram discutidas anteriormente sobre demônios e pessoas condenadas, são levantadas por duas causas principais: o entendimento natural e o amor-próprio. Quando pensam sobre si mesmos, essas duas coisas são o que determinam seus sentimentos e respostas. O entendimento natural os mostra que Deus é santo, enquanto eles são pecaminosos. Deus é infinito, mas eles são limitados. Deus é poderoso, eles são fracos. O amor-próprio lhes dá um senso da importância da religião, do mundo eterno e um posterior desejo de salvação. Quando estas duas causas trabalham juntas, demônios e homens condenados se tornam conscientes da impressionante majestade de Deus, pelo qual eles sabem que serão julgados. Eles sabem que o julgamento de Deus será perfeito e que suas punições serão eternas. Portanto, essas duas coisas juntas ao senso que eles possuem, os conduz a angústia acerca do dia do julgamento, quando eles verão a aparente glória de Cristo e dos Seus santos.
A razão pela qual, hoje, muitas pessoas sentem alegria, paz e amor, enquanto os demônios não, podem estar mais ligada as suas circunstâncias do que a qualquer diferença em seus corações. As causas em seus corações são as mesmas. Por exemplo: o Espírito Santo está agora trabalhando no mundo, impedindo que toda a humanidade seja tão perversa quanto poderia ser (2 Tessalonicenses 2:17). Isto está em contraste com os demônios, os quais são sempre tão perversos quanto podem ser. Além disso, Deus em sua misericórdia concede dons a todas as pessoas, tais como a chuva para as lavouras (Mt 5:45), o calor do sol, etc. Não só isto, mas freqüentemente as pessoas recebem muitas coisas na vida que lhes traz felicidade, tais como relacionamentos pessoais, prazeres, música, boa saúde e assim por diante. Mais importante que tudo isto, muitas pessoas têm ouvido boas novas de esperança: Deus enviou um Salvador, Jesus Cristo, o qual morreu para salvar pecadores. Nestas circunstâncias, o entendimento natural das pessoas pode levá-las a sentirem coisas que os demônios jamais serão capazes.
Amor-próprio é uma força poderosa nos corações dos homens, forte o bastante para, mesmo sem a graça, levar as pessoas a amarem aqueles que as amam, “Mas se você ama aqueles que o amam, que mérito há nisso para você? Porque até pecadores amam aqueles que os amam” (Lucas 6:32). É uma coisa natural para uma pessoa que vê Deus sendo misericordioso, e que sabe que não é tão mal quanto poderia ser, concluir, por tanto, que o amor de Deus é para ele. Se seu amor por Deus vem apenas de seus sentimentos acerca de que Ele o ama, ou porque você tem ouvido que Cristo morreu por você, ou algo similar, a fonte de seu amor a Deus é apenas amor-próprio. Isto reina nos corações dos demônios também.
Imagine a situação dos demônios. Eles sabem que não há restrições a sua maldade. Eles sabem que Deus é seu inimigo e sempre será. Embora eles estejam sem qualquer esperança, eles continuam ativos e lutando. Apenas pense: e se eles tivessem algo da esperança que as pessoas têm? E se os demônios, com seus conhecimentos sobre Deus, tivessem sua maldade restringida? Imagine se um demônio, após todo o seu pavor acerca do julgamento de Deus, repentinamente fosse levado a imaginar que Deus pudesse ser seu amigo? Que Deus pudesse perdoá-lo e levá-lo, com pecado e tudo, para o céu? Oh que alegria, que maravilha, que gratidão nós veríamos! Não seria este demônio levado a amar grandemente a Deus, pois, afinal de contas, todos amam aqueles que lhes ajudam? O que mais poderia causar sentimentos tão poderosos e sinceros? É de se admirar que tantas pessoas estejam tão enganadas assim? Especialmente porque as pessoas têm os demônios para promoverem esta ilusão. Eles têm promovido isto por muitos séculos e, infelizmente, são muito bons nisso.
Uma Verdadeira Experiência Espiritual Transforma o Coração
Agora nós chegamos a questão: Se todas essas várias experiências e sentimentos provêm de nada além do que aos demônios é possível, quais os tipos de experiências que são verdadeiramente espirituais e santas? O que eu devo encontrar no meu coração como uma prova segura de que a graça de Deus está lá? Quais as diferenças que as mostram como sendo do Espírito Santo?
Esta é a resposta: Os sentimentos e experiências que se mostram como um bom sinal da graça de Deus no coração, diferem das experiências dos demônios em sua origem e em seus resultados.
Sua fonte é o senso da irresistível santidade, beleza e amabilidade das coisas de Deus. Quando uma pessoa agarra em sua mente, ou, melhor ainda, quando ela sente seu próprio coração mantido em cativeiro pela atratividade do Divino, este é um sinal inconfundível de que Deus está trabalhando.
Os demônios e os condenados no inferno não experimentam agora, nem jamais experimentarão um pouquinho sequer disso. Antes de sua queda, os demônios possuíam esse sentimento sobre Deus, mas em sua queda, eles o perderam, a única coisa que eles poderiam perder de seu conhecimento sobre Deus. Temos visto como os demônios têm idéias muito claras acerca de quão poderoso Deus é, Sua justiça, santidade e assim por diante. Eles conhecem um monte de fatos sobre Deus. Mas agora eles não têm um vestígio sobre como Deus é. Eles não podem saber como Deus é mais do que um homem cego pode saber sobre cores! Demônios podem ter um forte senso sobre a impressionante majestade de Deus, mas eles não vêem Seu encanto. Eles têm observado Sua obra entre a raça humana por estes milhares de anos, certamente com máxima atenção, mas eles nunca enxergam um vislumbre de Sua beleza. Não importa o quanto eles conheçam sobre Deus (e temos visto que eles realmente sabem muito), o conhecimento que eles possuem nunca os levará ao elevado conhecimento espiritual de como Deus é. Pelo contrário, quanto mais eles sabem sobre Deus, mais eles O odeiam. A beleza de Deus consiste primariamente em sua santidade, ou excelência moral, e isto é o que eles mais odeiam. É pelo fato de Deus ser santo que os demônios O odeiam. Alguém poderia supor que se Deus fosse menos santo, os demônios O odiariam menos. Não duvido que os demônios odiassem qualquer Ser santo, não importando o quão diferente Ele fosse. Mas, eles certamente odeiam este Ser, mais do que tudo, por sua infinita santidade, infinita sabedoria e infinito poder!
Pessoas perversas, incluindo as que estão vivas hoje, verão no dia do julgamento tudo o que se há para ver em Jesus Cristo, exceto Sua beleza e encanto. Não há nenhuma coisa sobre Cristo que nós possamos pensar que não será estabelecida diante deles na mais forte luz daquele dia brilhante. Os ímpios verão Jesus “vindo nas nuvens com grande poder e glória” (Marcos 13:26). Eles verão sua glória externa, a qual é muito, muito maior do que nós possamos imaginar agora. Você sabe que os ímpios serão totalmente convencidos de tudo o que Cristo é. Eles serão convencidos sobre Sua onisciência, quando virem seus pecados recapitulados e avaliados. Eles conhecerão em primeira-mão a justiça de Cristo, quando suas sentenças forem anunciadas. Sua autoridade se fará inteiramente convincente quando todo joelho se dobrar e toda língua confessar Jesus como Senhor (Filipenses 2:10,11). A divina majestade será impressa sobre eles de maneira completa e eficaz, quando os ímpios forem despejados no próprio inferno e entrarem em seu estado final de sofrimento e morte (Ap 20:14,14). Quando isto acontecer, todo seu conhecimento sobre Deus, tão verdadeiro e poderoso quanto possa ser, não valerá nada, e menos que nada, porque eles não verão a beleza de Cristo.
Portanto, é essa visão da beleza de Cristo que faz a diferença entre a graça salvadora e a experiência dos demônios. Esta visão ou percepção é o que torna a verdadeira experiência cristã diferente de tudo o mais. A fé do povo eleito de Deus é baseada nisto. Quando uma pessoa vê a excelência do Evangelho, ela percebe a beleza e o encanto do plano divino da salvação. Sua mente está convencida de que isto é de Deus, e ele crê nisto de todo o seu coração. Como o apóstolo Paulo diz em 2 Coríntios 4:34: “mesmo se nosso evangelho estiver encoberto, está encoberto para aqueles que estão perecendo. O deus desta era tem cegado o entendimento dos incrédulos, para que eles não possam ver a luz do evangelho da glória de Cristo, o qual é a imagem de Deus”. Ou seja, como foi explicado anteriormente, descrentes podem ver que há um evangelho, e compreender os fatos sobre ele, mas eles não verão a sua luz. A luz do evangelho é a glória de Cristo, Sua santidade e beleza. Logo após isto, lemos 2 Cor 4:6: “Pois Deus, que disse: ‘Deixe das trevas brilhar a luz’, fez Sua luz brilhar em nossos corações para nos dar a luz do conhecimento da gloria de Deus na face de Cristo”. Claramente, é esta luz divina, brilhando em nossos corações, que nos capacita a ver a beleza do evangelho e ter uma fé salvadora em Cristo. Esta luz sobrenatural nos mostra a superlativa beleza e amabilidade de Jesus, e nos convence de Sua suficiência como nosso Salvador. Somente um glorioso, majestoso Salvador pode ser nosso Mediador, permanecendo entre culpado, pecadores merecedores do inferno como nós, e um Deus infinitamente santo. Esta luz sobrenatural nos dá um senso de Cristo que nos convence de uma maneira que nada jamais poderia.
Genuínas Experiências Espirituais Têm Resultados Diferentes
Quando os mais vis pecadores são levados a ver a divina beleza de Cristo, já não especulam o porquê de Deus dever estar interessado neles, para salvá-los. Antes, eles não podiam entender como o sangue de Cristo podia pagar a penalidade por seus pecados. Mas agora eles podem ver a preciosidade do sangue de Cristo, e como ele é digno de ser aceito como resgate para o pior dos pecadores. Agora, a alma pode reconhecer que é aceita por Deus, não por causa de quem ela é, mas por causa do valor que Deus coloca no sangue, obediência e intercessão de Cristo. Vendo este valor e a importância dada a pobre alma culpada, o qual jamais poderá ser encontrado em qualquer sermão ou livreto.
Quando uma pessoa vem ver com seus próprios olhos o apropriado fundamento da fé e da confiança, isto é a fé salvadora. “Pois a vontade do meu Pai é que todo aquele que vê o Filho e crê nEle tenha a vida eterna” (João 6:40). “Eu o revelei aos homens que do mundo me deste. Eles eram teus, e tu os deste a mim, e eles têm obedecido a tua palavra. Agora eles sabem que tudo que tu tens me dado vem de ti. Pois Eu lhes dei as palavras que tu me deste e eles as aceitaram. Eles têm verdadeiramente conhecido que eu vim de ti, e creram que tu me enviaste” (João 17:6-8).
Esta é a visão da divina beleza de cristo que cativa a vontade e atrai os corações dos homens. Uma visão da aparente grandeza de Deus em Sua glória pode subjugar homens, e ser mais do que eles possam resistir. Isto será visto no dia do julgamento, quando os ímpios serão trazidos diante de Deus. Eles serão esmagados, sim, mas a hostilidade do coração permanecerá em plena força e a oposição da vontade continuará. Mas por outro lado, quando um único raio da moral e espiritual glória de Deus e da suprema beleza de Cristo brilha no coração, supera toda hostilidade. A alma é inclinada a amar a Deus como se por um poder onipotente, de modo que agora não apenas o entendimento, mas todo o ser recebe e abraça o amável Salvador.
Este senso da beleza de Cristo é o começo da verdadeira fé salvadora na vida do verdadeiro convertido. Isto é completamente diferente de qualquer sentimento vago de que Cristo o ama ou morreu por ele. Estes tipos de sentimentos indistintos podem causar uma espécie de amor e alegria, pois a pessoas sente uma gratidão por escapar da punição de seus pecados. Na realidade, estes sentimentos são baseados no amor próprio e não no amor a Cristo sobre todas as coisas. É triste que tantas pessoas estejam iludidas por esta falsa fé. Por outro lado, um vislumbre da glória de Deus na face de Jesus Cristo causa no coração um supremo e genuíno amor por Deus. Isso ocorre porque a luz divina mostra a excelência da beleza da natureza de Deus. Um amor baseado nisto está longe, muito acima de qualquer coisa que venha do amor-próprio, que os demônios podem ter tão bem quanto os homens. O verdadeiro amor de Deus, o qual vem desta visão de Sua beleza, causa uma espiritual e santa alegria na alma; a alegria em Deus e exultação nEle. Não há alegria em nós mesmo, mas somente em Deus.
A Visão da Beleza de Cristo – O Maior Dom de Deus!
A visão da beleza das coisas divinas causará verdadeiros desejos pelas coisas de Deus. Estes desejos são diferentes das aspirações dos demônios, as quais acontecem devido ao conhecimento que eles possuem acerca do destino que os aguarda, e que gostariam que de algum modo pudesse ser diferente. Os desejos que vêm desta visão da beleza de Cristo são desejos livres e naturais, como um bebê desejando por leite. Por esses desejos serem tão diferentes de suas imitações, eles ajudam a distinguir entre as genuínas experiências da graça de Deus e as falsas.
Falsas experiências espirituais têm a tendência de causar orgulho, o qual é o pecado especial do Diabo. “Ele não deve ser um novo convertido, ou poderá se tornar soberbo e cair sob a mesma condenação do Diabo” (1 Tm 3:6). O orgulho é o resultado inevitável da falsa experiência espiritual, ainda que esteja freqüentemente encoberto por um disfarce de grande humildade. A falsa experiência é apaixonada por si mesma e cresce em si mesma. Ela vive para se auto-promover de uma forma ou de outra. Uma pessoa pode ter grande amor por Deus e se orgulhar da grandiosidade de seu amor. Ela pode ser muito humilde e, entretanto, muito orgulhosa de sua humildade. Mas as emoções e experiências que vêm da graça de Deus são exatamente o oposto. A verdadeira obra de Deus no coração produz humildade. Ela não produz qualquer tipo de exibicionismo ou alto-exaltação. Esse senso da impressionante, santa e gloriosa beleza de Cristo mata o orgulho e humilha a alma. A visão da beleza de Deus, e isto somente, revela a alma sua própria feiúra. Quando uma pessoa realmente compreende isso, ela inevitavelmente começa um processo de fazer Deus maior e maior, e a si mesma menor e menor.
Outro resultado da obra da graça de Deus no coração é que a pessoa odiará o mal e responderá a Deus com coração e vida santificados. Falsas experiências podem gerar uma certa quantidade de zelo, e até mesmo uma grade porção do que comumente é chamado de religião. No entanto, não é um zelo pelas boas obras. Sua religião não é um serviço de Deus, mas sim um serviço de si mesmo. Este é o modo como o apóstolo Tiago o coloca no contexto: “Você crê que há um só Deus. Bom! Até os demônios crêem que estremecem. Você homem insensato, quer provas de que a fé sem obras é inútil?” (Tiago 2:19,20). Em outras palavras, as boas obras são a evidência da genuína experiência da graça de Deus no coração. “Sabemos que temos vindo a conhecê-lo se obedecemos os seus mandamentos. Aquele que diz: ‘Eu o conheço’, mas não faz o que ele manda é um mentiroso, e a verdade não está nele” (1 João 2:34). Quando o coração tem sido arrebatado pela beleza de Cristo, de que outra forma pode ele responder?
Parte Final
Quão excelente é esta bondade interna e verdadeira religião que vem desta visão da beleza de Cristo! Aqui você tem as mais maravilhosas experiências dos santos e anjos do céu. Aqui você tem a melhor experiência do próprio Jesus Cristo. Mesmo que sejamos meras criaturas, isto é um tipo de participação na própria beleza de Deus. “Pelas quais ele nos tem dado suas grandíssimas e preciosas promessas, para que por elas vos torneis participantes da natureza divina” (2 Pe 1:4). “Deus nos disciplina para o nosso bem, para que possamos participar de sua santidade” (Hb 12:10). Devido ao poder desta obra divina, há uma habitação mutua de Deus e Seu povo. “Deus é amor. Quem vive em amor vive em Deus, e Deus nele” (1 Jo 4.16).
Esse relacionamento especial tem de fazer da pessoa envolvida tão feliz e abençoada quanto qualquer criatura na existência. Isto é uma dádiva especial de Deus, a qual Ele dá apenas, e especialmente, aos seus favoritos. Ouro, prata, diamantes, terras e reinos são dados por Deus a pessoas que a Bíblia chama de cães e porcos. Mas esta grande dádiva de contemplar a beleza de Cristo é a benção especial de Deus para seus mais queridos filhos. Carne e sangue não podem doá-la, somente Deus a pode conceder. Este foi o dom especial pelo qual Cristo morreu para obter em favor de Seus eleitos. Este é o mais alto símbolo do seu amor eterno, o melhor fruto de seus labores e a mais preciosa aquisição de seu sangue.
Por esta dádiva, mais do que por qualquer outra coisa, os santos brilham como luzes no mundo. Esta dádiva, mais do que qualquer outra coisa, é o conforto deles. É impossível que a alma que possua este dom, possa sequer perecer. Este é o dom da vida eterna. É o começo da vida eterna; aquele que o possui jamais poderá morrer. É a manifestação da luz da glória. Este dom vem do céu, ele tem uma qualidade celestial, e levará seu portador ao paraíso. Aqueles que possuem este dom podem vagar pelo deserto ou ser lançados nas ondas do oceano, mas alcançarão o paraíso no final. Lá a centelha celeste será aperfeiçoada e aumentada. No céu, as almas dos santos serão transformadas em uma chama brilhante e pura, e eles resplandecerão como o sol no reino de seu Pai. Amém.
(Extraído do sermão: "How to Know if You Are A Real Christian" [Como Saber se Você é um Cristão de Verdade], originalmente intitulado: "True Grace Distinguished from the Experience of Devils" de 1752, modificado para o inglês moderno em 1994 por William Carson; Acessado em 23 de fevereiro de 2011, as 14hs13min, em: http://www.puritansermons.com/sermons/edwards1.htm#top ).