segunda-feira, 25 de abril de 2011

O Estupro dos Cânticos de Salomão — Parte IV (Final)

17 de Abril, 2009, por John MacArthur

(Tradução: Nelson Ávila)

Antes de encerrarmos esta breve série, prometi responder tantas perguntas quanto possível daquelas pessoas que têm comentado aqui, via e-mail, através do Twitter e no Challies.com.

Primeiramente, gostaria de agradecer a Tim Challies pela coragem em hospedar uma discussão acerca deste tópico. A simples menção de boas maneiras e linguagem, obviamente suscita paixões no evangelicalismo contemporâneo – e não necessariamente de uma maneira que seja útil. Não é fácil encontrar fóruns na internet onde uma questão tão volátil pode ser discutida abertamente com lucro. E, devido a alguns dos vários problemas que esta série tem abordado, mesmo fóruns Cristãos não são sempre um paraíso a salvo da profanação e do comportamento grosseiro e carnal. Sou grato ao Tim por assegurar um nível mais digno de diálogo.

Faço eco ao choque total que Tim expressou quando foi exposto a algo do material do sermão de Driscoll na Escócia (a mensagem que disparou esta série neste blog). Após ler algumas das declarações ultrajantes de Driscoll, Tim reagiu da mesma maneira que qualquer Cristão de mente pura reagiria:

Eu tenho um verdadeiro problema com qualquer um que interprete os Cânticos de Salomão deste jeito... Para ser honesto, as palavras me faltam quando eu sequer tento me explicar – quando eu tento explicar como eu simplesmente não posso sequer conceber os Cânticos de Salmão assim. A natureza poética dos Cânticos é inteiramente corroída quando atribuímos tal significado a eles: tal significado específico. E eu fico pensando qual o bem que pode fazer a um casal estar apto a dizer “Veja, este ato sexual específico é obrigatório na Escritura. Portanto, vamos praticá-lo”. Isso pode ser dito a um cônjuge que não tem desejo de fazer este ato, ou que até mesmo o considera de mau gosto. E ainda, com nossa interpretação dos Cânticos de Salomão, a qual realmente não temos meios de provar (pelo menos, não para além de qualquer dúvida razoável), estamos potencialmente forçando um parceiro relutante a fazer algo. Eu apenas... novamente, as palavras realmente me faltam aqui.

Tim, você estava certo em ficar chocado. A coisa mais chocante para mim é que algumas pessoas não parecem estar chocadas de maneira alguma. O que facilmente receberia do mundo uma classificação NC-171, está sendo divulgado e defendido por alguns na igreja.

Devo explicar que não uso a internet diretamente; Eu nem sequer possuo um computador ou uma conexão a internet em minha casa. Sou totalmente dependente da equipe e dos estagiários no ministério pastoral que imprimem o material que preciso para ler e garantem que eu o consiga.

Portanto, para aqueles que talvez esperassem que eu interagiria com seus comentários em tempo real no blog, simplesmente não tenho meios fáceis de fazer isto. Faço uma varredura nos comentários quando os recebo – que usualmente não é até o dia seguinte – mas não posso responder os comentários do blog diretamente, nem seria capaz de devotar meu tempo aos fóruns de internet mesmo se estivesse conectado.

Mas, quero aproveitar esta oportunidade para responder as perguntas mais freqüentes dos últimos dias. Praticamente todos os questionamentos e críticas que têm sido levantados podem ser agrupados em duas categorias. Alguns poucos são questionamentos e observações sobre a interpretação adequada dos Cânticos de Salomão. Praticamente todo o restante tem a ver com minhas críticas a Mark Driscoll.

Responderei muitos questionamentos da primeira categoria e sumariarei minhas respostas a segunda categoria em duas respostas finais.

1. Podemos “dar o sentido” quando pregamos a poesia sem fazer uma exposição versículo por versículo, preceito por preceito? Ou é melhor deixá-lo “cuidadosamente velado” como MacArthur escreve?

A pergunta interpreta erroneamente o que eu disse. Nunca sugeri que o claro significado de qualquer texto deva ser “cuidadosamente velado”. Eu apontei para o fato de que algumas coisas na Escritura estão cuidadosamente veladas, e nós não devemos impor nossas próprias interpretações especulativas sobre elas.

Em outras palavras, estou incitando os pastores a lidar com o que o texto diz, e se afastar de impor um estilo gnóstico de significados secretos sobre as idéias que são deliberadamente deixadas obscurecidas ou totalmente escondidas pelo Espírito Santo.

Não estou dizendo nada além do que diria sobre interpretações especulativas de qualquer parte da Escritura: isto é insensato. Não, isto é seriamente perigoso. “As coisas encobertas pertencem ao SENHOR nosso Deus, mas as reveladas nos pertencem a nós...” (Deut. 29:29).

Também estou dizendo que o modo como o Espírito discursa sobre a santa intimidade e privacidade do amor conjugal é a antítese do tipo grosseiro das pseudo-interpretações gráficas que alguns evangélicos contemporâneos parecem almejar.

2. Os Cânticos de Salomão são um livro explicitamente erótico. Como pode você possivelmente argumentar que este livro da Bíblia, o qual é a Santa Palavra de Deus, é qualquer coisa, menos “completamente explícito”? Não é uma negação do óbvio afirmar que os Cânticos de Salomão não são uma bela descrição gráfica de sexo?

Explícito – ek • SPLIS • isto – Expressar distintamente tudo o que se entende; não deixando nada meramente implícito ou sugerido; sem ambigüidades.

Desde que não há nenhuma menção de uma parte reprodutiva do corpo ou ato sexual nos Cânticos de Salomão, nenhum comentarista dos Cânticos que se preze jamais faria sequer tal afirmação acerca deste livro. Além do mais (e este é o ponto chave de toda a discussão), os Cânticos de Salomão não são literatura “erótica” em qualquer sentido que seja – i. é., não se destina a despertar os leitores sexualmente. Claramente, ele nunca deveria ser pregado de uma maneira que tenha este efeito. Este é um ponto tão óbvio que apenas um explorador do livro o ignoraria por interesses lascivos.

3. Você não vê a distinção entre metáfora e eufemismo?

É claro. Mas as vezes uma metáfora é também um eufemismo, e este é claramente o caso de algumas das disputadas imagens dos Cânticos de Salomão. Não há meio exegético para decidir o que as várias jóias, flores, aromas, óleos e outros prazeres sensuais nomeados no poema representam na mente do autor. Ele propositalmente os deixa vagos. Portanto, não significa necessariamente que os símbolos devam ter qualquer relação de um-para-um com as realidades correspondentes; ao contrário, eles são emblemas gerais da beleza e do desejo. Salomão usa o simbolismo ao invés de dizer qualquer coisa explícita – o que (por definição) torna aquelas metáforas eufemísticas também.

Ao longo daquelas linhas, Richard Hess, nas páginas 34-35 de seu Baker Old Testament Commentary, observa os perigos da leitura demasiada das belas metáforas dos Cânticos:

As metáforas dos Cânticos são as mais ricas de qualquer dos livros da Bíblia. De qualquer modo, não pretendem prover uma simples correspondência do tipo um-para-um. De fato, os intérpretes são mais susceptíveis a perderem-se em absurdos quando se esforçam para igualar as coisas onde elas não são explícitas... A melhor interpretação deve manter-se sensível à linguagem das imagens e tentar seguir seus contornos sem impor demasiada exigência sobre os detalhes de interpretação... Os cânticos não apresentam entretenimento a seus leitores através de exposições lascivas, nem os educa como um manual de sexo.

4. Será que seus escrúpulos acerca de descrições gráficas de atos sexuais não são culturais e produtos de uma geração? Talvez a cultura na qual você ministra não seja tão desinibida quanto as sub-culturas que outros pregadores estão tentando alcançar.

Sexo não é algo novo na era pós-moderna. Cada cultura e cada geração tem lidado com as mesmas obsessões e perversões que lidamos hoje – embora nem sempre com a mesma auto-indulgência desenfreada que nossa cultura tem encorajado. Cada cristão tem sempre encarado os mesmos desejos e tentações que nos assaltam: “Não vos sobreveio nenhuma tentação, senão a que é comum ao homem” (1 Coríntios 10:13). Aqueles que pensam que a pornografia e a libertinagem desenfreada não eram comuns na era pré-internet devem visitar as ruínas de Pompéia e ver como era a vida na cultura de Roma durante a geração do apóstolo Paulo.

Paulo ministrou em culturas muito menos “inibidas” que a nossa. No entanto, quando ele achou necessário lidar com tópicos sexuais – seja para dar instruções positivas sobre a relação no casamento ou exortações negativas acerca de pecados sexuais – ele nunca falou em termos sexualmente gráficos.

Além disso, o que era pecaminoso na era de Paulo ainda é pecaminoso em nossa cultura saturada de pornografia. E a estratégia de Paulo para alcançar os Coríntios (uma das sub-culturas mais pervertidas sexualmente já conhecida) é a mesma estratégia que devemos usar hoje. Isto inclui alguns cuidados, dignidades e ensino autenticamente bíblico sobre questões de sexo (cf. 1 Coríntios 7). Santidade, e não um método de como aconselhar sobre sexo, é o coração do que os pastores deveriam estar ensinando sobre sexo (especialmente em uma cultura viciada em sexo). E nosso ensino sobre o assunto deve ser feito com graça, dignidade e santificação, não na forma de uma comédia erótica.

A verdade é que a Palavra de Deus nunca dá instruções específicas sobre os detalhes das preferências sexuais de um casal em sua vida sexual. Sermões que pretendem encontrar tais instruções, como a preocupação sexual demonstrada nesses assaltos aos Cânticos de Salomão, são mais prejudiciais que úteis – porque erguem a imaginação do pregador a uma posição mais elevada de proeminência e autoridade do que a verdadeira revelação de Deus.

Nem Paulo ou qualquer outro legítimo líder da igreja em 2000 anos têm sequer achado necessário (ou mesmo útil) utilizar a sabedoria das ruas para a educação sexual – nem como uma estratégia evangelística, e certamente nem como um meio de santificação para as pessoas já dominadas pela conversação sobre sexo de uma cultura corrompida. Adotar a obsessão do mundo por conversação sexual e suja não pode possibilitar um efeito santificador, porque a própria estratégia é profana.

A noção de que sub-culturas degeneradas e pessoas sexualmente viciadas não podem ser alcançadas sem o “aprender a falar a língua deles”, é uma falácia absoluta. A Grace Church está a sete milhas de Hollywood, no coração do Sul da Califórnia, em uma cultura carnal de prazer doentio, bem conhecida no mundo todo por tudo, menos por valores espirituais saudáveis. Nenhuma cidade na América é mais “desigrejada” que nosso vale, o qual abriga mais de três milhões de pessoas. O povo da Grace Church está alcançando amigos e vizinhos em todas as sub-culturas imagináveis – dos ex-presidiários aos ex-católicos e as pessoas na indústria do entretenimento. Batizamos novos convertidos praticamente todo domingo a noite. Não é necessário nem útil injetar referências sexuais explícitas nas conversas a fim de alcançar pessoas de tais culturas. Deus os traz a Cristo através do Evangelho.

5. Você intitulou seus artigos de “O estupro dos Cânticos de Salomão”. Se você discorda tanto da linguagem forte e de temas sexuais, não parece ser sobre isto o tópico?

Um dos problemas fundamentais em toda essa discussão é a recusa por parte de muitos em reconhecer a distinção crucial (e fundamental) entre linguagem forte e linguagem obscena. O próprio Mark Driscoll contribuiu para esta confusão ao misturar e obscurecer os dois assuntos em sua mensagem ano passado na Conferência Desiring God. A Escritura condena hereges em termos vigorosos, as vezes indelicados, (por exemplo, Gálatas 5:12). Mas a Bíblia nunca é indecente, e a linguagem forte na Escritura certamente não faz da linguagem profana ou suja uma piada aceitável (Efésios 5:4).

No primeiro artigo da série, expliquei por que o título é apropriado. Se alguém acha que é um exemplo do que tenho condenado, esta pessoa não entendeu nada do que falei. O estupro é um ato de violação forçada; e este tratamento dos Cânticos de Salomão é um abuso do livro, arrancando-lhe o véu designado por Deus, contaminando publicamente sua pureza, e mantendo-o a vista para olhares e sorrisos maliciosos.

6. O sermão de Driscoll foi realmente tão ruim quanto você diz? Você não está exagerando o que, em última análise, foi apenas uma diferença no estilo?

Durante a Controvérsia Downgrade, Charles Spurgeon foi essencialmente acusado da mesma coisa – uma deturpação dos fatos e uma reação exagerada as questões. Aqui está o que Spurgeon disse em resposta aos seus críticos:

A controvérsia que tem se levantado de nossos artigos anteriores é muito ampla em seu alcance. Mentes diferentes terão suas próprias opiniões quanto a maneira com a qual os combatentes têm se portado; de nossa parte estamos satisfeitos em deixar milhares de assuntos pessoais passarem desapercebidos. O que importa quais sarcasmos e gracejos possam ter sido proferidos às nossas custas? A poeira da batalha baixará no devido tempo; pois, no presente, o interesse principal é manter o estandarte em seu lugar, e preparar-se contra as arremetidas do adversário.

Nosso alerta tinha a intenção de chamar atenção para um mal que pensávamos ser aparente a todos: nunca imaginamos que “a questão precedente” seria levantada, e que uma companhia de estimados amigos arremeteria em meio aos combatentes, e declararia que não havia motivo para a guerra, mas que nosso moto poderia continuar a ser “Paz, paz!” No entanto, tal tem sido o caso, e em muitos lugares a pergunta principal não é o “Como podemos remover o mal?”, mas “Existe algum mal para ser removido?” Nenhum fim de carta tem sido escrito com isto como seu tema – “As acusações feitas pelo Sr. Spurgeon são realmente verdadeiras?” Deixando de lado a questão de nossa própria veracidade, não poderíamos ter qualquer objeção a uma discussão mais aprofundada do assunto. Por todos os meios, deixe a verdade ser conhecida.

No espírito de Charles Spurgeon, então, sinto que não há outro curso de ação, a não ser deixar que a verdade seja conhecida. This link (o qual alguém me enviou por e-mail ontem) o levará a algumas das coisas que Mark Driscoll tem dito sobre os Cânticos de Salomão. Minha preferência seria não “linkar” aquelas coisas de maneira alguma (de fato, há muito mais que eu poderia “linkar”), e gostaria de avisar que o conteúdo é altamente ofensivo (especialmente por ter sido pregado em um culto de Domingo onde crianças, adolescentes e jovens solteiros estavam presentes). Mas, como Paulo disse aos Coríntios, as vezes é necessário suportar uma pequena tolice a fim de que a verdade seja conhecida.

O Novo Testamento não poderia ser mais claro. A boca fala do que o coração está cheio (Mateus 12:34). E aqueles que ensinam publicamente são levados a um nível mais alto de responsabilidades (Tiago 3:1). Pastores, em particular, devem ser modelos de pureza (1 Tim. 4:12), acima de qualquer reprovação, tanto dentro da igreja como fora dela (1 Tim. 3:2-7). Pureza na doutrina, pureza na vida e pureza no falar fazem parte das qualificações bíblicas para aqueles que serão porta-vozes de Deus.

Efésios 4:29 Não saia da vossa boca nenhuma palavra torpe, mas só a que seja boa para a necessária edificação, a fim de que ministre graça aos que a ouvem.

Efésios 5:4–5 Nem baixeza, nem conversa tola, nem gracejos indecentes, coisas essas que não convêm; mas antes ações de graças. Porque bem sabeis isto: que nenhum devasso, ou impuro, ou avarento, o qual é idólatra, tem herança no reino de Cristo e de Deus.

1 Tessalonicenses 4:7 Porque Deus não nos chamou para a imundícia, mas para a santificação. Portanto, quem rejeita isso não rejeita ao homem, mas sim a Deus, que vos dá o seu Espírito Santo.

Tito 2:6–8 Exorta semelhantemente os moços a que sejam moderados. Em tudo te dá por exemplo de boas obras; na doutrina mostra integridade, sobriedade, linguagem sã e irrepreensível, para que o adversário se confunda, não tendo nenhum mal que dizer de nós.

É por isso que estou fazendo uma discussão tal como esta. Porque o Novo Testamento faz uma discussão assim. Não é simplesmente uma diferença de opinião, geração, preferência, estilo ou metodologia. É uma discussão que se levanta dos claros mandatos do Novo Testamento relacionados ao caráter de um presbítero. De qualquer modo, não acho que tenha reagido com força suficiente.

7. Por que você escolheu Driscoll e o conectou com os “desafios sexuais”? Por que levá-lo a público? Ele já se arrependeu de seu discurso underground, e está sendo discipulado de maneira particular por homens como John Piper e C. J. Mahaney, que o fazem prestar contas. Você os consultou antes de chamar Driscoll pelo nome? Se o problema é tão sério como você alega, por que eles não disseram nada publicamente acerca disto?

No sermão que motivou esta série, Mark Driscoll (falando especificamente as esposas na congregação) fez vários comentários que foram muito, mas muito piores do que sórdidos desafios sexuais. Além do mais, os editos de Driscoll às mulheres casadas não eram meros “desafios”, mas diretivas reforçadas com a alegação de que “Jesus Cristo ordena que você faça [isto]”. Este material tem estado online e circulado livremente por mais de um ano. Mas você terá muita dificuldade para encontrar um único fórum sequer na Web onde alguém tenha exigido que Driscoll explicasse porque ele se sentia livre para dizer tais coisas publicamente.

Estou apontando algo que não deve ser nenhum pouco controverso: pastores não são livres para falar assim. Em resposta, uma enchente de jovens revoltados, incluindo muitos pastores e seminaristas – nenhum dos quais tenha sequer tentado uma conversa em particular comigo sobre este tópico – têm se sentido livres para postar insultos e públicas reprovações em um fórum público, declarando enfaticamente (sem a óbvia consciência da ironia) que eles não crêem que tais coisas devam ser tratadas em fóruns públicos.

(Para ser claro: não estou sugerindo que alguém precisa me contatar em particular sobre declarações públicas que eu tenha feito. Muito pelo contrário. Mas aqueles que insistem que tais desacordos devam ser tratados privadamente revelam a hipocrisia do que alegam quando usam fóruns públicos para censurar e acusar um pastor de quem eles discordam.)

Quando 1 Timóteo 5:20 diz: “Aqueles que continuam em pecado, repreenda-os na presença de todos”, ele está falando aos presbíteros em particular. Aqueles em um ministério público devem ser repreendidos publicamente quando seus pecados se repetem, em público, e são confirmados por várias testemunhas.

No entanto, tenho escrito para Mark em particular sobre minhas preocupações. Ele rejeitou meu conselho. Com relação a este fato, ele pregou o sermão que venho citando, sete semanas após receber minha carta privada onde o encorajava a levar a sério o padrão de Santidade que as Escrituras impõem aos pastores. Aqui está uma pequena seleção da carta de seis páginas que o enviei:

Você [não] pode fazer cristãos adotarem modismos mundanos como se fossem um caso bíblico – especialmente quando aqueles modismos estão diametralmente em oposição ao discurso saudável, mente pura e comportamento casto que Deus nos conclama a exibir. Em sua essência, trata-se de ideologia. Não importa o quanto a cultura possa mudar, a verdade nunca muda. Quanto mais a igreja se acomoda as bases elementares da cultura, mais ela comprometerá inevitavelmente sua mensagem. Não devemos trair nossas palavras através de nossas ações; devemos estar no mundo, mas não ser do mundo... É vital que você não envie uma mensagem sobre a importância da sã doutrina e uma mensagem totalmente diferente sobre a importância do discurso são e da pureza de mente irrepreensível.

A resposta de Mark Driscoll a esta admoestação e as coisas que ele tem dito desde então só têm aumentado minha preocupação.

Mark Driscoll realmente expressou arrependimento sobre a reputação que sua língua o rendeu a alguns anos atrás. No entanto, nenhuma mudança substancial é observável. Apenas a algumas semanas, em uma diatribe raivosa dirigida a homens de sua congregação, Driscoll mais uma vez lançou um palavrão totalmente desnecessário. Algumas semanas antes disto, ele fez um escárnio público de Eclesiastes 9:10 (algo que ele tem feito repetidamente), fazendo piada disto em cadeia nacional. Então, aqui estão mais dois vídeos inapropriados de Driscoll que estão circulando entre jovens e estudantes universitários por quem tenho alguma responsabilidade pastoral. Em sua imaturidade, eles geralmente pensam que é maravilhosamente legal e transparente para um pastor falar assim. E eles se sentem a vontade para xingar e fazer piadas de forma semelhante em ambientes mais casuais.

Já passou da hora da questão ser tratada publicamente.

Finalmente, é seriamente exagerado dizer do envolvimento de John Piper e C. J. Mahaney que eles estão “discipulando” Mark Driscoll. Em primeiro lugar, a idéia de que um homem crescido, já em ministério público e sob os holofotes da TV nacional, necessita de espaço para “receber a instrução de mentores” antes que seja justo sujeitar suas atitudes públicas ao escrutínio bíblico parece inverter todo o processo. Estes problemas têm sido discutidos em ambos os contextos, público e privado, por pelo menos três ou quatro anos. Em algum ponto, o argumento de que esta é uma questão de maturidade e que Mark Driscoll apenas precisa de tempo para amadurecer perdeu a eficácia. Neste ínterim, a mídia está tendo um festival para escrever histórias que sugerem que conversação desprezível é uma das marcas registradas do “Novo Calvinismo”; e inúmeros estudantes a quem amo e conheço pessoalmente estão sendo conduzidos a um comportamento carnal semelhante ao imitarem o discurso e estilo de vida de Mark Driscoll. Para tudo há um limite.

Sim, eu informei John Piper e C. J. Mahaney das minhas preocupações sobre este material a várias semanas atrás. Discriminei todas estas questões em detalhes muito mais minuciosos do que tenho escrito aqui, e disse-lhes expressamente que estava preparando esta série de artigos para o blog.

Para aqueles que perguntam por que os pastores Piper e Mahaney (e outros em posições chaves de liderança) não têm expressado publicamente suas próprias preocupações similares, esta não é uma pergunta para mim. Espero que você escreva e pergunte a eles.

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1 É uma espécie de classificação de conteúdo para que os pais americanos tenham uma idéia daquilo com que seus filhos estão tendo contato. NC-17 seria, por exemplo, um filme contendo senas de sexo explícito ou violência excessiva. Poderia ainda conter obscenidades, pornografias, linguagem sexual ou violenta [N. do T.].

Disponívem In: http://www.gty.org/Resources/Articles/A399_The-Rape-of-Solomons-Song-Part-4?q=rape ; acesso em 25 de abril de 2011, as 13hs40min.

quarta-feira, 13 de abril de 2011

Reconsiderando o Aniquilacionismo Evangélico




Uma Análise do Pensamento de John Stott sobre a Não-Existência do Inferno


por


James I. Packer


O evangelicalismo é definido de várias maneiras por diversos tipos de pessoas. Eu o defino como a religião dos crentes da Bíblia Trinitariana que se gloriam na cruz de Cristo como a única fonte de paz com Deus e buscam compartilhar a sua fé com os outros; e eu noto que o evangelicalismo ocidental (para não irmos mais adiante), como o liberalismo protestante, o catolicismo romano de toda espécie, e o ortodoxismo oriental, tem um padrão propriamente seu. Dentre os fatores que formaram esse padrão durante os últimos cinqüenta anos incluem-se o ensinamento dogmático, devocional, apologético e ativista ministrado nas igrejas evangélicas e em movimentos paraeclesiásticos; a literatura (livros, jornais, revistas) produzida pelos evangélicos; a sensação de uma fidelidade superior à Bíblia, seu Deus e seu Cristo, que as instituições evangélicas cultivam; uma sensação de estar sendo ameaçado pelos enormes batalhões do protestantismo liberal, catolicismo romano e instituições seculares, que os leva a vociferar quando esses fundamentos ideológicos são discutidos; a obstinação por um evangelismo atuante; e o costume de transformar estudiosos e líderes em gurus, de onde surge um sentimento de ultraje e traição se percebem que eles estão andando fora da linha. Dentro da distintiva identidade corporativa do evangelicalismo introduziram-se uma consciência de privilégio e vocação, uma mentalidade envolvente e persistente, a discussão de temas irrelevantes, uma certa violência verbal e uma tendência de atingir nossos próprios feridos.


Ainda não está claro se o recente restabelecimento da confiança e o crescimento de uma vida intelectual [1] do movimento estão ou não amadurecendo esse padrão ainda verde; entretanto, sem dúvida alguma, os fatores citados acima se tornaram evidentes enquanto os evangélicos discutiam o aniquilacionismo entre si nos últimos dez anos.


Idéias aniquilacionistas têm sido debatidas entre os evangélicos por mais de um século [2], mas nunca se tornaram parte da corrente principal da fé evangélica [3], nem sequer foram largamente discutidas no meio evangélico até recentemente. Em 1987, Clark Pinnock escreveu um artigo bombástico de duas páginas entitulado “O Fogo, e Nada Mais” [4], mas que, apesar de amplamente lido, não provocou maiores discussões do que uma exposição de quinhentas páginas sobre o assunto: “O Fogo que Consome” (1982), publicada por Edward William Fudge [5], talentoso leigo das Igrejas de Cristo. Entretanto, em 1988, surgiram dois curtos trabalhos de defesa, ambos de veteranos evangélicos anglicanos: oito páginas de John Stott em “Essentials” [6], e dez do falecido Philip Edgecumb Hughes em “A Verdadeira Imagem” [7], que puseram o gato no meio dos pombos.


Em uma conferência de 350 líderes em Deerfiield, Illinois, no ano de 1989, eu li um documento pomposamente entitulado “Evangélicos e o Caminho da Salvação: Novos Desafios ao Evangelho: Universalismo e a Justificação pela Fé” [8]. No documento eu ofereci uma linha de pensamento contrária à posição desses dois respeitáveis amigos [9]. A reação foi tal que a conferência se dividiu ao meio sobre a questão da aniquilação. O relatório da Christianity Today (periódico evangélico) dizia:


“Surgiram fortes desentendimentos sobre a posição do aniquilacionismo, doutrina que afirma que as almas não salvas deixarão de existir após a morte... a conferência foi quase que dividida ao meio ao tratar do assunto em suas declarações, e nenhuma renúncia a essa posição foi incluída na resenha final da conferência”. [10]


Depois disso, a pedido de John White, então presidente da Associação Nacional de Evangélicos, o falecido John Gerstner escreveu uma resposta a Stott, Hughes e Fudge sob o título “Arrependei-vos ou Perecereis” (1990) [11]; e em 1992 os documentos apresentados na quarta Conferência sobre Dogmas Cristãos de Edinburgo foram publicados com o título “Universalismo e a Doutrina do Inferno” [12], juntamente com “O Argumento a Favor da Imortalidade Condicional”, de John W. Wenham e “O Argumento Contra o Condicionalismo: Uma Resposta a Edward William Fudge”, de Kendall S. Harmon.


E isso não foi tudo. Livros reafirmando a realidade e eternidade do inferno começaram a aparecer: “Questões Cruciais Sobre o inferno” (1991) [13], de Ajith Fernando; “Um Deus Irado?” (1991) [14], de Eryl Davies; “O Outro Lado das Boas Novas” (1992) [15], por Larry Dixon; “Quatro Opiniões sobre o Inferno” (1992) [16], por William Crocket, John Walvoord, Zachary Hayes e Clark Pinnock; “A Estrada Para o Inferno” (1992) [17], de David Pawson; “O Que Aconteceu Com o Inferno?” (1993) [18], de John Blanchard; “A Batalha Pelo Inferno: Uma Visão Geral e Avaliação do Crescimento do Interesse Evangélico pela Doutrina da Aniquilação” (1995) [19], por David George Moore; “O Inferno Em Julgamento: O Argumento a Favor do Castigo Eterno” (1995) [20], de Robert A. Peterson. Todos estes contestando mais ou menos elaboradamente o aniquilacionismo. Continuava assim a discussão.


O que está em questão aqui? A questão é essencialmente exegética, embora com implicações pastorais e teológicas. E se resume a se, quando Jesus disse que aqueles banidos no julgamento final “irão para o castigo eterno” (Mt 25:46), Ele tinha em vista um estado de tormento que não terá fim, ou um irrevogável fim da existência consciente; em outras palavras (pois assim é colocada a questão), um castigo que é eterno em sua extensão ou no seu efeito. A corrente principal da cristandade sempre afirmou o primeiro, e continua a fazê-lo; evangélicos aniquilacionistas, juntos com muitos Testemunhas de Jeová, Adventistas do Sétimo Dia e liberais — na realidade quase todos os que não são universalistas — defendem o último. Entretanto desse ponto em diante os evangélicos aniquilacionistas se dispersam e não há unanimidade [21].


Alguns têm asseverado que o aniquilamento ocorrerá imediatamente após a sentença de Jesus no Juízo Final, após um período de tormento no estado intermediário; outros têm pensado que cada pessoa banida da presença de Jesus passará por algum tormento, proporcional em intensidade e extensão ao que cada um merece, até que venha o momento da aniquilação. Alguns baseiam o seu aniquilacionismo em uma antropologia adaptada. Eles argumentam que uma existência eterna não é natural; e que, pelo contrário, desde que nós somos seres pessoais (almas) que vivem por meio de corpos, a separação entre a alma e o corpo extinguirá a consciência. Então, depois da nossa separação inicial (a primeira morte) não há um estado intermediário, apenas uma inconsciência que continuará até a ressurreição, e depois dos descrentes ressuscitados serem banidos da presença de Cristo, as suas consciências finalmente cessarão (segunda morte) quando, e porque, os seus corpos ressurretos deixarão de existir. Entretanto, alguns que raciocinam desta forma, na verdade, afirmam que há um estado intermediário consciente, com alegria para os santos e sofrimento para os ímpios, como sempre foi o consenso geral da Igreja. Todos que adotam essa antropologia denominam a sua posição de imortalidade condicional, expressão cunhada para mostrar que a existência após a morte que as religiões imaginam e que a maioria, se não todas, deseja, é uma dádiva que Deus concede somente aos crentes, enquanto que Ele, cedo ou tarde, simplesmente extingue o resto de nossa raça. A existência eterna está, portanto, condicionada à fé em Jesus Cristo, e a aniquilação é a alternativa para os demais [22].


Historicamente, essas são opiniões do século passado. O século dezenove foi uma era de audaciosos desafios a suposições antigas, sonhos audaciosos de fazer as coisas melhores, e empreendimentos audaciosos, tanto intelectuais como tecnológicos, para realizá-los. O ensinamento cristão histórico sobre o inferno era posto em questão à luz da convicção utilitariana e progressista de que a retribuição em si, sem qualquer perspectiva de alguma coisa ou alguém ser melhorado por ela, não é justificativa suficiente para a punição, desconsiderando o castigo eterno. Partindo desse ponto de vista a idéia de que o ato de Deus manter alguém em permanente tormento após a morte era indigno dEle e, portanto, a posição tradicional sobre o castigo eterno deve ser abandonada, devendo-se encontrar outra maneira de explicar os textos que parecem ensiná-la. Revisionistas da Bíblia desenvolveram duas maneiras de fazer isso, ambas essencialmente especulativas, à maneira de Orígenes, que usava a filosofia da época para estabelecer uma estrutura da forma de interpretação dos textos e para preencher as lacunas nos seus ensinamentos. O primeiro método era o universalismo, que diz que todos os seres humanos estarão por fim no céu, e especula em como, através de dolorosas experiências, os que morrem na incredulidade conseguirão isso. A segunda maneira é o aniquilacionismo, o qual afirma que os que estarão no céu serão por fim todos os humanos, e especula sobre quando os incrédulos serão aniquilados. Os argumentos utilizados pelos aniquilacionistas de hoje são essencialmente os mesmos dos seus predecessores do século passado.


Duas advertências pastorais e teológicas devem preceder nossas considerações a esses argumentos.


1) Opiniões sobre o inferno não devem ser discutidas fora das linhas do Evangelho. Por quê? Porque é somente em conexão com o Evangelho que Jesus e os autores do Novo Testamento falam do inferno, e a maneira bíblica de lidar com temas bíblicos é levar-se em consideração tanto as suas conexões bíblicas, quanto a sua substância bíblica. Como diz Peter Toon:


“... a pregação e o ensino de Jesus com relação ao Geena, trevas e condenação estavam relacionados com a Sua proclamação e exposição do reino de Deus, salvação e vida eterna; eles nunca são expostos como assuntos independentes para reflexão e estudo. Renomados teólogos [23] têm muito enfatizado este último ponto. ... o inferno é parte integrante do Evangelho e portanto não pode ser deixado de fora ... . Advertir as pessoas para que evitem o inferno significa que ele é uma realidade, ou pode vir a ser uma realidade. Portanto, é inevitável que tentemos oferecer uma descrição do inferno pelo menos em termos de poena damni (dor pela perda da alegria) e possivelmente de poena sensus (dor dos sentidos, ou seja, através dos sentidos) mas ... sempre reconhecemos que falamos figuradamente”. [24]


A idéia cristã do inferno não é um conceito isolado de sofrimento apenas por sofrimento (a divina “selvageria”, “sadismo”, “crueldade” e “vingança” do qual os aniquilacionistas acusam os crentes que declaram o inferno eterno) [25]; mas uma noção biblicamente formada por três misérias equivalentes, que são: a exclusão da presença e comunhão graciosa de Deus, em castigo e com destruição sobre aqueles que, ao negarem as misericórdias de Deus, já rejeitaram o Pai e o Filho nos seus corações. A justiça do juízo final de Deus, o qual Jesus administrará, de acordo com o Evangelho, está em duas coisas: primeiro, o fato de que o que as pessoas recebem não é apenas o que elas merecem, mas o que elas na verdade escolheram isto é, existir para sempre sem Deus e conseqüentemente sem nenhum dos bens que Ele concede; segundo, o fato de que a sentença é proporcional ao conhecimento da Palavra, obra e vontade de Deus, que foram desconsideradas (Cf. Lc. 12:42-48; Rm1:18-20, 32, 2:4,12-15). De acordo com o Evangelho, o inferno não é uma selvageria imoral, mas uma retribuição moral, e discussões sobre a sua extensão para os seus habitantes devem ocorrer dentro desse quadro.


2) Opiniões sobre o inferno não deveriam ser determinadas por considerações do bem-estar. Diz John Wenham: “Acautelai-vos da imensa atração natural por qualquer saída que os livre da idéia de pecado e sofrimento sem fim. A tentação de torcer o que deveriam ser declarações completamente rígidas das Escrituras é intensa. É a situação ideal para uma racionalização inconsciente” [26].


Diz John Stott: “Eu acho o conceito de tormento consciente eterno emocionalmente intolerável e não compreendo como as pessoas conseguem conviver com isso sem cauterizar seus sentimentos ou esfacelá-los com a tensão. Mas as nossas emoções são um guia instável, não confiável para nos conduzir à verdade e não devem ser exaltadas ao lugar de suprema autoridade em determiná-la ... minha pergunta deve ser e é não o que me diz o meu coração, mas, o que diz a Palavra de Deus?” [27].


Ambos adotaram o aniquilacionismo, no que estão errados, mas eles o admitem por uma justa razão — não porque é uma idéia que se ajustou confortavelmente às suas convicções, apesar de tê-lo feito, mas porque eles pensaram tê-lo encontrado na Bíblia. Qualquer que seja nossa posição sobre a questão, nós também devemos ser guiados pelas Escrituras e nada mais.


1) O primeiro argumento é a necessidade de explicar “castigo eterno” de Mateus 25:46, que está diretamente relacionado com “vida eterna”, sem que traga necessariamente a implicação de eternidade. Admitindo-se que, como é corretamente defendido, “eterno” (aionios) no Novo Testamento significa “que pertence à era porvir” em vez de expressar qualquer noção diretamente cronológica, os escritores do Novo Testamento são unânimes em concluir que o tempo porvir será eterno. Então o problema dos aniquilacionistas permanece no mesmo lugar que estava. A afirmação de que, na era por vir, a vida é alguma coisa contínua, enquanto que o castigo é algo com um final, torna a questão evasiva. Basil Atkinson, “um excêntrico bacharel acadêmico”, de acordo com Wenham [28], mas um filologista profissional, e mentor de Wenham e Stott nessa matéria, escreveu:


“Quando o adjetivo aionios significando “eterno” é usado no grego juntamente com substantivos de ação, ele se refere ao resultado da ação, não ao processo. Assim a expressão “castigo eterno” é comparável a “redenção eterna” e a “salvação eterna”, todas expressões bíblicas ... os que se perdem não passarão eternamente por um processo de castigo mas serão punidos uma vez por todas com resultados eternos”. [29]


Embora essa declaração seja constantemente feita por aniquilacionistas, que de outra maneira não poderiam erigir sua posição, ela carece de apoio gramatical e em qualquer caso torna a questão evasiva quando assume que o castigo é um evento momentâneo ao invés de contínuo. Embora, porventura, não seja absolutamente impossível, o raciocínio parece artificial, evasivo, e, em uma avaliação final, desamparado.


2) O segundo argumento é que, uma vez que a idéia de imortalidade intrínseca da alma (isto é, do indivíduo consciente) deixa de ser considerada como uma intromissão platônica na exegese do segundo século, parecerá que o único significado natural de morte, destruição, fogo e trevas no Novo Testamento como indicadores do destino dos ímpios é de que tais pessoas deixam de existir. Mas tal afirmação quando submetida à prova mostra estar errada. Para os evangélicos, a analogia das Escrituras, isto é, o axioma da sua coerência e consistência intrínsecas e sua capacidade de elucidar ela mesma os seus ensinos, é uma regra para toda interpretação, e, embora haja textos que, tomando-os isoladamente, podem conter implicações aniquilacionistas, há outros que de forma alguma podem se encaixar nesse esquema. Mas nenhuma teoria que se propõe a explicar o significado da Bíblia e não abrange todas as Suas principais declarações pode ser verdadeira.


Judas 6 e Mateus 8:12; 22:13, 25:30 mostram que as trevas significam um estado de privação e aflição, mas não de destruição no sentido de deixar de existir. Somente aqueles que existem podem chorar e ranger seus dentes, como é dito dos que serão lançados nas trevas.


Em nenhuma parte a morte significa extinção; morte física é a partida para outra forma de existência chamada sheol ou hades, e morte metafórica é uma existência sem Deus e Sua graça; nada na terminologia bíblica garante a idéia, encontrada em Guillebaud [30] e outros, de que “a segunda morte” de Apocalipse 21:11, 20:14, 21:8 significa ou refere-se à extinção da existência.


Lucas 16:22-24 nos mostra, como também uma grande quantidade de linguagem apocalíptica extra-bíblica, que fogo significa uma existência continuamente em tormento, e as arrepiantes palavras de Apocalipse 14:10, 19:20, 20:10 e de Mateus 13:42,50 confirmam isso.


Em 2 Tessalonicenses 1:9 Paulo explica, ou amplia, o significado de “sofrerão penalidade de eterna (aionios) destruição” adicionando “banidos da face do Senhor” — expressão que, por denotar exclusão, joga por terra a idéia de que “destruição” significa extinção. Somente aqueles que existem podem ser excluídos. Tem sido freqüentemente demonstrado que no grego o significado natural das palavras relacionadas a destruição (substantivo, olethros; verbo, apollumi) é arruinar, de forma que o foi destruído fica, a partir de então, inutilizado, ao invés de propriamente aniquilado, de maneira que passa a não mais existir de forma alguma.


Os aniquilacionistas se defendem com especial argumentação. Às vezes, eles argumentam que tais textos que falam de um tormento contínuo fazem referência somente a uma experiência temporária para os que se perdem antes de deixarem de existir, mas isso é tornar a questão evasiva através de uma exegese especulativa e renunciar a sua declaração original de que o Novo Testamento, quando fala de perdição eterna, sugere naturalmente a extinção. Peterson cita John Stott, no que ele chama de “o melhor argumento aniquilacionista” [31]. O trecho a seguir faz comentários às palavras “A fumaça do seu tormento sobe pelos séculos dos séculos” de Apocalipse 14:11.


O próprio fogo é chamado “eterno” e “inextinguível”, mas seria muito estranho se o que fosse ali atirado provasse ser indestrutível. A nossa expectativa deveria ser o oposto: o que for ali atirado deve ser consumido eternamente, não atormentado eternamente. Por isso existe a fumaça (evidência de que o fogo fez o seu trabalho) que “sobe pelos séculos dos séculos”.


“Pelo contrário”, contra-argumenta Peterson, “nossa expectativa seria de que a fumaça se extinguiria uma vez que o fogo já tivesse terminado o seu serviço ...”. O restante do verso confirma nossa interpretação: “e não têm descanso algum, nem de dia nem de noite, os adoradores da besta e da sua imagem” [32]. Para isso parece não haver resposta.


Portanto, o argumento lingüístico fracassa em todos os seus pontos. Dizer que alguns textos, tomados isoladamente, poderiam significar a aniquilação, não prova absolutamente nada quando outros evidentemente não o fazem.


3) O terceiro argumento é o de que o fato de Deus aplicar eternamente um castigo aos perdidos seria algo injusto e desproporcional. Stott escreve: “eu questiono se o 'tormento eterno e consciente' é compatível com a revelação bíblica de justiça divina, a menos que talvez (como tem sido argumentado) a impenitência dos ímpios também perdure ao longo da eternidade” [33]. A incerteza expressa pelo “talvez” de Stott é estranha, por isso não há nenhuma razão para se pensar que a ressurreição dos ímpios mudará o seu caráter, e sim toda a razão para se supor que a sua rebeldia e impenitência continuarão enquanto eles existirem, tornando o eterno exílio da comunhão de Deus plenamente apropriado; mas, deixando isso a parte, é evidente que o argumento, se fosse válido, provaria coisas demais e terminaria solapando a própria causa aniquilacionista.


Mas se, como sugere o argumento, é desnecessariamente cruel para Deus manter os que se perdem existindo para serem atormentados, porque a Sua justiça no caso não requer isso, como os aniquilacionistas podem justificar, em termos da justiça de Deus, o fato dEle os fazer passar por qualquer tipo de tormento após a morte. Por que a justiça, que desse ponto de vista requer a aniquilação de qualquer forma, não se satisfaz com uma aniquilação no momento da morte? Os aniquilacionistas bíblicos, que não podem escapar da expectativa bíblica da ressurreição final de crentes e incrédulos para o julgamento, também admitem que haverá alguma dor imposta após o julgamento e antes da extinção; mas se a justiça de Deus não requer nada além da aniquilação, e portanto não requer essa dor, ela se torna uma crueldade desnecessária, sendo Deus assim, conseqüentemente, acusado de cometer a mesma falta da qual os aniquilacionistas ansiosamente querem provar que Ele é inocente e também condenam a corrente principal do pensamento cristão por sua inferência. Enquanto que, se a justiça de Deus realmente não requer nenhuma punição em adição à aniquilação, e a contínua hostilidade, rebeldia e impenitência dos ímpios para com Deus permanece uma realidade após suas mortes, não haverá momento algum em que seja possível tanto para Deus como para o homem dizer que castigo suficiente já foi aplicado, que já não merecem mais do que já receberam, e qualquer punição a mais além disso seria injusta. Dessa forma o argumento retorna aos seus proponentes como um bumerangue, impelindo-os de volta e deixando-os sem poder escapar das garras do seu dilema. Basil Atkinson foi mais sábio e declarou: “eu tenho evitado ... qualquer argumento sobre o estado final dos ímpios baseado no caráter de Deus, o que eu consideraria uma irreverência tentar avaliá-lo” [34]. Sem dúvida ele anteviu as dificuldades a que tal argumento conduz.


4) O quarto argumento é o de que a alegria dos santos no céu seria arruinada pelo fato de saberem que alguns continuam debaixo de merecida punição. Mas não se pode dizer isso de Deus, como se a manifestação da Sua santidade na punição doesse mais a Ele do que aos ofensores; e desde que no céu os cristãos serão semelhantes a Deus, amando o que Ele ama e se regozijando em toda manifestação Sua, incluindo a manifestação da Sua justiça (na qual os santos, pelas Escrituras, na verdade já se alegram neste mundo), não há razão para imaginar que a sua alegria eterna será prejudicada dessa forma [35].


É desagradável contestar honrados colegas evangélicos através de uma matéria impressa, alguns dos quais são bons amigos e outros (eu falo particularmente de Atkinson, Wenham e Hughes) agora já se encontram com Cristo. Portanto, paro por aqui. Meu propósito era apenas reconsiderar o debate e avaliar a força dos argumentos utilizados, e isso eu fiz. Eu não estou certo se concordo com Peter Toon quando diz que “discussão sobre se o inferno significa castigo eterno ou aniquilação após o juízo ... é tanto perda de tempo como uma tentativa de saber daquilo que não podemos saber” [36], mas eu estou convencido de que ele está certo em dizer que o inferno “faz parte do Evangelho” e que “advertir as pessoas para que evitem o inferno significa que ele é uma realidade” [37]. Todo aquele que se decide por advertir as pessoas para que evitem o inferno pode andar em comunhão no seu ministério e legitimamente reivindicar ser um evangélico. Quando John Stott argumenta que “a aniquilação final do ímpio deveria ser aceita como uma alternativa legítima e biblicamente fundamentada para o eterno e consciente tormento” [38], ele pede demais, pois os fundamentos bíblicos dessa posição, quando examinados, provam, como vimos, que são inadequados. Seria errado porém, se essas diferenças de opinião quanto ao assunto levassem ao rompimento da comunhão. Entretanto seria uma boa coisa se elas fossem resolvidas.







Notas:


[1] - No Place for Truth (Nenhum Lugar para Verdade - Grand Rapids: Eerdmans, 1993) de David Wells e Mark Noll, The Scandal of the Evangelical Mind (O Escândalo da Mente Evangélica - Grand Rapids: Eerdmans, 1994), contam só parte da história. Admitindo-se que a teologia evangélica em algumas partes e sobre alguns aspectos tem sido deformada e fragmentada, a energia que atualmente vem sendo dedicada para recuperá-la aqui, é notável.


[2] - Detalhes podem ser recolhidos de LeRoy Edwin Froom, The Conditionalist Faith of Our Fathers (A Fé Condicional de Nossos Pais - Washington, D. C.: Review and Herald, 2 vols., 1965-66), e de David J. Powys, “The Nineteenth and Twentieth Century Debates about Hell and Universalism”, (O Debate sobre Inferno e Universalismo no Século 19 e 20 - Uníversalism, Paternoster Press, e Grand Rapids: Baker, 1992), 93138.


[3] - Eu declarei isto em “The Problem of Eternal Punishment” (O Problema do Castigo Eterno - Crux XXVI.3 - 23/09/90. John Wenham desafiou fundamentado em que os evangélicos falaram muito sobre o assunto na segunda metade do século 19, que ele chamou “o auge do condicionalismo entre evangélicos” (Universalism. ., 181 e nota 27). Mas conversação e convicção não são a mesma coisa. A evidência para minha afirmação encontra-se no fato de que três dos “quatro melhores livros que defendem o aniquilacionismo” segundo Robert A. Peterson, (Hell on Trial - Inferno em Julgamento - Phillipsburg: Presbyterian & Reformed Publishing, 1995, 161-62); The Righteous Judge, de Harold E. Guillebaud (O Justo Juiz - publicação independente, 1964); Basil F. C. Atkinson, Life and lmmortality (Vida e Imortalidade - publicação independente, n.d.c. 1968; e Edward William Fudge, The Fire That Consumes (O Fogo Que Consome), não foram publicados por nenhuma publicadora evangélica influente.


[4] - Christianity Today (Cristianismo Hoje), 20 de março de 1987, 40-41. Pinnock ampliou sua linha de pensamento em “The Destruction of the Finally Impenitent” (A Destruição do Impenitente a Final - Criswell Theological Review 4 (Primavera 1990), 243-59.


[5] - Houston: Providential Press, (Imprensa providencial), 1982. O livro de Fudge foi notado e respondido de forma breve por Robert UM. Morey, Death and the Afterlife (Morte e a Vida após a morte - Minneapolis: Bethany House, 1984), 124ff., 205. Uma edição revisada e reduzida, com as respostas de Fudge aos críticos, apareceu em 1994 (Carlisle, Reino Unido,: Paternoster Press).


[6] - David L. Edwards e John Stott, Essenhals (Londres: Hodder & Stoughton, 1988), 313-20.


[7] - Grand Rapids: Eerdmans, e Leicester, Reino Unido,: Inter-Varsity Press, 1989, 398-407.


[8] - Kenneth Kantzer e Carl F. H. o Henry, eds., Evangelical Essentials (Grand Rapids: Zondervan, 1990), 107-36.


[9] - A linha de pensamento foi desenvolvida no artigo de Crux (Ponto Crucial), nota 3.


[10] - Christianity Today (Cristianismo Hoje), 16 de junho de 1989, 60,; 63.


[11] - Ligonier, Pennsylvania,: Soli Deo Gloria Publications (Soli Deo Gloria Publicações), 1990.


[12] - Veja nota 2.


[13] - Eastbourne, Reino Unido,: Kingsway, 1991.


[14] - Bridgend, Reino Unido,: Evangelical Press of Wales (Imprensa Evangélica de Gales), 1991.


[15] - Wheaton: Bridgepoint Books (Victor Books), 1992.


[16] - Grand Rapids: Zondervan, 1992.


[17] - Londres: Hodder & Stoughton, 1992.


[18] - Darlington, Reino Unido,: Evangelical Press (Imprensa Evangélica), 1993.


[19] - Lanham, Maryland,: United Press of América, 1995.


[20] - Veja nota 3.


[21] - Para uma consideração geral, veja David J. Powys, ""The Nineteenth & Twentieth Century Debates about Hell and Universalism," in Universalism. . ., (Debate sobre Inferno do Século 19 e 20 e Universalismo), em Universalism. . ., 93-129.


[22] - Além de seus expoentes evangélicos modernos, o condicionalismo tem tido o apoio de uma grande parte do protestantismo mundial durante os últimos 150 anos. Veja B. B. Warfield, " Annihilationism" (Aniquilacionismo-Grand Rapids: Baker, 1981), ix., 447-57; Peter Toon, Heaven and Hell (Céu e Inferno - Nashville: o Thomas Nelson, 1986), 17S81;artigos "Annihilationism" (Aniquilacionismo) e Conditional Immortality" (Imortalidade Condicional - Dicionário Evangélico de Teologia - Walter UM. Elwell, ed. Grand Rapids: Baker,1984).


[23] - Ibid., 199.


[24] - Ibid., 200-201.


[25] - “Selvageria” é de Michael Green, Evangelism through the Local Church (Evangelismo pela Igreja Local - Londres: Hodder & Stoughton, 1990); “sadismo” é de J. W. Wenham, Universalism. . . (Universalismo ...), 187; as outras duas palavras são de Clark Pinnock, Criswell Theological Review 4 (1990), 246.


[26] - Wenham, The Enigma of Evil (O Enigma do Mal - Grand Rapids: Zondervan, 1985), 37-38.


[27] - Stott, Essentials, 315-16.


[28] - Wenham, Universalism ... (Universalismo...), 162, note 3.


[29] - Atkinson, Life and lmmortality (Vida e Imortalidade), 101.


[30] - H. E. Guillebaud, The Righteous Judge (O Justo Juiz), 14.


[31] - Peterson, Hell on Trial (Inferno em Julgamento), 162. Wenham descreve as páginas de Stott como um “tratamento leve”, (Universalism. . ., 167). O julgamento de Peterson me parece mais perspicaz.


[32] - Ibid., 168-69; Stott citando, Essentials, 316.


[33] - Ibid., 319.


[34] - Ibid., iv.


[35] - Estas sentenças são principalmente retiradas de Packer, art. cit, 23. 36 Ibid., 201.


[37] - Ibid., 250.


[38] - Ibid., 320.39 Fonte: Revista Fides Reformata







Dr. James Packer, antigamente Professor de Teologia no Regent College, Vancouver; desde 1979, Editor Senior da Chrishanity Today e um professor muito ocupado. Ele disserta amplamente, escreve extensivamente, e é o distinto autor de numerosos best-sellers. Ele contribuiu para Reformation & Revival Journal.



Fonte: www.monergismo.com/textos/inferno/aniquilacionismo_packer.htm (publicada com a autorização de Felipe Sabino, a quem agradecemos pela gentileza com que acolheu nossa petição.)



Evandro C. S. Junior, 13 de Abril de 2011



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